Survey
* Your assessment is very important for improving the workof artificial intelligence, which forms the content of this project
* Your assessment is very important for improving the workof artificial intelligence, which forms the content of this project
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Instituto de Ciências Biológicas – ICB Departamento de Biologia Geral Indução de mutações por ENU em camundongos e Mapeamento genético da mutação careca Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Genética do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Genética Bruno Luiz Fonseca Schamber Reis Orientação: Profª. Drª. Ana Lúcia Brunialti Godard Fevereiro de 2006 Sumário 1. Resumo 2 2. Apresentação 3 3. Artigo 1 – Projeto ENU 6 4. Artigo 2 – Mapeamento genético da mutação careca 25 5. Conclusões e Perspectivas 60 6. Agradecimentos 63 7. Referências 64 8. Anexo I 69 1 1. Resumo O camundongo vem sendo explorado de forma intensa como importante ferramenta experimental no estudo das causas genéticas e do metabolismo anormal envolvido em doenças. Isolar animais que apresentem fenótipos mutantes de interesse vem sendo o objetivo de vários grupos de pesquisa na tentativa de se obter bons modelos murinos para patologias humanas. Um projeto de colaboração entre o Laboratório de Genética Animal e Humana do ICB/UFMG e o Biotério de Experimentação do Depto. de Imunologia do ICB/USP buscou induzir mutações em camundongos com a utilização de ENU (etil-nitroso-uréia), que gera mutações pontuais. O protocolo de administração do mutágeno e os cruzamentos controlados permitiram isolar dez mutações autossômicas recessivas e uma autossômica dominante. Dentre os 11 mutantes recuperados no projeto ENU, a mutação recessiva careca (carc) foi uma das escolhidas para ser mapeada no genoma do camundongo. O mutante carc, isolado na linhagem BALB/c, apresenta pelagem defeituosa, rarefeita, além de problemas na pele, rins e linfonodos. O mapeamento genético à alta resolução desta mutação se deu pelo estabelecimento de dois retrocruzamentos, sendo o primeiro carc/C57BL/6 x carc/carc e o segundo carc/NZB x carc/carc. Um haplótipo construído com os dados provenientes da genotipagem dos 783 animais gerados dos dois retrocruzamentos com 15 marcadores microssatélites polimórficos, pôde posicionar o locus careca num intervalo genômico de 5,56 megabases compreendido entre os marcadores D7Mit105 e D7Mit304. Dentre os genes conhecidos neste trecho, o gene Fgfr2 (fibroblast growth factor receptor 2) foi considerado o candidato mais imediato, já que participa ativamente da diferenciação epidérmica no embrião. Além disso, animais knockouts para Fgfr2 mostram intensa correspondência fenotípica com o mutante carc. Análises de DHPLC (cromatografia líquida desnaturante de alta performance), realizadas com fragmentos amplificados por PCR a partir do cDNA deste gene, indicaram possível presença de mutação em 9 dos 20 éxons de Fgfr2. O seqüenciamento destes éxons e posterior alinhamento das seqüências provenientes de animais careca e normais das linhagens isogênicas BALB/c, C57BL/6, NZB e A/J não permitiu identificar nenhuma mutação nestes intervalos. A permanência do gene Fgfr2 como candidato é discutida e comentada. 2 2. Apresentação O desenvolvimento de tecnologias inovadoras no âmbito das ciências biológicas permitiu uma aceleração nos processos de aquisição de conhecimento. Nos últimos anos as áreas moleculares da genética e da bioquímica alcançaram índices de desenvolvimento nunca vistos na história. A existência de uma enorme quantidade de periódicos científicos especializados e um respeitável número de artigos publicados periodicamente celebra a importância e o impacto da pesquisa da vida sobre o cotidiano do homem. Uma justificativa forte para este crescimento está na necessidade de se conhecer como as proteínas, açúcares, lipídios e ácidos nucléicos, considerados blocos básicos de construção, interagem entre si em suas vias metabólicas e regulam a fisiologia própria dos tecidos que compõem os órgãos e sistemas de mamíferos superiores. Adquirir este tipo de informação é crucial para se tentar resolver outra questão importante: compreender as causas orgânicas e inorgânicas envolvidas no estabelecimento das doenças moleculares no homem e nos animais, permitindo o desenvolvimento de terapias que possam trazer a cura. Neste sentido, a genética buscou, através de sua história, estabelecer modelos animais apropriados para este fim. Os camundongos ocupam uma posição de destaque dentre os modelos animais disponíveis, e estudos envolvendo linhagens murinas em laboratório vêm permitindo um intenso progresso no entendimento de mecanismos envolvidos em doenças. O camundongo é uma ferramenta experimental versátil para estudos de doenças genéticas. É de fácil manipulação e se adapta bem a condições artificiais de criação em laboratório. Várias linhagens isogênicas estão disponíveis e é permitida a realização de cruzamentos controlados a partir de linhagens interespecíficas que normalmente geram proles viáveis e férteis, tornando possível a análise de segregação de vários tipos de polimorfismos (Guénet, 1998). Além disso, o homem e o camundongo compartilham o período de divergência evolutiva mais recente, em comparação com outros modelos tais como Drosophila, a mosca de frutas doméstica, e Xenopus (Guénet, 2003). Uma comparação dos dados genômicos obtidos do seqüenciamento completo dos genomas murino e humano (Waterston et al, 2002; Lander et al, 2001) levou ao achado de que mais de 99% dos genes em camundongos têm homólogos no homem (Austin et al, 3 2004). Mais de 90% dos dois genomas podem ser alinhados em regiões de sintenia conservada entre as duas espécies. A proximidade genômica entre o homem e o camundongo é um fator marcante que incentiva a adoção dos modelos murinos como meio experimental nos estudos de patologias humanas. Embora outros organismos modelos possam ser utilizados com facilidade em processos de dissecção genética, o camundongo continua sendo o modelo mais valorizado hoje em estudos genéticos envolvendo aspectos comportamentais, desenvolvimento embrionário de mamíferos, câncer e imunologia (Perkins, 2002). A importância do camundongo na modelagem de doenças humanas se materializa em inúmeros mutantes murinos espontâneos e induzidos que são constantemente recuperados pelos geneticistas de camundongos. A coleção atual de mutações cobre alterações em praticamente todas as classes fenotípicas. Um grande número de mutantes apresenta fenótipos homólogos aos observados em doenças humanas, que em grande parte dos casos se estendem a nível molecular (Guénet, 1998). Muitas mutações em camundongos são consideradas modelos experimentais em pesquisas sobre o avanço de quadros clínicos de doenças genéticas humanas, sendo que muitos deles têm levado à descoberta de genes importantes envolvidos em tais enfermidades (Brown & Peters, 1996). Análises moleculares realizadas em camundongos considerados modelos para alcaptonúria, fenilcetonúria, síndrome de Marfan, obesidade, síndrome de Down, dentre outros, propiciaram a aquisição de informações moleculares únicas que serviram, em muitos casos, como peças-chave na integração de conhecimentos biomédicos previamente obtidos a partir de outras fontes. Assim sendo, é possível extrair dados biológicos relevantes sobre a evolução de doenças adotando camundongos mutantes como instrumentos vivos em pesquisa básica. Esta dissertação está organizada em três partes principais. A primeira apresenta os resultados de um projeto de indução de mutações por ENU (etil-nitroso-uréia) que permitiu isolar diversas mutações diferentes em camundongo. A segunda parte aborda o mapeamento genético de uma mutação de pelagem específica isolada neste projeto, denominada careca (carc), incluindo análise de gene candidato presente no intervalo mapeado. Os resultados das duas abordagens estão apresentados sob o formato de artigos científicos separados. Cada artigo está precedido de uma introdução própria que procura contextualizar as abordagens experimentais e oferecer base informativa para um 4 melhor entendimento da importância científica trazida por estes trabalhos. A terceira parte busca integrar os resultados numa conclusão geral que abrange aspectos principais dos dois artigos, levantando perspectivas futuras. Todos os trabalhos citados na apresentação, nas introduções que precedem cada um dos dois artigos e na conclusão geral da dissertação são referenciados separadamente (item 7 do Sumário). 5 3. Artigo 1 – Projeto ENU Modelos animais sempre foram utilizados como forma indireta de se estudar fenômenos bioquímicos que ocorrem na espécie humana. Estudos em espécies como D. melanogaster, S. cerevisiae e D. rerio revelaram importantes aspectos moleculares envolvidos na genética e no desenvolvimento de invertebrados e vertebrados (Beier, 2000). Os mutantes isolados em camundongos (Mus musculus) vêm proporcionando enormes avanços no entendimento de aspectos moleculares, fisiológicos e patológicos. A geração de mutantes pode ocorrer em duas abordagens principais (Brown & Nolan, 1998). A primeira, denominada abordagem genotípica, é baseada primariamente no conhecimento prévio da seqüência e se dá pela indução de mutações dirigidas por meio do processo de recombinação homóloga em células germinativas embrionárias. Não é uma técnica muito proveitosa na geração de mutações em larga escala, porém tem como vantagem principal a rápida identificação do locus responsável pelo fenótipo, já que o mesmo é previamente conhecido. A segunda, chamada de abordagem fenotípica, lança mão de mutagênese aleatória induzida por agentes químicos ou físicos para isolar animais com novos fenótipos. Neste caso é necessário identificar os genes e vias metabólicas envolvidas no fenótipo anormal. O grande chamativo desta segunda abordagem é que nenhuma informação anterior a respeito do genoma é necessária, e isso se torna importante para trazer à tona o papel de muitos genes ainda sem função descrita, tendo em vista que 1% dos 30.000 genes preditos no genoma do camundongo ainda não possui contrapartes humanas identificadas (Waterston et al, 2002). A expansão da coleção de camundongos mutantes se faz necessária para identificar e descrever novos genes e para uma melhor compreensão da ação destes genes no metabolismo geral, permitindo um maior domínio na compreensão da função gênica em mamíferos (Wells & Brown, 2000). O domínio de técnicas moleculares que induzem o aparecimento de mutações (ENU, animais knock-in e knockout e mutantes condicionais), aliado à existência das mutações espontâneas, acelerou o andamento de estudos sobre o fenótipo, isto é, como o impacto genotípico de diferentes mutações atua na função normal de genes críticos. Mesmo com os inúmeros mutantes já isolados e descritos, o termo "gap (buraco) fenotípico" é bem empregado para expor um estado de carência de animais mutantes, o que leva ao sub-aproveitamento do camundongo como 6 organismo modelo. Para maximizar as potencialidades do camundongo como modelo, ainda é necessário isolar mais mutantes para os loci já conhecidos e também gerar mutações em loci ainda desconhecidos (Brown & Peters, 1996). Apostando nesta estratégia, muitos laboratórios se interessam pela abordagem fenotípica, isolando mutantes induzidos pela ação alquilante do mutágeno ENU (etilnitroso-uréia). Este agente mutagênico possui um radical etil transferível a oxigênios ou nitrogênios presentes nas bases nitrogenadas do DNA (Noveroske et al, 2000). Os sítios de alquilação estão presentes em todas as bases do DNA e foram identificados tanto in vivo quanto in vitro. Estes sítios incluem os resíduos N1, N3 e N7 da adenina; O6, N3 e N7 da guanina; O2, O4 e N3 da timina e O2 e N3 da citosina. A base transformada, então, passa a mimetizar uma outra base durante a replicação da dupla-fita de DNA, fazendo com que a mutação se fixe no genoma após dois ciclos de replicação celular, já que o mecanismo impede a ação eficiente do sistema de reparo celular. O ENU gera mutações de ponto (além de pequenas deleções e inserções) em todo o genoma. Comparativamente às outras drogas mutagênicas, como, por exemplo, clorambucil, ENU apresenta a maior taxa de mutação, da ordem de 1,5-6 x 10-3. De todas as mutações induzidas por ENU e que foram seqüenciadas, foram detectadas mutações de sentido trocado (64%), mutações sem sentido (10%) e erros de splicing (26%) (Justice et al, 2000). Os animais tratados com ENU (geralmente machos, pois toleram bem o tratamento e geram uma grande quantidade de espermatogônias mutantes) são cruzados para observação dos mutantes na prole, que serão posteriormente caracterizados fenotípica e geneticamente. Sendo o ENU um alquilante que age aleatoriamente no genoma, conseqüentemente pode induzir mutações em qualquer ponto de determinado gene, permitindo a avaliação de todo um espectro de alterações na seqüência (Beier, 2000). O artigo a seguir apresenta os resultados obtidos num projeto de indução de mutações por ENU para recuperação de fenótipos dominantes e recessivos. Este projeto foi realizado em colaboração com a Dra. Silvia Maria Gomes Massironi, coordenadora do Biotério de Experimentação do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas–USP. Dentre as onze mutações isoladas percebe-se uma gama diversa de fenótipos alterados, incluindo alterações hematológicas, comportamento, alterações na 7 pelagem e distúrbios neuromusculares. A dose e freqüência da administração de ENU e os cruzamentos utilizados para recuperar os mutantes foram bem estabelecidos para maximizar a capacidade mutagênica do composto sem causar efeitos colaterais nos animais tratados, o que os impossibilitaria de passar a mutação dos gametas para a geração seguinte. Os fenótipos de cada um dos mutantes isolados são discutidos no artigo, sendo que muitas destas mutações já foram mapeadas, numa maior ou menor resolução, no genoma murino. Este primeiro artigo já foi submetido e aceito para publicação no Brazilian Journal of Medical and Biological Research. Muitos projetos de pequena escala, semelhantes ao deste trabalho, buscaram recuperar alelos mutantes específicos induzidos por ENU no genoma murino. Em um deles, metade da ninhada obtida dos casais onde o macho foi tratado com ENU apresentou mutações recessivas que segregavam de forma mendeliana (Kasarkis et al, 1998). Em outro, foi utilizado um sistema de sensibilização da prole com injeções de fenilalanina para evidenciar mutantes em genes na via metabólica da fenilalanina (Symula et al, 1997). Um terceiro projeto conseguiu com a administração de ENU obter uma série alélica para o locus quaking (qk), essencial na mielinização axonal e importante em processos embriogênicos iniciais (Cox et al, 1998). Ainda, outro projeto teve como interesse principal isolar fenótipos oculares mutantes e anormalidades na visão causadas por mutações induzidas por ENU, sendo que 25 linhagens murinas mutantes puderam ser isoladas (Thaung et al, 2002). Dentre estas mutações, algumas foram mapeadas em regiões do genoma que não possuem genes candidatos, indicando a presença de novos genes. Projetos em larga escala também foram realizados por vários laboratórios que têm como especialidade gerar mutantes. Analisando 26.000 tratados com ENU, Nolan e colaboradores (Nolan et al, 2000) puderam isolar 500 mutações novas envolvendo problemas nos membros, malformações caudais e craniofaciais. Outro grupo isolou mutações dominantes e recessivas após análise de 14.000 animais da prole de intercruzamentos e retrocruzamentos envolvendo animais tratados com ENU, o que possibilitou a identificação de 182 novas mutações em diversos fenótipos (de Angelis et al, 2000). Apenas cerca de 5% dos estimados 30.000-40.000 genes que compõe o genoma murino possuem mutações isoladas, a maioria destas sendo mutações dirigidas por processo de recombinação homóloga em células tronco embrionárias (Perkins, 2002). A 8 abordagem fenotípica que utiliza ENU como agente mutagênico aposta no isolamento de alelos mutantes de interesse e no estabelecimento de linhagens mutantes modelo para doenças humanas. Hoje, virtualmente todos os projetos de indução de mutações com agentes químicos utilizam preferencialmente ENU aos outros compostos (Williams, 2003). A enorme coleção de mutações já isoladas, mapeadas e estudadas, aliada ao potencial já demonstrado do camundongo como organismo modelo, vem permitindo aos especialistas vasculhar cada detalhe genético envolvido nos processos metabólicos de vertebrados. Certamente, este maior entendimento da função gênica vem do estudo de mutantes (Soewarto et al, 2000). A seguir apresentamos o artigo referente ao projeto de indução de mutações pelo agente químico ENU. 9 Assessing gene function by inducing mutations in the mouse genome SMG Massironi1, BLF Schamber-Reis3, JG Carneiro3, LBS Barbosa3, CB Ariza4, GC Santos3, JL Guénet2, ALB Godard3 1 Departamento de Imunologia, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo; 2 Unité de Génétique des Mammiféres, Institut Pasteur, Paris, 3 Laboratório de Genética Animal e Humana, Departamento de Biologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais; 4 Departamento de Bioquímica, Disciplina de Biologia Molecular, Universidade Federal de São Paulo. Short running title – Inducing mutations in the mouse genome Key words- mutation, Ethyl-nitrosourea, mouse Abstract Systematic production of mutant phenotypes in mice can be achieved basically through two approaches: gene-driven and phenotype-driven. Through the gene-driven approach, also known as the transgenic production, it is possible to explore the function of already known genes. The induction of mutants through the phenotype-driven approach enables the identification of new genes and their relevant biological pathways. The most efficient chemical drug used to induce mouse mutations is Ethyl-nitrosourea (ENU), an alkylating agent which generates point mutations in mouse DNA. Consistent with its mode of action, ENU can induce both loss and gain of function. Using ENU as a mutagenic drug in mice, several laboratories throughout the world have created grand scale programs with the aim of increasing the number of mutations available, generally associated with protocols of systematic phenotypic analysis. These studies have yield immunological and behavioral models, not yet known. On the other hand, modest programs can equally contribute to this effort, once the mutant induction occurs by 10 chance. In our laboratory, a modest project of ENU mutagenesis produced eleven new mutant alleles from which five have been localized on the mouse genetic map as a first step towards positional cloning. To map these mutants and study their phenotypes a group of Brazilian laboratories joined efforts to better explorer these new models. 11 Introduction The publication of the complete sequence of the human genome and some model organisms (rat, mouse) can be considered a landmark achievement in life sciences. Analysis of these sequences with specialized software utilities has revealed a great deal of new information concerning the genome structure, opening the way to a new discipline: comparative genomics. However, the analysis of the individual sequences, if it can help in the identification of genes and other important genomic sequences, does not reveal much concerning their function(s) and this is why, as of today, functional information is available for no more than 30% of the mammalian genes. The greatest challenge for the next phase of genomic research will certainly be to identify functional DNA from the rest of the sequence and to assign a role to it; and the only reliable way to reach this goal is to specifically address this question through experimentation. Experiments performed with this aim are based on two strategies. The first, termed "reverse genetics", consists in the production of targeted alterations in the genome, which result in either the non-expression or the misexpression of an unknown gene. Such mutations are in general engineered in vitro, and once they have been induced, mutant genotypes are bred and their phenotype thoroughly carefully scrutinized in the context of the whole organism. This strategy, due to its nature, is often referred to, as a "top-down" approach. With the availability of embryonic stem cells (ES cells) this strategy has become very popular in many laboratories and several hundreds of transgenic mice have been generated worldwide. More recently, trans-national projects have even been approved by funding agencies for the concerted and systematic production of at least one null (knockout) mutations in each and every gene of the mouse genome. There is no doubt that such projects, when completed, will dramatically implement our knowledge of the function of genes. The second strategy for gene annotation is based on the observation of phenotypic variations in a given population followed by the molecular identification of the underlying genetic factor(s) after positional cloning. Since it proceeds from phenotype to genotype, this strategy is a "bottom-up" approach and is often called "forward genetics". Both strategies have been widely used in model organisms, in particular in the mouse, and both have advantages and drawbacks. The production of targeted mutations is a straightforward approach for the annotation of genes with virtually no limitation. One can consider, for example, that any DNA sequence whose function is unknown can 12 be altered in vitro and a mouse embryo can be produced with the mutation in the homozygous state to study its phenotypic effect. With some refined techniques this engineered can even be made conditional and/or tissue specific. However, the production of targeted alterations in the genome requires experience and rather sophisticated skills and equipments. More importantly, in many instances, it ends up with inconclusive phenotypes. This is the case for example when the targeted gene appears to be essential and its inactivation leads to early embryonic death or, conversely, when the inactivated gene leads to a very subtle or difficult to assess phenotype or even no phenotype at all. Positional cloning of mutations whose phenotype is obvious is sometimes a tedious enterprise that requires the breeding of hundreds of mice to reduce to a minimal size the interval harboring the mutant locus, but it is always informative and requires only simple molecular techniques. In fact, one can consider that both strategies are complementary rather than alternative with, however, the peculiarity that, while in vitro genetic engineering is universally applicable, positional cloning requires that mutations with a clear cut phenotype be available. In this paper we report the conclusions of an experiment we undertook five years ago, with the aim of producing new mouse mutations with the potent chemical mutagen Ehtyl-Nitroso-Urea (ENU). We found eleven new mutant alleles out of which five have been localized on the mouse genetic map as a first step towards positional cloning. 13 Material and Methods Animals BALB/c, C57BL/6 and NZB mice were obtained from the Breeding Mouse Facility of the Department of Immunology of the Institute of Biomedical Sciences (ICB), University of São Paulo. During the treatment and breeding period, mice were kept in micro-isolators in rooms, with sanitary barriers. The temperature was maintained constant with range 21+2oC and with 12 hours light and dark intervals. The mice received commercial food (Nuvilab - Nuvital ® ) and water ad libitum. The work was approved by the ICB USP ethical committee with the number 29/2000. ENU treatment BALB/c strain was chosen for mutagenesis protocol because this strain tolerates ENU treatment and as an isogenic strain has its chromosomes well known. On the other hand, using a white strain it is not possible to detect fur coloration mutants. ENU (SIGMA Ref N3385-ISOPAC N8509) was dissolved in a pH 5 solution, of which male mice, 8 to 10 weeks old, received a single intra-peritoneal dose of 250 or 200 mg/Kg or multiple injections of 100 or 95 mg/Kg at weekly intervals for three to four weeks. The treated mice were held for a week in complete isolation until they had cleared the carcinogenic substance. Waste refuse and bedding was destroyed by highly concentrated chlorine solution. Breeding scheme ENU treatment induced a sterile period up to seven months. After recovering fertility, BALB/c males treated with mutagen were mated to BALB/c females, and the offspring were observed so that dominant mutations arising in germ cells of the treated males could be detected in F1 progeny. To recognize recessive mutations, male of F1 generation were mated with normal BALB/c females and mated again with their female offspring. In doing so, most of the induced recessive mutations remained in a homozygous state becoming observable in the G3 generation (Figure. 1). For those pedigrees in which recessive mutations were identified and tagged, and new crosses were established to keep the new mutation in a BALB/c coisogenic status. 14 Identification of mutant phenotypes The identification of mutant phenotypes was made by careful examination of the behavior and integrity of the offspring of the mutagenised males from birth onwards. Body size, ears, eyes, skin, hair, behavior, skeleton, tail and extremities, were routinely examined for visible defects. Mapping process Male homozygous or heterozygous for a new mutation were mated with females partner of C57BL/6 or NZB strains. These strains were chosen because they have good fecundity and show relatively high genetic divergence from BALB/c mice. Intercross or backcross progeny were bred and mutant phenotypes identified (Figure 2). Using PCR technology (1), DNA sample prepared from the new mutants were then analyzed by PCR technology and to a genome-wide scan with 54 molecular markers (microsatellites) was undertaken to determine which of the markers constantly cosegregate with the mutant phenotype. In a first step, 50 mutant mice were used in the linkage analysis, for the positional cloning, 500 mutant mice were needed to construct a high resolution genetic map of the region. Result analysis The DNA used for mapping was analyzed for linkage disequilibrium. Linkage, once established, was further investigated using new markers to reduce the critical interval containing the mutant locus. Phenotypical characterization of each mutation was achieved while mapping was in progress, including histopathology, morphology and behavior. 15 Results ENU treatment Four schemes of ENU treatment were used to determine the best dose to use for BALB/c males, in our experimental conditions. All treatments lead to a sterile period lasting between 21 and 30 weeks. The mortality and infertility rates tended to diminish with the fractioning of doses, even considering the rate of 40 % obtained in the treatment of 3 X 95 mg/Kg. Table 1– Mortality, fertility, sterile period and number of pedigree established after treatment of BALB/c males with different doses of ENU ENU no. of mortality sterile fertility pedigree mutants obtained % % established dose males period (mg/Kg) (weeks) mergulhador, rodador, 250 35 42.9 30 28.6 49 Sacudidor de Cabeça 200 3x100 34 30 26.5 13.3 22 30 5.9 40.0 16 70 careca equilibrio, nervoso, cruza pernas, sem pelo, bate palmas 3 x 95 10 40.0 21 50.0 72 anêmico, fraqueza Mutants obtained Eleven mutations were obtained that could be fixed as BALB/c co-isogenic strains. Table 2 describes the phenotypes observed and, for some of these, the chromosomal location. Only one dominant mutation (Sacudidor de Cabeça) was fixed, while all other were recessive. Several mutations were lost mainly due to infertility. The majority of lost mutations were dominant. The carefully observation of ENU treated males lead to identification of different phenotypes affecting skin, equilibrium, development and behavior. Their names, given in Portuguese, describe the main characteristic of each mutant. According to fertility and availability of parameters to distinguish mutants and non-mutants it was possible to establish breeding schemes for mapping some of the genes. 16 Table 2 - Mutants obtained and chromosomal location Mutation anêmico Inheritance Recessive bate palmas Recessive careca Recessive cruza as Recessive pernas equilíbrio Recessive fraqueza Recessive mergulhador Recessive nervoso Recessive rodador Sacudidor de cabeça sem pêlo Main phenotype Chromosomal Symbol location Anemia Not established anem yet Clapping when carried by Not established bapa tail yet Fur development Crossing limbs when carried by the tail Tilted head Progressive loss of movement coordination Tilted head Anxiety behavior Chr. 7 Not established yet Chr. 17 Chr. 1 carc crup mlh nerv roda Sacc nudesepe Recessive Dominant Circling behavior Head tossing movement Chr. 5 Not established yet Chr. 10 Chr. 15 Recessive Fur development Chr. 11 eqlb frqz The first mutation mapped was mergulhador (mlh). This recessive mutation affects the ability of the mouse to swim. Under normal laboratory conditions, mergulhador mice exhibit head-tilting but show no other behavioral abnormalities such as circling or head-tossing. The gene, located on chromosome 5, was recognized as an allele of the mutation tilted that affects balance by impairing otoconial morphogenesis without causing collateral deafness. Tilted and mergulhador are then two mutant alleles at the gene Otopetrin 1 (Otop1) locus. The gene encodes a multi-transmembrane domain protein that is expressed in the macula of the developing otocyst. Both mutants carry single point mutations leading to non-conservative amino acid substitutions that affect two putative transmembrane (TM) domains (tlt, Ala151!Glu in TM3; mlh, Leu408!Gln in TM8). Otop1 and Otop1-like paralogues, Otop2 and Otop3, define a new gene family of genes with homology to the C. elegans and D. melanoganster DUF270 genes (2). Careca (carc) is a recessive mutation that shows hair abnormalities from the first pelage. Hairs are sparse; especially around the eyes, on the limbs and belly. Between 45 to 60 days, some mice lose all of the fur; then hairs reappear, always scattered. Histological analysis of adult skin showed an increase of skin thickness due to a great number of follicles in anagen, which is the active growth phase when the hair fiber is 17 produced. At the same age hair follicles of controls BALB/c were in telogen, known as a rest stage. Careca has been localized on chromosome 7. Sacudidor de cabeça (Sacc) is a dominant mutation that makes the mice to shake their head continuously. The intensity of movement varies according to the agitation. When manipulated, head-shaking intensifies. This movement stops only when the mice are asleep. This mutation was located on chromosome 15. The recessive mutation rodador (roda) makes the mice continuously walk in circles while moving their head up and down. There again, agitation varies according to the agitation state, when manipulated mice shake head more intensively. Rodador mutant has been located on chromosome 10. Another recessive mutation obtained was called equilíbrio (eqlb), due to its problems manifested in motor coordination. These mice always keep their head tilted downward and the permanence on rota-rod is diminished when compared to controls. This phenotype, that clearly shows problems in balance, suggests that the cerebelum development is impaired. The equilíbrio mutant has been located on chromosome 17 The mutant sem pelo (nudesepe ) presents no hair throughout their lifespan, the thymus is absent, and complementary crosses confirmed that it is a new allele of the nude mutation. The mutant fraqueza (frqz) has been recently located on chromosome 1; this is a recessive and lethal mutation. Mice progressively lose movement coordination and die at four to six weeks of age. The lifespan can be extended a bit, by enriching the cage environment and making water and food available into the cage, once the mice can no longer stand to take them. Anemico (anem) is a recessive mutant that presents yellowish color at birth, easily observed among BALB/c neonates. Adults show ears and tail extremely white, fertility is reduced in males and females. Preliminary phenotype characterization showed reduction in red blood cells number and increase in reticulocytes and leukocytes number. The mutants bate palmas (bapa) and cruza pernas (crup) show abnormal movement of posterior legs when carried by tail. These movements suggest problems in balance and motor coordination. The phenotype characterization and mapping will begin as soon as the breeding performance of both mutations improves. The behavior of nervoso (nerv) mutant refers anxiety. The movements in the cage are sometimes quicker than normal, when carried by the tail mice shake vigorously all the 18 body. It was observed spontaneous seizure in some mice. Better characterization of phenotype is needed to permit the selection of mutants for mapping. 19 Discussion ENU is a powerful mutagen agent that enables the generation of countless point mutations in different parts of the mouse genome (3). The point mutations allow gradual alterations in the gene and detailed studies involving its function. ENU allows the identification of genes previously unknown, since the random mutations different from gene targeting does not depend of the previous knowledge of the localization and the sequence of the genes. It is important o emphasize that the random mutagenesis differs from the transgenesis being compulsorily punctual, while the transgenesis production always change a significative portion of the sequence. With ENU it is possible to obtain several alleles of the same locus which will interfere in different ways in the phenotype, while using knock-out technology it is generally possible to create just one null allele. ENU efficiency depends upon the dose and scheme of treatment. In our work, single and fractionated doses were assayed; our results show that the fractionated doses seem to diminish infertility and augment to a degree the number of mutants obtained. With fractionated doses of 100 mg/Kg Hitotsumachi and colleagues (4) obtained a higher mutant index. The phenotypic examination of the animals in F1 and F2 generations after ENU treatment involves different protocols in order to maximize the recognition of mutations and to isolate mutations of subtle phenotypic effect. Some phenotypes are easy to identify as problems in the coloration, visual structure of the fur and bone malformations (5). The neurological and behavior problems demand advanced examination that requires special methods (6). More sophisticated methods of phenotype diagnosis, as magnetic resonance, are being developed to complement and to speed up the characterization of the mutants (7). In this project the mutants were firstly identified by carefully observation of the phenotype; the pedigrees in which some abnormalities where identified were continuously observed. Some basic tests were employed to confirm some of the mutations, even without a sophisticated method of phenotype diagnosis; it was possible to identify valuables mutations. Using more sophisticated methods it would certainly be possible to find mutations with late onset or lethality at birth. The correct characterization of phenotype is a crucial step for all the process that aims the discovery of the responsible gene for the mutation. The correct handling of the 20 animals is essential for the success of ENU treatment and the characterization of the mutation. The phenotype expression in mice, as well as in human beings, is highly susceptible to changes in the environment. One must pay attention to the way the tests are applied. A simple change in the order of the experiments can influence the results of the tests, depending on the stress that the mice are submitted (7). Another important point is the choice of the strains used in the generation of hybrids for mapping. Mutants that express a particular behavior in one background cannot present the same behavior when background is mixed (7). Furthermore, it is important to certify that the phenotype observed results only from the generated mutation or is related with the background in which it was inserted (8). In our work the first attempt for mapping the nervoso mutant was unsuccessful; the behavior of this mutant could not be distinguishing in the hybrids obtained for mapping. The recognition of this mutation in BALB/c background is quite easy; because the affected mice are very different from the normal ones that are not agitated; on the other hand in the BALB/c X C57BL/6 F2 generation it was very difficult to find a reliable parameter to distinguishing them. New parameters must be tested to permit the mapping of this mutant. The projects of induction ENU mutants certainly increase the collection of sequenced point mutations in mouse genome, leading to the discovery of new genes or improving the studies of function with allelic variants added. The information that will be extracted from the functional studies and genetic of the mutants, combined with data from other projects and manipulated by modern computational tools, certainly will favor the understanding of the routes in which the genes are involved and of its biological functions. Our program, although modest in scope, has led to the discovery of several mutations that may contribute to fill the phenotype gap in the mouse mutant resource. The ratio new mutant/new allele seems to be the same found in literature, it means 40% (9). Even modest ENU programs may contribute to this goal, since the mutations occurs by chance and the results could collectively be joined to achieve the main objective to create a mutant map of the mouse whereby every gene is related to some information regarding its function. 21 Acknowledgements The authors are grateful to Joelma dos Santos Lima for the special care with the mice. Support for this work was provided by FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) References 1. Rhodes M, Straw R, Fernando S, Evans E, Lacey T, Dearlove A, Greystrong J, Walker J, Watson P, Weston P, Kelly M, Taylor D, Gibson K, Mundy C, Bougarde F, Poirier C, Simon D, Brunialti A, Montagutelli X, Guénet J-L, Háynes A, Brown SDM. A high resolution microsatellite map of the mouse genome. Genome Research, v.8, p.531-542, 1998. 2. Hurle B, Ignatova E., Masssironi SM, Mashimo T, Rios X, Thalmann I, Thalmann R , Ornitz D. Otoconial agenesis in tilted and mergulhador mice caused by mutations in otopetrin1. Human and Molecular Genetics, v.12, p.777789, 2003. 3. Russell WL, Kelly EM, Hunsicker PR, Bangham JW, Maddux SC, Phipps EL. Specific-locus test shows ethylnitrosourea to be the most potent mutagen in the mouse. Proceedings of the National Academic of Science USA, v.76, p.5818– 5819, 1979. 4. Hitotsumachi S, Carpenter DA, Russell WL. Dose-repetition increases the mutagenic effectiveness of N-ethyl-N-nitrosourea in mouse spermatogonia. Proceedings of the National Academic Science USA, v.82, p.6619-6621, 1985. 5. Justice MJ, Noveroske JK, Weber JS, Zheng B, Bradley A. Mouse ENU mutagenesis. Human and Molecular Genetics, v.8, p.1955-1963, 1999. 6. Brown SD & Balling R. Systematic approaches to mouse mutagenesis. Current Opinion in Genetics and Development, v.11, p.268-273, 2001. 7. Keays DA & Nolan PM. N-ethyl-N-nitrosourea mouse mutants in the dissection of behavioural and psychiatric disorders. European Journal of Pharmacology, v.480, p.205-217, 2003. 8. Montagutelli X. Effect of the Genetic Background on the Phenotype of Mouse Mutations. Journal of the American Society of Nephrology, v.11, p.S101–S105, 2000. 9. Guénet J-L. Chemical mutagenesis of the mouse: an overview. Genetica, v.122, p.9-24, 2004. 22 Figures Figure 1 – Breeding schemes in the mutagenesis screens for dominant and recessive mutations. BALB/c (ENU-treated) males are mated with BALB/c females. Their progeny (G1) are observed for dominant mutant phenotype. G1 males are mated to wild-type BALB/c females to generate G2 families. Matings of G2 females with their G1 fathers give rise to G3 progeny that can be observed for recessive phenotype. * 4 G2 females are mated with their fathers. 23 Figure 2 – Breeding schemes in mutagenesis mapping. (A) for dominant mutations; (B1) backcross and (B2) intercross for viable and fertile recessive mutations; (C) for non viable and infertile mutations. DNA of F2 mutants are analyzed. 24 4. Artigo 2 – Mapeamento Genético da mutação careca O projeto de indução de mutações por ENU, realizado conjuntamente entre o Laboratório de Genética Animal e Humana do Instituto de Ciências BiológicasICB/UFMG e o Biotério de Experimentação do Depto. de Imunologia-ICB/USP, obteve êxito na recuperação de mutações autossômicas dominantes e recessivas que conferem aos camundongos fenótipos bastante peculiares. Cada fenótipo mutante isolado neste trabalho foi atentamente avaliado. Algumas destas mutações, tendo em vista um interesse especial fomentado pela observação de seus fenótipos, foram selecionadas para serem localizadas no genoma murino. A mutação careca (carc) foi uma das primeiras a serem escolhidas para o mapeamento genético. A mutação autossômica recessiva careca foi isolada em 1999 pela Prof. Sílvia Maria Gomes Massironi. A mutação careca (Figura 1) é caracterizada primariamente por uma evidente rarefação de pelagem por todo o corpo. Os camundongos carc/carc apresentam esta pelagem rarefeita por toda a vida, com distribuição uniforme, e nunca apresentam pelagem completa. Essa distribuição dos pelos é observada a partir da primeira pelagem. Por volta dos 45-60 dias, alguns camundongos ficam completamente pelados e, a partir desta idade, voltam a apresentar o mesmo padrão de rarefação corporal. O crescimento da pelagem em camundongos ocorre em um padrão composto por fases alternadas de crescimento e descanso. Este ciclo é periódico e se prolonga da região da cabeça até à cauda, ao mesmo tempo em que vai da região ventral para dorsal. É sabido que a maioria dos folículos pilosos presentes em camundongos normais encontra-se em fase de telógeno, e que somente cerca de 10% dos folículos encontramse em fase de anógeno. Estes dois tipos de folículos coexistem devido ao padrão de crescimento normal do pêlo em camundongos adultos. A análise microscópica da pele de camundongos careca mostrou que a maioria dos folículos pilosos está em fase de anógeno, com conseqüente espessamento da pele (Figura 2A). Em camundongos BALB/c observou-se que a grande maioria dos folículos pilosos apresentava-se em fase de telógeno (Figura 2B). A pele de camundongos careca a partir do primeiro dia de vida já mostra hiperqueratose. No quarto dia observa-se desorganização e falta de 25 Figura 2 - Corte histopatológico da pele de camundongos: (A) Careca – folículos pilosos em fase de anagem; (B) BALB/c – folículos pilosos em fase de telogem. Aumento 4×. 27 delimitação das camadas da epiderme. No décimo dia evidencia-se distribuição dos folículos pilosos menos uniforme que no controle e no décimo terceiro dia esses folículos encontram-se mais ativos (anagênese) e em maior número. No décimo sexto dia, a epiderme continua mais espessa, a derme mais densa e os folículos pilosos são grandes e ativos nos camundongos carecas, quando comparados aos seus controles. Observam-se ainda pêlos formados na hipoderme e presença de algumas formações císticas. Observações feitas no décimo nono dia de vida evidenciam a presença dessas formações císticas em maior número com debris de queratina no seu interior, indicando a presença de pelos em decomposição. Estes resultados sugerem uma alteração nos processos de delimitação e maturação dos extratos epidérmicos e migração anômala dos folículos pilosos, uma vez que os mesmos são encontrados na região da hipoderme e observa-se a presença de formações císticas na derme. Além de alterações de pele, os mutantes carc apresentam glomérulos com membrana basal espessada e aumento de celularidade em cortes histológicos de rim de animais com três meses de vida, o que caracteriza um quadro de glomerulonefrite membrano-proliferativa. Os mesmos animais mostraram também linfonodos hiperplásicos, embora ocorra distribuição normal de linfócitos T, B e macrófagos. Depois de caracterizar a mutação careca e determinar o modo de herança da mutação, o interesse maior é chegar na causa do fenótipo, isto é, localizar o gene mutante. Vários projetos envolvendo indução de mutantes com ENU utilizaram o mapeamento genético como estratégia primeira na caracterização genética de alelos mutados. Em geral, genes murinos identificados somente pelos fenótipos mutantes são mapeados para definir geneticamente um locus, permitindo em seguida, na maioria das vezes, a identificação de genes candidatos na região mapeada (Taylor, 2000). O mapeamento genético, ou análise de ligação, consta da construção de mapas a partir de dados obtidos pela análise de marcadores herdados em cruzamentos controlados (Boyd, 1998). A produção de híbridos a partir de duas linhagens e o subseqüente cruzamento destes híbridos entre si (caracterizando o intercruzamento) ou com seus pais (caracterizando o retrocruzamento) permite a obtenção de prole que é genotipada para marcadores polimórficos codominantes. O nível de resolução do mapeamento depende tanto da disponibilidade e quantidade destes marcadores na região 28 a ser mapeada quanto do número de indivíduos da amostra. O mapeamento genético de um locus é o primeiro passo em direção à sua clonagem posicional. A análise genética da mutação careca foi iniciada em setembro de 2000 sob a orientação da Dra. Ana Lúcia Brunialti Godard, professora da Pós Graduação em Genética do ICB/UFMG. A meta estabelecida nesta fase do trabalho foi determinar a localização cromossômica do gene careca por mapeamento genético à média resolução, identificar as regiões cromossômicas humanas que mostram homologia com o segmento cromossômico mapeado no camundongo e sugerir genes candidatos no intervalo. A primeira etapa do projeto, após o estabelecimento, por cruzamentos, de linhagem homozigota para a mutação carc em background BALB/c, constou de cruzamentos para geração de animais a serem utilizados no mapeamento. O protocolo adotado envolveu o cruzamento de animais parentais carc/carc da linhagem BALB/c com animais isogênicos C57BL/6. Os animais obtidos nas várias F1 foram retrocruzados com animais BALB/c homozigotos para o alelo careca. Gerou-se com isso 118 animais afetados na geração N2 para o mapeamento. Em um primeiro momento, cerca de 10 animais foram genotipados utilizando um painel de 54 marcadores microssatélites polimórficos entre as linhagens BALB/c e C57BL/6, distribuídos com uma média de dois a três marcadores por cromossomo murino. Os marcadores foram selecionados através do banco de dados do MGI-Mouse Genome Informatics (www.informatics.jax.org), baseado nas posições relativas em centiMorgans (cM). É possível delimitar intervalos cromossômicos muito pequenos com o uso dos microssatélites, e.g. 0.1 cM, resolução inimaginável de se obter com outros tipos de marcadores. Este número definido de animais e de marcadores obedeceu a uma equação bem estabelecida que fornece uma alta probabilidade estatística para detectar ligação genética entre uma mutação segregante em um cruzamento controlado e um marcador genético polimórfico numa distância de até 20 cM (Montagutelli, 2000). A ligação é válida quando a distribuição independente dos alelos marcadores na prole não ocorre e se observa um excesso estatisticamente significativo de haplótipos parentais em relação a haplótipos recombinantes nos indivíduos da prole, devido à proximidade física 29 entre eles. Após amplificação dos marcadores microssatélites por PCR a partir dos DNAs de animais da geração N2 e análise dos fragmentos em gel, buscou-se um padrão de homozigose para o polimorfismo da linhagem BALB/c na maioria das amostras, já que os animais genotipados provinham de um retrocruzamento e a mutação careca foi induzida no background BALB/c. Este indício foi evidenciado pela genotipagem dos animais com o marcador do cromossomo sete murino D7Mit259. Para fortalecer o resultado e confirmar a ligação, os 108 animais restantes também foram genotipados com este mesmo marcador. O resultado unânime foi de homozigose para a banda de 130 pares de bases do marcador D7Mit259 de origem BALB/c. A densificação do mapeamento se deu pela genotipagem de todos os 118 animais com dez marcadores extras também selecionados no banco de dados do MGI, tanto acima quanto abaixo da região D7Mit259. Os resultados das genotipagens, condensados na forma de haplótipo, permitiram delimitar um intervalo cromossômico carc de 10.50 cM de extensão, demarcado pelo marcador D7Mit105, posicionado à 63.50 cM do centrômero e a porção telomérica distal do cromossomo 7 murino. O conhecimento sobre a localização cromossômica de uma mutação leva à seleção de genes candidatos potenciais que se encontram na região (Soewarto et al, 2000). O mapeamento à média resolução da mutação careca permitiu a seleção de alguns genes candidatos como, por exemplo, frizzy, que dá aos animais uma pelagem ondulada e crespa, e Tssc6, responsável pela doença auto-imune alopecia areata em humanos, que leva à perda generalizada de pêlos. A escolha destes candidatos se baseou principalmente em informações funcionais disponíveis na literatura (Montagutelli, 2000), obtidas a partir de mutantes murinos e mutações humanas seqüenciadas. Toda a metodologia utilizada e os resultados obtidos nesta fase inicial de caracterização do mutante carc foram apresentados em agosto de 2003 sob a forma de monografia de bacharelado. A proposta de trabalho desta dissertação de mestrado veio em conseqüência da necessidade de refinar o mapeamento genético da mutação careca. Estima-se que um intervalo de 10.50 cM mapeado à média resolução contenha aproximadamente 150 genes. Com isso, foi sugerida uma estratégia mais ousada que admitisse a seleção de genes candidatos mais apropriados em uma região genética melhor definida. 30 O nível de resolução alcançado em uma análise de ligação depende da densidade de marcadores polimórficos na região e da quantidade de animais disponíveis para genotipagem. Hoje o número de animais fica sendo o fator limitante, pois os bancos de dados disponíveis na Internet permitem manipular facilmente a grande quantidade e diversidade de dados referentes aos milhões de marcadores genéticos disponíveis. Para um mapeamento à alta resolução como um ponto de partida para a clonagem posicional do gene, é necessário um número próximo de 1000 animais (Montagutelli, 2000). Tendo em vista o exposto acima, definiu-se como objetivo geral deste trabalho a execução do mapeamento genético a alta resolução da mutação careca. Para atingir este objetivo foram adotadas várias estratégias. A primeira envolveu o estabelecimento de uma nova bateria de cruzamentos com a linhagem NZB em substituição à linhagem C57BL/6, o que mobilizaria novos polimorfismos para o intervalo previamente mapeado. Foi possível gerar 665 novos animais através de retrocruzamento utilizando a linhagem NZB. Ao mesmo tempo foram selecionados novos marcadores microssatélites polimórficos no intervalo mapeado, com o intuito de detectar eventos de recombinação acima e abaixo do locus carc. A genotipagem destes marcadores com todos os 783 animais provenientes dos retrocruzamentos permitiu a construção de um haplótipo integrado. A análise dos recombinantes delimitou o intervalo careca em 5,56 megabases, que possui homologia de sintenia com o cromossomo 10q26 humano. Todos os elementos genéticos identificados neste intervalo, incluindo genes, pseudogenes e marcadores, foram avaliados cuidadosamente com o intuito de selecionar um bom gene candidato (Anexo 1). O melhor candidato selecionado, dentre todos os genes da região, foi o gene Fgfr2 (Fibroblast growth factor receptor 2). O processo de desenvolvimento de várias espécies animais, incluindo mamíferos, é mediado por um grupo específico de moléculas sinalizadoras intercelulares da família dos fatores de crescimento Fgf (fibroblast growth factors). Em mamíferos já foram identificados 22 membros da família FGF, sendo que estes desempenham um importante papel no desenvolvimento embrionário (Braun et al, 2004). A ligação destes fatores aos seus respectivos receptores leva a ativação de domínios com função de tirosina cinase e posterior ativação de cascatas de transdução de sinal específicas. Já foram isolados quatro tipos de receptores para Fgfs (Fgfr1 a 31 Fgfr4). Contudo, podem surgir isoformas adicionais por splicing alternativo dos RNAs. O gene Fgfr2 codifica um destes receptores de membrana para Fgfs. A ocorrência de splicing no RNA de Fgfr2 gera duas isoformas funcionais, Fgfr2-IIIb e Fgfr2-IIIc (Petiot et al, 2003), sendo que a primeira só pode ser isolada a partir do epitélio presente em órgãos de origem ectodérmica e endodérmica, e a segunda tem expressão confinada a tecidos mesodérmicos. Os resultados de diferentes trabalhos envolvendo análises genéticas e histopatológicas em animais knockout para Fgfr2 sugerem um íntimo envolvimento deste receptor na embriogênese da derme e epiderme, além de participar ativamente na sinalização e diferenciação de anexos presentes, como folículos pilosos e glândulas sebáceas (Werner et al, 1994; Celli et al, 1998; Moerlooze et al, 2000; Petiot et al, 2003). Em vista disso, admitiu-se que um dos genes mapeados na região careca está estreitamente envolvido no desenvolvimento embrionário de camundongos e se integra no processo de sinalização epidérmica para diferenciação de constituintes funcionais como, por exemplo, o pêlo. O incentivo para trabalhar com o gene Fgfr2 veio destes indícios funcionais disponíveis na literatura. É fundamental neste momento isolar e identificar a natureza da mutação responsável pelo fenótipo carc, pois em geral este tipo de informação molecular permite uma melhor associação da lesão genômica com o fenótipo mutante observado. Existem muitas técnicas possíveis para caracterizar os genes murinos identificados somente pelos fenótipos mutantes, como, por exemplo, estudos de complementação utilizando fragmentos selvagens clonados em BACs e mapas físicos utilizados na clonagem posicional (Anderson, 2000). A estratégia escolhida para a sondagem da mutação careca envolveu o seqüenciamento de alguns éxons específicos do gene Fgfr2, selecionados através de triagem por DHPLC (Denaturing High Performance Liquid Chromatography) de fragmentos amplificados por PCR a partir de amostras de cDNA de animais normais e animais mutantes. As seqüências dos éxons obtidas de várias linhagens murinas isogênicas não-afetadas foram alinhadas e comparadas, na tentativa de se isolar a mutação causadora do fenótipo careca. Genes envolvidos em fenótipos de pelagem em camundongos foram identificados por clonagem posicional. Por exemplo, uma mutação isolada no gene mK6irs1 murino, que codifica uma queratina do tipo II participante da formação de 32 filamentos intermediários celulares, levam a anormalidades na estrutura pilosa (Peters et al, 2003). A clonagem, em ratos, de uma mutação no gene da desmogleína 4 que interfere na formação normal do eixo do pêlo foi auxiliada por dados extraídos do mapeamento da mutação lah em camundongo, que leva ao mesmo fenótipo (Jahoda et al, 2004). Outras mutações murinas de pelagem, como juvenile bare (jb) (Lane et al, 1998), scraggly (Herron et al, 1999) e scant hair (snth) (Wu et al, 2004), também foram identificadas no genoma murino através de mapeamento genético e triagem de genes candidatos em intervalos mapeados de diversos cromossomos. O segundo artigo, apresentado a seguir, disponibiliza os dados experimentais e informações obtidas durante o período de mestrado. Este artigo é original e tenta caracterizar melhor a mutação careca em nível molecular. 33 Mapeamento genético da mutação careca (carc) induzida por ENU em camundongos Bruno Luiz F.S. Reis1, Sílvia M.G. Massironi2, Jean-Louis Guénet3 e Ana Lúcia B. Godard1 1 Laboratório de Genética Animal e Humana, Departamento de Biologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais; 2 Departamento de Imunologia, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo; 3 Unité de Génétique des Mammiféres, Institut Pasteur, Paris. Palavras-chave: ENU, mutação, pêlo, pele, mapeamento genético, Fgfr2, DHPLC, seqüenciamento. Resumo A mutação autossômica recessiva careca (carc), induzida por ENU, leva a um fenótipo caracterizado por pelagem rarefeita e alterações na pele caracterizadas por espessamento da epiderme e estrutura pilosa comprometida, além de alterações nos rins e linfonodos. O mapeamento genético à alta resolução do locus carc, utilizando 783 animais provenientes de retrocruzamento, posicionou a mutação num intervalo de 5,56 megabases delimitado pelos marcadores D7Mit105 e D7Mit304, no cromossomo 7 murino. Dentre os 26 genes conhecidos da região, o gene Fgfr2 (fibroblast growth factor receptor 2) foi considerado o melhor gene candidato pela alta semelhança fenotípica observada entre knockouts para este gene e o mutante careca. A análise de cromatogramas gerados por DHPLC (denaturing high performance liquid chromatography) mostraram ocorrência de formação de heterodúplex numa amostra composta pela mistura equimolar de fragmentos de 908pb de Fgfr2 amplificados a partir do cDNA de animais normais e mutantes. Todos os oito éxons contidos neste fragmento foram seqüenciados a partir do DNA genômico de linhagens isogênicas normais BALB/c, C57BL/6, A/J e NZB, além da linhagem careca. Embora os dados obtidos nos alinhamentos das seqüências não mostrarem mutações nos éxons e regiões doadoras e aceptoras de splicing adjacentes, os resultados ainda não podem excluir o gene Fgfr2 34 como um candidato para a mutação carc. Estratégias complementares na sondagem desta mutação são discutidas. 35 Introdução Dentre a grande diversidade de mutações espontâneas e induzidas já isoladas em camundongos, verifica-se que uma parcela significativa leva ao aparecimento de fenótipos cutâneos alterados que comprometem a quantidade, morfogênese, ciclagem e estrutura do folículo capilar (Nakamura et al, 2001). A clonagem posicional e a análise funcional de várias mutações que afetam a estrutura pilosa, tal como scraggly (sgl) (Herron et al, 1999), ictiose arlequim (ichq) (Dunnwald et al, 2003), plucked (pk) (Luo et al, 2005) e Hague (Hag) (Poirier et al, 2002), refletem uma tendência positiva em direção a uma contribuição crescente no entendimento do papel de genes envolvidos na formação e manutenção da pelagem. Neste contexto, a mutação careca ocupa uma posição nesta classe de mutações, oferecendo potencial para melhor compreensão do processo intrincado de desenvolvimento embrionário de anexos cutâneos. A mutação autossômica recessiva careca (carc) caracteriza-se por rarefação generalizada de pelagem (Massironi et al, 2006). Apesar deste ser o fenótipo marcante, exames complementares mostraram que outras características externas são normais, como o tamanho dos animais ao nascimento e ao desmame, órgãos dos sentidos, orelhas, pele, esqueleto, cauda, membros e dedos. Nenhuma alteração comportamental foi observada. Machos e fêmeas carc/carc são férteis. Exames histológicos envolvendo diferentes tecidos buscaram caracterizar melhor a mutação careca. Cortes de pele mostraram um aumento do número de folículos pilosos em relação aos animais normais da mesma linhagem, apresentando também um aumento do número de macrófagos. Alguns animais careca perdem toda a pelagem, recuperando-a defeituosa. Cortes histológicos do rim de camundongos mutantes com idade de três meses evidenciaram um quadro de glomerulonefrite membrano-proliferativa. Estes animais também mostraram linfonodos hiperplásicos, embora ocorra distribuição tecidual normal de linfócitos T, B e macrófagos. Os níveis medidos dos hormônios T3, T4 e TSH mostraram-se normais. O careca surgiu no Biotério de Experimentação do Departamento de Imunologia do ICB/USP num projeto de colaboração com o Laboratório de Genética Animal e Humana do Departamento de Biologia Geral do ICB/UFMG. Este projeto buscou induzir e recuperar mutações dominantes e recessivas pela administração do agente mutagênico sintético ENU (etil-nitroso-uréia) em background BALB/c (Massironi et al, 36 2006). O ENU tem a capacidade de alquilar bases nitrogenadas no DNA (Noveroske, 2000) podendo gerar mutações de várias classes, como, por exemplo, mutações sem sentido, de sentido trocado e em sítios doadores e aceptores na recomposição do RNA (Justice et al, 2000). Vários laboratórios estão aplicando o ENU para recuperação de mutações dominantes e recessivas (de Angelis et al, 2000; Nolan et al, 2000). Mutantes induzidos por ENU permitiram a clonagem posicional de genes envolvidos em câncer do colo do útero (Moser et al, 2003) e obesidade (Zhang et al, 2003). A estratégia de clonagem posicional combina análise de ligação seguida de triagem de genes candidatos no intervalo mapeado (Collins, 1995). Tais candidatos podem ser selecionados levandose em conta evidências funcionais obtidas a partir de animais knock-out e mutações espontâneas já descritas. Após selecionar o gene candidato, é necessário validá-lo. Várias estratégias podem ser empregadas. Uma delas se dá através do seqüenciamento de éxons triados por DHPLC (denaturing high performance liquid chromatography). A sondagem da mutação se fundamenta no alinhamento e comparação de seqüências codificantes de camundongos normais e mutantes. Através de DHPLC foi possível detectar com 97% de sensibilidade mutações nos genes MLH1 e MSH2 humanos, envolvidos na patogênese do câncer colorretal hereditário sem polipose (HNPCC) (Holinski-Feder et al, 2001). Mostrou-se que a técnica é robusta para detectar mal-pareamentos de base única em fragmentos de 1000 pb (Xiao & Oefner, 2001). Considerado o método com a maior taxa de detecção de mutações para o gene NF1 envolvido na neurofibromatose tipo 1 (Han et al, 2001), a tática do DHPLC também foi utilizada para a triagem de mutações geradas por ENU em camundongos (Quwailid et al, 2004), mostrando ser uma ferramenta acessória na identificação de loci mutados. Este trabalho realizou o mapeamento genético à alta resolução da mutação carc e analisou seqüências de éxons triados por DHPLC do gene Fgfr2 (fibroblast growth factor receptor 2), destacado como melhor candidato da região mapeada no cromossomo 7 murino. Este gene codifica um receptor de membrana para fatores de crescimento de fibroblastos (FGFs). Em mamíferos já foram identificados 22 membros da família FGF, sendo que desempenham um importante papel no desenvolvimento embrionário (Braun et al, 2004). A recomposição alternativa (splicing) do RNA de Fgfr2 gera duas isoformas funcionais, Fgfr2-IIIb e Fgfr2-IIIc (Petiot et al, 2003), sendo que a primeira se expressa exclusivamente no epitélio de órgãos de origem ectodérmica e endodérmica. Os fatores Fgf-7 e Fgf-10 são os principais ligantes de Fgfr2-IIIb e estão 37 diretamente envolvidos na sinalização mesênquima-epiderme durante o desenvolvimento epidérmico. Vários autores descreveram um desenvolvimento anormal em embriões murinos homozigotos para alelos knockout de Fgfr2. Análises funcionais provindas de animais Fgfr2(IIIb)-/- indicam um envolvimento íntimo deste receptor na sinalização para indução de linhagens celulares de diferentes órgãos no desenvolvimento murino, incluindo pele e anexos (pêlo e glândulas sebáceas) (De Moerlooze et al, 2000). Animais knockout para a isoforma IIIb mostraram uma redução significativa no número e tempo de desenvolvimento de folículos pilosos (Petiot et al, 2003), enquanto que camundongos transgênicos expressando um alelo dominante negativo de Fgfr2 na pele levou a uma atrofia da epiderme, anormalidades em folículos pilosos e espessamento da derme, e, em alguns casos, a uma ausência completa de folículos (Werner et al, 1994; Celli et al, 1998). Diante da alta correspondência fenotípica entre estes knockouts e o mutante careca, o gene Fgfr2 se tornou um excelente candidato. O objetivo deste trabalho foi mapear geneticamente a mutação careca no genoma murino por análise de ligação e identificá-la por seqüenciamento de região genômica triada por DHPLC. Um trecho do cDNA de Fgfr2 onde possivelmente se encontra a mutação, delimitado por um intervalo que compreende os éxons de 6 a 14, foi destacado por DHPLC. O seqüenciamento direto destes éxons a partir do DNA genômico de animais careca e de linhagens isogênicas normais não pôde identificar nenhuma mutação em potencial. 38 Materiais e métodos Cruzamentos Dois retrocruzamentos foram realizados neste trabalho. No primeiro, machos BALB/c homozigotos para a mutação careca (carc/carc) foram cruzados com fêmeas normais da linhagem isogênica C57BL/6, levando a uma geração F1 heterozigota (carc/C57BL/6). Esta F1 foi retrocruzada com os pais afetados, gerando uma N2 constituída de animais normais e mutantes de ambos os sexos (Figura 1). No segundo, a linhagem NZB foi utilizada no lugar da linhagem C57BL/6. Tanto C57BL/6 e NZB apresentam um alto grau de polimorfismo para marcadores genéticos informativos quando comparadas com BALB/c (Petkov et al, 2004). Os retrocruzamentos geraram 118 animais afetados BALB/c-C57BL/6 e 665 animais BALB/c-NZB (241 heterozigotos e 424 afetados), totalizando 783 animais que foram utilizados no mapeamento genético. Extração de DNA O DNA genômico para o mapeamento genético foi extraído por congelamento de amostras de cauda em nitrogênio líquido e maceração. Foi utilizado proteinase K e um tampão de lise (Tris HCl 50mM pH 8.0; EDTA 10mM pH 8.0 e 0,5% SDS), seguido de precipitação com álcool e diluição em TE (Miller et al, 1988). A concentração de DNA nas amostras foi quantificada por espectrofotometria sob comprimento de onda de 260/280 nm. Marcadores genéticos e haplótipo O mapeamento inicial à baixa resolução constou de um painel de 54 marcadores microssatélites distribuídos pelos 19 autossomos. As posições genéticas dos loci em centiMorgans (cM) e as seqüências correspondentes de seus primers foram obtidas utilizando-se a ferramenta on-line MGI – Mouse Genome Informatics (www.informatics.jax.org), do Laboratório Jackson. Posteriormente, para densificação do mapeamento, levou-se em conta a posição absoluta do marcador no genoma, em pares de bases, de acordo com dados do seqüenciamento do genoma murino disponíveis 39 no sistema Ensembl Genome Browser (www.ensembl.org) (Hubbard et al, 2002; Hubbard et al, 2005), do Instituto Sanger. Quinze marcadores se apresentaram polimórficos entre as linhagens BALB/c, C57BL/6 e NZB e foram usados para genotipagem e construção do haplótipo. Os primers foram sintetizados pela empresa IDT. Reação em cadeia da polimerase - PCR A amplificação das regiões microssatélites foi realizada por PCR através de protocolo padrão (Ausubel et al, 1995). O programa constou de desnaturação inicial à 94ºC por 3 minutos seguida por 35 ciclos à 94ºC durante 30 segundos, anelamento dos iniciadores entre 50ºC-60ºC durante 30 segundos e extensão à 72ºC por 1 minuto, finalizado por extensão final à 72ºC por 3 minutos. Os produtos de amplificação foram visualizados em gel de poliacrilamida 8% e corados pelo método de impregnação pela prata, ou agarose 4% com brometo de etídio. Amplificação cDNA de Fgfr2 A amplificação do cDNA de Fgfr2 se deu pela construção de 4 pares de primers a partir da seqüência obtida do transcrito ENSMUST00000084517, anotado automaticamente pelo Ensembl . Os primers foram desenhados utilizando o programa PRIMER3 (Rozen et al, 2000). As seqüências destes primers, mostradas no sentido 5´ para 3´, são: 1F-GGCTGCCTGTGTGTTCCT; 1R-ATGCACTGCAACTCTAGCGA; 2F-ATCTGCCTGGTCTTGGTCAC; 2R-CGCTGTAAACCTTGCAGACA; TTGAACGGTCACCACACC; 3R-ATCGATTCCCACTGCTTCAG; TGAAAGATGATGCCACAGAGA; 4R-TTGCGGCTGTCCACTTATC. 3F4F- O perfil esperado da amplificação dos quatro fragmentos sobrepostos está esquematizado na Figura 3, e a comparação de todos os transcritos disponíveis para o gene Fgfr2 está sumarizada no Quadro 1. 40 Transcrição Reversa e PCR O RNA total foi isolado de amostra de fígado utilizando TRIzol (Invitrogen). A integridade do RNA isolado foi avaliada por separação em gel de agarose a 1% corado com brometo de etídio. Três microgramas de RNA total foram usados para síntese de cDNA num volume final de 20 µl contendo 50 mM Tris-HCl, pH 8.3; 2.5 mM MgCl2, 10 mM ditiotreitol, 0.5 mM dNTPs, 50 ng de primers randômicos, 20 unidades de transcritase reversa RevertAidTM H (Fermentas Inc, Hanover, MD) e 20 unidades de inibidor de ribonuclease Ribonuclease Inhibitor TM (Fermentas Inc, Hanover, MD). Para amplificação por PCR, 5 µl desta reação foram usados como amostra. As PCRs foram realizadas na presença de 2.5 mM de MgCl2, 0.2 mM de dNTPs, 0.2 µM de cada membro do par de primers para Fgfr2 e 0.15 unidades de Taq polymerase (Phoneutria). Os tamanhos esperados dos amplicons foram confirmados em gel de agarose 2%, padronizado por escada alélica de 50pb (Invitrogen). Cromatografia líquida desnaturante de alta performance (DHPLC) Os fragmentos amplificados do cDNA foram submetidos à DHPLC. A seqüência de cada trecho foi utilizada para calcular a temperatura ótima de análise. Para um fragmento em particular, uma mistura equimolar de amplicons provenientes de animais careca e normais foi submetida à análise na temperatura ótima calculada pelo software Navigator (versão 1.5.4). Foi utilizado um aparelho DHPLC WAVE Nucleic Acid Fragment Analysis System (HITACHI-Transgenomic). As misturas de produtos de PCR para os fragmentos de 1 a 4 foram desnaturadas a 95ºC por 3 minutos e renaturadas lentamente por resfriamento gradual até 65ºC. As amostras foram analisadas em colunas de eluição com temperaturas próximas à temperatura de dissociação calculada para cada fragmento. A presença de quatro picos nos cromatogramas foi considerada um indicador forte da existência de mutação em algum ponto da seqüência. Amplificação de éxons Os éxons presentes no fragmento detectado por DHPLC foram amplificados individualmente a partir de amostras de DNA genômico extraído de camundongos 41 careca da linhagem BALB/c e normais das linhagens BALB/c, C57BL/6, A/J e NZB. Informações sobre os éxons e seqüências intrônicas flanqueadoras para confecção de primers foram também obtidos no Ensembl. Os melhores iniciadores foram desenhados manualmente e utilizando o programa PRIMER3 (Rozen et al, 2000). A qualidade das seqüências dos primers foi avaliada pelo software on-line gratuito Netprimer (www.premierbiosoft.com) para verificar a possibilidade de formação de hairpins, presença de regiões internas repetidas e formação de homodímeros e heterodímeros. As seqüências dos primers forward (F) e reverse (R) descritas no sentido de 5´para 3' são: éxon6 F-CTCTGCTTCCACCAACTTCC, éxon7/8 F-CTCCCATTGCCTTTCTCCAT, R-GCCCATAAAACCTGGCTACC; R-CCACAGCCTCCAGAAACATT; éxon9 F-CTTCGTGTCTCTCGGTTGTG, R-GGGGTCATTTGGAACATTTG; éxon10 F-AGGAACCCTTGGCTCTTTGT, R-GCTGACTGAACCTCCACACA; éxon11 FTGAGAACTATCTGAGGAGGGAAG, R-TGGAAAACGGGGAGAAAAA; éxon12 F-CTGATGGAGCCAGCATTACA, R-AGACAACGACCCTCCCAGA; éxon13 FTATCGGAGGCTCATTGGTTC, R-AACGCTCGCTCCTGATAAGA e éxon14 FGGGGAAGTGTTTCTGGCTCT, R-TAGGTGTGATGGGAAAATGC. Seqüenciamento O seqüenciamento foi realizado num sistema MegaBACE 1000 AmershamPharmacia Biotech utilizando kits para seqüenciamento DYEnamic ET Terminator da mesma companhia, seguindo protocolo sugerido pelo fabricante. As amostras foram seqüenciadas tanto no sentido direto quanto no reverso. As seqüências obtidas foram alinhadas utilizando o programa CLUSTAL W (Thompson et al, 1994) integrado no software MEGA 3.1 (Kumar, 2004). O exame visual dos cromatogramas foi feito utilizando o programa CodonCode Aligner (www.codoncode.com/aligner). 42 Resultados Mapeamento A análise de ligação inicial constou da genotipagem de 10 animais carc/carc para 54 marcadores microssatélites polimórficos entre as linhagens BALB/c e C57BL/6. Cada marcador pôde detectar recombinação num intervalo genômico de cerca de 40 cM, que é o alcance relativo calculado para a amostra genotipada de 10 animais. Ficou evidenciada ligação do locus carc com o marcador D7Mit259, localizado a 72.00 cM no cromossomo 7, já que todos os 10 animais apresentaram homozigose para este marcador. Outros 15 marcadores microssatélites foram selecionados e triados, sendo que 7 deles apresentaram polimorfismo entre BALB/c e C57BL/6 e outros 8 mostraramse polimórficos entre BALB/c e NZB. O mapeamento genético à alta resolução da mutação careca pôde contar com 783 meioses informativas. Os resultados possibilitaram a construção de um haplótipo que permitiu posicionar a mutação na extremidade distal do cromossomo 7 murino, num intervalo de 5,56 megabases compreendido entre os marcadores D7Mit105 e D7Mit304 (Figura 2). Esta região possui homologia com o cromossomo 10q26 humano. Análise da região mapeada Um levantamento sobre o conteúdo genômico do trecho mapeado mostrou que o mesmo possui 17 marcadores microssatélites (sem polimorfismo entre as linhagens utilizadas neste trabalho), 33 seqüências marcadas incluindo tanto ESTs quanto STSs, 26 genes de função conhecida e 4 genes preditos ainda sem função, além de 2 pseudogenes. O gene Fgfr2 foi o escolhido como melhor candidato pela alta semelhança funcional entre o mutante careca e knockouts para o mesmo gene. O gene Fgfr2 (ENSMUST00000068807) está localizado no cromossomo 7 de camundongo na posição 63.00 cM no mapa genético consenso, delimitada pelo intervalo 124.235.461124.389.428pb. No Ensembl Genome Browser encontra-se 4 transcritos diferentes advindos deste gene. A comparação das seqüências destes transcritos, bem como dos mRNAs correspondentes e quantidade de resíduos na proteína predita, mostra um alto grau de semelhança com relação ao tamanho dos éxons e íntrons (Figura 3), com exceção do transcrito 84516 que possui dois éxons ausentes. Esta informação nos 43 permitiu desenhar primers que pudessem amplificar o cDNA do segundo maior transcrito utilizando amostras de RNA extraídas de fígado de animais normais e careca. QUADRO 1 – Transcritos do gene Fgfr2 Código ENSMUST00000033138 ENSMUST00000068807 ENSMUST00000084516 ENSMUST00000084517 Éxons pré-mRNA (Kb) mRNA (pb) resíduos na proteína 20 19 17 20 152,7 149,59 148,08 150,2 3360 3969 2124 3103 821 820 707 820 Fonte: Ensembl (www.ensembl.org) DHPLC A triagem de mutações no cDNA de Fgfr2 expresso no fígado se deu pela amplificação, por PCR, de 4 fragmentos sobrepostos, que juntos cobriram aproximadamente 96% da seqüência total do transcrito (Figura 3). Cada fragmento foi amplificado a partir do cDNA de animais normais e mutantes da mesma linhagem. Os amplicons referentes a um mesmo fragmento foram misturados e aplicados na coluna de eluição com temperatura estimada in silico através de programa computacional. O perfil cromatográfico referente ao fragmento 3 permitiu a observação de quatro picos (Figura 4). Os dois picos eluídos entre 4 e 5 minutos correspondem aos heterodúplices, sabendo-se que os hererodúplices são sempre eluídos antes que seus homodúplices correspondentes (Xiao & Oefner, 2001). O reanelamento de amplicons semelhantes, mas que não participaram da formação de heterodúplices, geraram os homodúplices evidenciados por dois picos adjacentes, aos 6 minutos de eluição. Este padrão de eluição não foi observado para amostras contendo os fragmentos 2 e 4. Não foi possível uma amplificação satisfatória do fragmento 1, que ficou excluído da análise por DHPLC. Seqüenciamento de éxons e alinhamento A análise de DHPLC forneceu um forte indício da existência de uma diferença de seqüência nucleotídica no trecho do cDNA de Fgfr2 compreendido entre as bases 1400 e 2308. Este fragmento é transcrito da região do gene que contém os éxons 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14. Por dificuldades técnicas envolvendo o seqüenciamento direto de 44 produtos de PCR desta região do cDNA, partiu-se para o seqüenciamento de cada um destes éxons separadamente a partir do DNA genômico. Cada um dos 14 éxons foi seqüenciado pelo menos duas vezes em cada sentido (forward e reverse) para as linhagens BALB/c, C58BL/6, NZB, A/J e cinco animais careca escolhidos ao acaso na amostra. Apenas os segmentos pontuados com uma alta qualidade foram utilizados na comparação. Foi feita uma conferência visual dos cromatogramas nos casos de dúvida em relação à identidade das bases seqüenciadas, com posterior correção manual das ambigüidades. As seqüências consenso, obtidas do Projeto Genoma Murino que utilizou amostras de camundongos C57BL/6, também foram incluídas no alinhamento. Além disso, também foi verificada a presença de mutação nos sítios consenso de excisão presentes nas junções íntron-éxon. O exame minucioso dos alinhamentos individuais dos éxons triados neste trabalho mostrou claramente uma ausência de mutação candidata perceptível, com exceção do trecho composto das primeiras 15 bases da extremidade 5´ do éxon 12 aonde não foi possível obter uma seqüência de qualidade com o par de primers utilizado. É possível que este intervalo carregue a mutação causadora do fenótipo careca. O alinhamento também revelou a presença de três polimorfismos de base única (SNP) presentes na linhagem A/J, ainda não descritos (Figura 5). Dois deles são mutações silenciosas ocasionadas por transições presentes na última base da trinca que codifica as treoninas 215 e 220 (C645T e T660C, respectivamente). A terceira é uma transversão de timina para guanina na décima terceira base da extremidade 5´ do íntron que separa os éxons 6 e 7. É preciso validar estes SNPs seqüenciando novamente estes segmentos a partir do DNA de outros animais A/J, utilizando camundongos de diferentes estoques de modo a excluir a possibilidade de serem polimorfismos presentes apenas na nossa amostra, fixados por retrocruzamentos e intercruzamentos necessários para manter esta linhagem isogênica no biotério. 45 Discussão As mutações de pelagem são muitas e proporcionaram enormes avanços no entendimento do processo de organogênese epidérmica em mamíferos. Em camundongos foram descritas mais de 230 mutações afetando vários aspectos da pele e seus anexos (Nakamura et al, 2001). De ocorrência bem ampla no genoma murino, as mutações de pelagem estão presentes nos 19 autossomos (6% delas no cromossomo 7) e no X. Não há registro de mutações desta classe mapeadas no cromossomo Y. Estes valores sugerem o envolvimento de vários genes numa embriogênese complexa da pele, possivelmente implicando numa grande diversidade de sinalizadores intracelulares, receptores e hormônios. A mutação careca confere aos animais uma pelagem defeituosa e insuficiente, além de outros problemas nos órgãos internos. Os animais carc fazem parte, portanto, deste grupo, juntamente com os outros mutantes de pelagem já conhecidos. A mutação careca é de interesse médico pela sua potencialidade em contribuir numa melhor compreensão do papel funcional das vias envolvidas na sinalização epidérmica, ainda pouco conhecidas. Muitas mutações que afetam a pelagem em camundongo e rato foram seqüenciadas e tiveram como ponto de partida o mapeamento genético através de análise de ligação utilizando marcadores microssatélites (Jahoda et al, 2004; Peters et al, 2003). A mutação careca foi mapeada à alta resolução em um intervalo de 5,56 Mb que contém cerca de 30 possíveis genes candidatos. A inexistência de outros marcadores microssatélites polimórficos entre as linhagens BALB/c, C57BL/6 e NZB nas regiões centroméricas e teloméricas de recombinação impossibilitou uma maior redução do intervalo mapeado. No caso do careca, esta limitação ainda pode ser superada lançando mão de SNPs presentes na região pela técnica de SSCP (single strand conformational polymorphism), que evidencia polimorfismos de base única segregantes entre as linhagens através da conformação diferencial de fitas simples em gel não-desnaturante. É possível que esta estratégia abrevie ainda mais o trecho mapeado e permita a exclusão de mais genes do intervalo careca. A sondagem do gene Fgfr2, avaliado como o melhor candidato da região mapeada para presença de mutações associadas com o fenótipo careca, se deu pela triagem inicial de fragmentos do cDNA deste gene através de DHPLC. A técnica de DHPLC foi escolhida por se mostrar muito superior na detecção de SNPs comparada à 46 outros métodos como seqüenciamento, SSCP e eletroforese de gradiente em gel desnaturante, podendo detectar alelos presentes na amostra numa freqüência menor que 3% (Wolford et al, 2000). Os gráficos de retenção para o fragmento 3 amplificado do cDNA mostraram quatro picos característicos para presença de mutação (Figura 4). Contudo, o seqüenciamento dos éxons e das regiões doadoras e aceptoras de splicing presentes neste fragmento não permitiu o isolamento de nenhuma variante nucleotídica na seqüência que pudesse ser considerada uma mutação. O resultado positivo obtido da análise de DHPLC pode talvez ser explicado pela ocorrência conjunta das isoformas intermediárias IIIb (que não possui o éxon 9) e IIIc (que não possui o éxon 8) na amostra amplificada por PCR. Esta coexistência pode ter promovido a hibridação de fragmentos de comprimentos diferentes na amostra, levando à detecção de quatro picos no cromatograma. Os cromatogramas obtidos pela análise dos fragmentos 2 e 4 indicaram inexistência de mutação, e o fragmento 1 não pôde ser analisado. No entanto, os fragmentos 2 e 4 não podem ser integralmente isentos de portarem a mutação careca. Apesar da técnica de DHPLC ser bem consolidada e render resultados extremamente confiáveis, a formação de bolhas de mismatch detectáveis por DHPLC nos fragmentos amplificados pode depender do conteúdo GC das seqüências que flanqueiam a mutação. Assim, muitas mutações, mesmo que presentes nos éxons, podem passar desapercebidas. Este fenômeno pode ter mascarado possíveis mutações nos fragmentos 2 e 4. No caso do mutante careca é considerável adotar a medida de seqüenciar integralmente os éxons de Fgfr2, que ainda permanece como o melhor gene candidato do intervalo mapeado. A triagem do gene Fgfr2 em busca da mutação carc se deu primeiramente nos éxons, já que modificações em íntrons, embora possam induzir a recomposição de mRNAs intermediários não-funcionais ou criar novos sítios aceptores de splicing, são extremamente raras (Beier, 2000). Apesar dos resultados pouco conclusivos do seqüenciamento dos éxons de 6 a 14 presentes no fragmento 3 amplificado do cDNA de Fgfr2, não se pode excluir a possibilidade da mutação careca ter alterado alguma seqüência de controle de splicing presente nos íntrons, tal como as seqüências IAS2 e ISAR, que controlam a recomposição dos transcritos de Fgfr2 (Wagner et al, 2003). Neste caso o trabalho fica muito mais difícil pois o gene Fgfr2 possui íntrons de até 67 Kb. Além disso, as seqüências de alguns íntrons do gene Fgfr2 ainda não são conhecidas, e não existe registro de iniciadores para amplificar seqüências internas a eles. 47 O gene Fgfr2 de camundongos, presente na região mapeada à alta resolução, permanece como o melhor candidato a abrigar a mutação careca. Cerca de onze doenças genéticas associadas aos receptores FGFRs são conhecidas em humanos. Uma melhor compreensão destas patologias foi conseguida através de estudos dos efeitos de mutações de sentido trocado (missense), inserção de stop códon prematuro (nonsense), erro de splicing, deleções e inserções no gene FGFR2 humano e em outros da família FGFR, como FGFR-1 e FGFR-3 (Passos-Bueno et al, 1999). Diferentes doenças genéticas humanas, como, por exemplo, Síndrome de Crouzon, Síndrome de Apert e Síndrome de Beare-Stevenson, são causadas por mutações no gene FGFR2, mas também podem surgir por alterações em outros receptores tais como FGFR1 e FGFR3. Mutações induzidas no gene Fgfr2 murino levam a fenótipos que mimetizam anormalidades ósseas no crânio observadas na Síndrome de Apert humana (Chen et al, 2003). Camundongos knockout homozigotos e heterozigotos para genes da família Fgf e Fgfr, além de mutações espontâneas, vêm permitindo a obtenção de dados moleculares conclusivos a respeito da complicada interação destes receptores e seus ligantes na organogênese murina (De Moerlooze et al, 2000). Além de estar envolvido na diferenciação epidérmica e óssea, o receptor Fgfr2 também está intimamente ligado aos processos de desenvolvimento embrionário do timo (Revest et al, 2001), ceco (Burns et al, 2004) e pâncreas (Pulkkinen et al, 2003). A possibilidade da mutação careca ser um alelo mutante informativo de Fgfr2 permitirá o delineamento de análises moleculares e funcionais mais direcionadas. É neste sentido que informações extraídas de estudos envolvendo o alelo mutante carc podem contribuir para a melhor integração da compreensão do papel dos receptores Fgfr na embriologia murina. Caso a mutação careca esteja presente em outro gene que não Fgfr2, é razoável, por exemplo, avaliar os outros genes da região mapeada e selecionar candidatos adicionais a serem seqüenciados. Agradecimentos Os autores agradecem a Rodrigo Resende pela extração de RNA e RT-PCR, Alessandro Ferreira e Frederico Malta, do Instituto de Pesquisa Hermes Pardini, pela ajuda valiosa no DHPLC e Prof. Fabrício Santos pelo suporte no seqüenciamento das amostras. Esta pesquisa foi financiada pelas agências FAPEMIG e FAPESP. 48 Referências Ausubel FM, Brent R, Kingston RE, Moore DD, Seidman JG, Smith JA, Struhl K. Current Protocols in Molecular Biology, Wiley Interscience, New York, 1995. Beier DR. Sequence-based analysis of mutagenized mice. Mammalian Genome, v.11, p.594-597, 2000. Braun S, Keller U, Steiling H, Werner S. Fibroblast growth factors in epithelial repair and cytoprotection. Philosophical Transactions of The Royal Society, v.359, p.753-757, 2004. Burns RC, Fairbanks TJ, Sala F, De Langhe S, Mailleux A, Thiery JP, Dickson C, Itoh N, Warburton D, Anderson KD e Bellusci s. Requirement for fibroblast growth factor 10 or fibroblast growth factor receptor 2-IIIb signaling for cecal development in mouse. Developmental Biology, v.265, p.61-74, 2004. Celli G, LaRochelle WJ, Mackem S, Sharp R, Merlino G. Soluble dominantnegative receptor uncovers essential roles for fibroblast growth factors in multiorgan induction and patterning. The EMBO Journal, v.17(6), p.1642-1655, 1998. Chen L, Li D, Li C, Engel A e Deng C. A Ser250TRp substitution in mouse fibroblast growth factor receptor 2 (Fgfr2) results in craniosynostosis. Bone, v.33, p.169-178, 2003. Collins FS. Positional cloning moves from perditional to traditional. Nature Genetics, v.9, p.347-350, 1995. de Angelis MH, Flaswinkel H, Fuchs H, Rathkolb B, Soewarto D, Marschall S, Heffner S, Pargent W, Wuensch K, Jung M, et al. Genome-wide, large-scale production of mutant mice by ENU mutagenesis. Nature Genetics, v.25, p.444-447, 2000. 49 De Moerlooze L, Spencer-Dene B, Revest J-M, Hajihosseini, Rosewell I, Dickson C. An Important role for the IIIb isoform of fibroblast growth factor receptor 2 (FGFR2) in mesenchymal-epithelial signalling during mouse organigenesis. Development, v.127, p.483-492, 2000. Dunnwald M, Zuberi AR, Stephens K, Le R, Sundberg JP, Fleckman P, Dale BA. The ichq mutant mouse, a model for the human skin disorder harlequin ichthyosis: mapping, keratinocyte culture, and consideration of candidate genes involved in epidermal growth regulation. Experimental Dermatology, v.12, p.245-254, 2003. Han S, Cooper DN, Upadhyaya M. Evaluation of denaturing high performance liquid chromatography (DHPLC) for the mutational analysis of the neurofibromatosis type 1 (NF1) gene. Human Genetics, v.109, p.487-497, 2001. Herron BJ, Bryda EC, Heverly SA, Collins DN, Flaherty L. Scraggly, a new hair loss mutation on mouse Chromosome 19. Mammalian Genome, v.10, p.864-869, 1999. Holinski-Feder E, Müller-Koch Y, Friedl W, Moeslein G, Keller G, Plaschke J, Ballhausen W, Gross M , Baldwin-Jedele K , Jungck M, Mangold E, Vogelsang H, Schackert H-K, Lohse P, Murken J, Meitinger Th. DHPLC mutation analysis of the hereditary nonpolyposis colon cancer (HNPCC) genes hMLH1 and hMSH2. Journal of Biochemical and Biophysical Methods, v.47, p.21-32, 2001. Hubbard T, Andrews D, Caccamo M, Cameron G, Chen Y, Clamp M, Clarke L, Coates G, Cox T, Cunningham F, Curwen V, Cutts T, Down T, Durbin R, Fernandez-Suarez XM, Gilbert J, Hammond M, Herrero J, Hotz H, Howe K, Lyer V, Jekosch K,Kahari A, Kasprzyk A, Keefe D, Keenan S, Kokocinsci F, London D, Longden I, McVicker G, Melsopp C, Meidl P, Potter S, Proctor G, Rae M, Rios D, Schuster M, Searle S, Severin J, Slater G, Smedley D, Smith J, Spooner W, Stabenau A, Stalker J, Storey R, Trevanion S, Ureta-Vidal A, Vogel J, White S, Woodwark C & Birney E. Ensembl 2005. Nucleic Acid Research, v.33, D447-D453, 2005. 50 Hubbard T, Barker D, Birney E, Cameron G, Chen Y, Clark L, Cox T, Cuff J, Curwen V, Down T, Durbin R, Eyras E, Gilbert J, Hammond M, Huminiecki L, Kasprzyk A, Lehvaslaiho H, Lijnzaad P, Melsopp C, Mongin E, Pettett R, Pocock M, Potter S, Rust A, Schmidt E, Searle S, Slater G, Smith J, Spooner W, Stabenau A, Stalker J, Stupka E, Ureta-Vidal A, Vastrik I, Clamp M. The Ensembl genome database project. Nucleic Acid Research, v.30(1), p.38-41, 2002. Jahoda CAB, Kljuic A, O´Shaughnessy R, Crossley N, Whitehouse CJ, Robinson M, Reynolds AJ, Demarchez M, Porter RM, Shapiro L, Christiano AM. The lanceolate hair rat phenotype results from a missense mutation in a calcium coordination site of the desmoglein 4 gene. Genomics, v.83, p.747-756, 2004. Justice MJ. Mutagenesis of the mouse germline. In: Jackson IJ, Abbot CM. Mouse genetics and Transgenics. Oxford University Press, New York, 2000. Kumar S, Tamura K, Nei M. MEGA3: Integrated software for Molecular Evolutionary Genetics Analysis and sequence alignment. Briefings in Bioinformatics v.5, p.150-163, 2004. Luo J, Zhang L, Stenn K, Prouty S, Parimoo S. Desmoglein genes are up-regulated in the pk mutant mouse. Biochemical and Biophysical Research Communications, v.327, p.64-69, 2005. Massironi SMG, Schamber-Reis BLF, Carneiro JG, Barbosa LBS, Ariza CB, Santos GC, Guénet J-L, Godard ALB. Assessing gene function by inducing mutations in the mouse genome. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 2006. In Press. Miller SA, Dykes DD, Polensky HF. A simple salting out procedure for extracting DNA from human nucleated cells. Nucleic Acids Research, v.16(3), p.1915, 1988. Moser AR, Mattes EM, Dove WF, Lindstrom MJ, Haag JD et al. ApcMin, a mutation in the murine Apc gene, predisposes to mammary carcinomas and focal 51 alveolar hyperplasia. Proceedings of the National Academy of Sciences, v.90, p.8977-8981, 2003. Nakamura M, Sundberg JP, Paus R. Mutant laboratory mice with abnormalities in hair follicle morphogenesis, cycling, and/or structure: annotated table. Experimental Dermatology, v.10, p.369-390, 2001. Nolan P, Peters J, Vizor L, Strivens M, Washbourne R, Hough T, Wells C, Glenister P, Thornton C, Martin J, Fischer E, Rogers D, Hagan J, Reavill C, Gray I, Wood J, Spurr N, Browne M, Rastam S, Hunter J, Brown SDM. Implementation of a largescale ENU mutagenesis program: towards increasing the mouse mutant resource. Mammalian Genome, v.11, p.500-506, 2000. Noveroske JK, Weber JS, Justice MJ. The mutagenic action of N-ethyl-Nnitrosourea in the mouse. Mammalian Genome, v.11, p.478-483, 2000. Passos-Bueno MR, Wilcox WR, Jabs EW, Sertié AL, Afonso LG, Kitoh H. Clinical Spectrum of Fibroblast Growth Factor Receptor Mutations. Human Mutation, v.14(2), p.115-125, 1999. Peters T, Sedlmeier R, Büssow H, Rinkel F, Lüers GH, Korthaus D, Fuchs H, de Angelis MH, Stumm G, Russ AP, Porter RM, Augustin M e Franz T. Alopecia in a Novel Mouse Model RCO3 is Caused by mK6irs1 Deficiency. Journal of Investigative Dermatology, v.121, p.674-680, 2003. Petiot A, Conti FJA, Grose R, Revest J-M, Hodivala-Dilke KM, Dickson C. A crucial role for Fgfr2-IIIb signalling in epidermal development and hair follicle patterning. Development, v.130, p.5493-5501, 2003. Petkov PM, Ding Y, Cassel MA, Zhang W, Wagner G, Sargent EE, Asquith S, Crew V, Johnson KA, Robinson P, Scott VE, Wiles MV. An Efficient SNP System for Mouse Genome Scanning and Elucidating Strain Relationships. Genome Research, v.14, p.1806-1811, 2004. 52 Poirier C, Yoshiki A, Fujiwara K, Guénet J-L, Kusakabe M. Hague (Hag): A New Mouse Hair Mutation With an Unstable Semidominant Allele. Genetics, v.162, p.831-840, 2002. Pulkkinen M-A, Spencer-Dene B, Dickson C, Otonkoski O. The IIIb isoform of fibroblast growth factor receptor 2 is required for proper growth and branching of pancreatic ductal epithelium but not for differentiation of exocrine or endocrine cells. Mechanisms of Development, v.120, p.167-175, 2003. Quwailid MM, Hugill A, Dear N, Vizor L,Wells S, et al. A gene-driven ENU-based approach to generating an allelic series in any gene. Mammalian Genome, v.15, p.585-591, 2004. Revest J-M, Suniara RK, Kerr K, Owen JJT e Dickson C. Development of the Thymus Requires Signaling Through the Fibroblast Growth Factor Receptor R2IIIb. The Journal of Immunology, v.167, p.1954-1961, 2001. Rozen S, Skaletsky H. Primer3 on the WWW for general users and for biologist programmers. In: Krawetz S, Misener S. Bioinformatics Methods and Protocols: Methods in Molecular Biology. Humana Press, Totowa, NJ, p.365-386, 2000. Thompson JD, Higgins DG, Gibson TJ. CLUSTAL W: improving the sensitivity of progressive multiple sequence alignment through sequence weighing, positionspecific gap penalties and weight matrix choice. Nucleic Acids Research, v.22(22), p.4673-4680, 1994. Wagner EJ, Curtis ML, Robson ND, Baraniak AP, Eis PS, Garcia-Blanco MA. Quantification of alternatively spliced FGFR2 RNAs using the RNA invasive clevage assay. RNA, v.9, p.1552-1561, 2003. Werner S, Smola H, Liao X, Longaker MT, Krieg T, Hofschneider PH, Williams LT. The function of KGF in morphogenesis of epithelium and reepitheliazation of wounds. Science, v.4;266(5186), p.819-822, 1994. 53 Wolford JK, Blunt D, Ballecer C e Prochazka M. High-throughput SNP detection by using DNA pooling and denaturing high performance liquid chromatography (DHPLC). Human Genetics, v.107, p.483-487, 2000. Xiao W, Oefner PJ. Denaturing High-Performance Liquid Chromatography: A Review. Human Mutation, v.17, p.469-474, 2001. Zhang Y, Proenca R, Maffei M, Barone M, Leopold L, et al. Positional cloning of the mouse obese gene and its human homologue. Nature, v.372, p,425-432, 1994 In: Paigen K. One Hundred Years of Mouse Genetics: An Intellectual History – II. The Molecular Revolution (1981-2002). Genetics, v.163, p.1227-1257, 2003 54 55 56 57 58 59 5 . Conclusões e Perspectivas É notável que a caracterização de modelos murinos para várias doenças humanas, além da incorporação de técnicas experimentais estabelecidas e confiáveis, tenha levado a um progresso rápido no entendimento de como os processos biológicos presentes no desenvolvimento e metabolismo se processam em mamíferos. A existência de modelos murinos para a alcaptonúria humana, distrofia muscular de Duchenne, fenilcetonúria, síndrome de Waardenburg, retinite pigmentosa, síndrome de Marfan, melanoma familial, ansiedade e depressão, câncer de mama, dentre outros, permitiu identificar os genes responsáveis por estas enfermidades e relacionar novos alelos aos fenótipos mutantes, além de abrir as portas para a criação de novas áreas de pesquisa com interesse biotecnológico, como a farmacogenética. Isolar novas mutações significa, conseqüentemente, enriquecer um repertório molecular informativo já bem vasto, mas que mesmo assim carece de elos moleculares de ligação, representados por novos alelos mutantes. O primeiro artigo exemplifica a importância de se isolar novas mutações. A ação mutagênica do ENU é considerada simples em comparação aos efeitos mutagênicos induzidos por outros compostos. A possibilidade de mutar apenas uma base no DNA permite que um número muito grande de alterações nucleotídicas simples possam ser isoladas de determinado gene na forma de alelos alterados. O enfoque de mutagênese por ENU dirigida a um gene em particular, adotado por muitos laboratórios, mostra um potencial teórico para vasculhar os efeitos deletérios de mutações em cada base do gene escolhido. Associado a isso, o efeito de cada alelo pode ser estudado transferindo-o para backgrounds característicos de inúmeras linhagens isogênicas de camundongo, através de cruzamentos. Deste modo, milhões de combinações alelo mutante-genoma-ambiente podem ser estabelecidas. Os dois trabalhos apresentados nesta dissertação exemplificam e corroboram o importante papel do camundongo como modelo preferido para investigar o processamento e controle envolvidos em processos metabólicos de mamíferos. A noção de que a maquinaria molecular atuante em mamíferos é diversa e complexa pede que abordagens mais integradas sejam adotadas e que envolvam técnicas analíticas oriundas 60 de áreas características de pesquisa. O projeto de mutagênese por ENU conseguiu isolar onze mutações com fenótipos interessantes. O mapeamento genético destes mutantes consistirá no primeiro passo para a clonagem destes genes num futuro próximo. É necessário e normal que a análise destes mutantes envolva um grande número de profissionais, dentre eles geneticistas, bioquímicos, morfologistas e patologistas, já que os fenótipos resultantes das mutações são complexos demais para serem analisados sob a óptica de uma única especialidade. O mapeamento genético da mutação careca foi um esforço multidisciplinar que buscou identificar a alteração molecular basal, causadora do fenótipo alterado. Hoje, o mapeamento se constitui num processo bem dinâmico e confiável, pois as linhagens isogênicas se tornaram mais disponíveis, muito mais marcadores genéticos (microssatélites e SNPs) foram isolados e os dados referentes a eles podem ser acessados num piscar de olhos através da Internet. A seleção de genes candidatos ainda se torna um desafio, mesmo em intervalos pequenos. A única informação disponível no momento da seleção vem de dados funcionais, ou melhor, do papel genético suposto que é atribuído ao gene em questão, através da análise da disfunção induzida pela ação do alelo mutado no genoma isogênico da linhagem escolhida. A transferência destes alelos para outros backgrounds é uma outra forma de avaliar os efeitos das mutações. O mapeamento genético da mutação careca permitiu a escolha do gene Fgfr2 como primeiro candidato. Apesar das análises de DHPLC indicarem a presença de alteração nos éxons de 6 a 14, nenhuma mutação pôde ser detectada por seqüenciamento. Mutações em geral são difíceis de serem encontradas. Genes considerados maiores, tal como o Fgfr2 que gera um transcrito de 152.7 Kb, necessitam despender esforços técnicos extras e estratégias específicas na busca destas variantes. Certamente todos os éxons do gene Fgfr2 serão seqüenciados em busca da mutação careca, tendo em vista que sua candidatura é muito forte. Mesmo depois de uma possível mutação ser identificada, o processo final de validação da mutação pede a restauração do fenótipo normal in vitro ou a produção de novo do mesmo fenótipo em animais normais através de técnicas de recombinação sítio-específica. O interesse no camundongo como modelo para doenças humanas é muito forte. Devido aos excelentes resultados experimentais e biotecnológicos alcançados através de 61 sua utilização, o camundongo vem recebendo atenção especial demonstrada por esforços maciços na área genômica. Recentemente, o consórcio genômico RIKEN isolou e caracterizou mais de 21 mil cDNAs murinos (Kawai et al, 2001). Outro grupo na Califórnia examinou haplótipos completos de SNPs ao longo do genoma de oito linhagens isogênicas de camundongos (Wiltshire et al, 2003). As valiosas informações que foram tiradas destes e de outros trabalhos, juntamente com os dados do Projeto Genoma do Camundongo (Waterston et al, 2002) servem de base para projetos que necessitam de ancoramento genômico sólido, tal como os projetos de mapeamento genético. A essência da pesquisa envolvendo camundongos reside no potencial em extrair informações funcionais genéricas que possam servir de referencial para se tentar compreender as especificidades biológicas inerentes a cada espécie. 62 6. Agradecimentos Esta dissertação nunca ficaria completa sem a colaboração de pessoas que são e sempre continuarão muito importantes na minha carreira profissional. Gostaria de agradecer a Ana Lúcia por todos estes cinco anos de convivência profissional e pessoal, pelo carinho, amizade e confiança. À Juju, Lucas, Gustavo, Nantinha, Carolina, Horácio, Florence, Alessandro e ex-alunos do Laboratório de Genética Animal e Humana pelos excelentes momentos dentro do laboratório e também fora dele. Agradeço à Silvia Massironi pelo apoio com o camundongo careca e toda sua prole, pela paciência e troca de experiências. Ao Fred Malta pelo subsídio técnico no DHPLC e aos alunos do Laboratório do Prof. Fabrício (Eloísa, Lilia, Dani, Sibele, Paula, Rodrigo Redondo e Ricardo): aprendi a seqüenciar o DNA com vocês. Ao Rodrigo Resende da USP pela extração de RNA e RT-PCR. Aos meus queridos colegas e professores da Pós-Graduação em Genética. E aos meus queridos amigos para sempre: Juliana, Fabis, Marina, Lucas e Capolo, sem vocês tudo estaria perdido! As experiências compartilhadas com todos fizeram de mim um melhor aluno e profissional. Em caráter especialíssimo agradeço a toda minha família pela compreensão e carinho, e por acreditarem nos meus sonhos. À minha Mãe, por tudo. Ao meu irmão PH, agora aproveitando os EUA. Ao meu Vovô Gabriel, pelos papos, conselhos e incentivo. À Tia Cláudia, Anísio, Gabi e Naná. E ao Papai, que tá longe. Dedico este trabalho a minha Dodóia Miroca, minha maior fã, pelo seu amor imensurável e por tudo o que ela representou na minha vida. Agora está torcendo por mim, lá de cima... 63 7. Referências Anderson KV. Finding the genes that direct mammalian development. ENU mutagenesis in the mouse. TRENDS in Genetics, v.16, p.99-102, 2000. Austin CP et al. The Knockout Mouse Project. Nature Genetics, v.36(9), p.921-924, 2004. Beier DR. Sequence-based analysis of mutagenized mice. Mammalian Genome, v.11, p.594-597, 2000. Boyd Y. Genetic Mapping of the Mouse Genome. Methods Companion Methods Enzymology., v.14, p.120-134, 1998. Braun S, Keller U, Steiling H, Werner S. Fibroblast growth factors in epithelial repair and cytoprotection. Philosophical Transactions of The Royal Society, v.359, p.753-757, 2004. Brown SDM, Nolan PM. Mouse mutagenesis – systematic studies of mammalian gene function. Human Molecular Genetics, v.7(10), p.1627-1633, 1998. Brown SDM, Peters J. Combining mutagenesis and genomics in the mouse – closing the phenotype gap. TRENDS in Genetics, v.12(11), p.433-435, 1996. Celli G, LaRochelle WJ, Mackem S, Sharp R, Merlino G. Soluble dominant-negative receptor uncovers essential roles for fibroblast growth factors in multi-organ induction and patterning. The EMBO Journal, v.17(6), p.1642-1655, 1998. Cox R, Hugill A, Shedovsky A, Noveroske J, Best S, Justice M, Lehrach H, Dove W. Contrasting effects of ENU induced embryonic lethal mutations of the quaking gene. Genomics, v.57, p.333–341, 1998. 64 de Angelis MH, Flaswinkel H, Fuchs H, Rathkolb B, Soewarto D, Marschall S, Heffner S, Pargent W, Wuensch K, Jung M, et al. Genome-wide, large-scale production of mutant mice by ENU mutagenesis. Nature Genetics, v.25, p.444-447, 2000. Guénet J-L, Bonhomme F. Wild mice: an ever-increasing contribution to a popular mammalian model. TRENDS in Genetic, v. 19 (1), p. 24-31, 2003. Guénet J-L. Animal Models of Human Genetic Diseases. p.1-15, 1998. Herron BJ, Bryda EC, Heverly SA, Collins DN, Flaherty L. Scraggly, a new hair loss mutation on mouse Chromosome 19. Mammalian Genome, v.10, p.864-869, 1999. Jahoda CAB, Kljuic A, O´Shaughnessy RO, Crossley N, Whitehouse CJ, Robinson M, Reynolds AJ, Demarchez M, Porter RM, Shapiro L, Christiano AM. The lanceolate hair, rat phenotype results from a missense mutation in a calcium coordination site of the desmoglein 4 gene. Genomics, v.83, p.747-756, 2004. Justice MJ, Carpenter DA, Favor J, Neuhäuser-Klaus A, Angelis MH, Soewarto D, MoserA, Cordes S, Miller D, Chapman V, Weber JS, Rinchik EM, Hunsicker PR, Russel WL, Bode VC. Effects of ENU dosage on mouse strains. Mammalian Genome, v.11, p.484-488, 2000. Kasarskis A, Manova K, Anderson K. A phenotype-based screen for embryonic lethal mutations in the mouse. Proceedings of National Academy of Sciences, v.95, p.7485– 7490, 1998. Kawai J, et al. Functional annotation of a full-length mouse cDNA collection. Nature, v.409, p.685-690, 2001. Lander ES, et al. Inicial sequencing and analysis of the human genome. Nature, v.409(6822), p.860-921, 2001. 65 Lane PW, Bronson RT, Cook SA Ward-Bailey P, Donahue LR, Davisson MT. Juvenile Bare: A new hair loss mutation on chromosome 7 of the mouse. The Journal of Heredity, v.89(3), p.254-257, 1998. Moerlooze LD, Spencer-Dene B, Revest J-M, Hajihosseini M, Roswell I, Dickson C. An important role for the IIIb isoform of fibroblast growth factor receptor 2 (FGFR2) in mesenchymal-epithelial signaling during mouse organogenesis. Development, v.127, p.483-492, 2000. Montagutelli X. Determining the genetic basis of a new trait. In Systematic approach to evaluation of mouse mutations. The Jackson Laboratory, Bar Harbor , Maine, p.15-33, 2000. Nolan P, Peters J, Vizor L, Strivens M, Washbourne R, Hough T, Wells C, Glenister P, Thornton C, Martin J, Fischer E, Rogers D, Hagan J, Reavill C, Gray I, Wood J, Spurr N, Browne M, Rastam S, Hunter J, Brown SDM. Implementation of a large-scale ENU mutagenesis program: towards increasing the mouse mutant resource. Mammalian Genome, v.11, p.500-506, 2000. Noveroske JK, Weber JS, Justice MJ. The mutagenic action of N-ethyl-N-nitrosourea in the mouse. Mammalian Genome, v.11, p.478-483, 2000. Perkins AS. Functional Genomics in the mouse. Functional Integrated Genomics, v.2, p.81-91, 2002. Peters T, Sedlmeier R, Büssow H, Runkel F, Lüers GH, Korthaus D, Fuchs H, de Angelis H, Stumm G, Russ AP, Augustin M, Franz T. Alopecia in a novel mouse model RCO3 is caused by mK6irs1 deficiency. The Journal of Investigative Dermatology, v.121(4), p.674-680, 2003. Petiot A, Conti FJA, Grose R, Revest J-M, Hodivala-Dilke KM, Dickson C. A crucial role for Fgfr2-IIIb signalling in epidermal development and hair follicle patterning. Development, v.130, p.5493-5501, 2003. 66 Soewarto D, Fella C, Teubner A, Rathkolb B, Pargent W, Heffner S, Marschall S, Wolf E, Balling R, de Angelis MH. The large-scale Munich ENU-mouse-mutagenesis screen. Mammalian Genome, v.11, p.507-510, 2000. Symula D, Shedlovsky A, Guillery E, Dove W. A candidate mouse model for Hartnup disorder deficient in neutral amino acid transport. Mammalian Genome, v.8, p.102–107, 1997. Taylor BA. Mapping phenotypic trait loci. In: Jackson, IJ, Abbott, CM. Mouse Genetics and Transgenics. Oxford University Press, New York, 2000. Thaung C, West K, Clark BJ, McKie L, Morgan JE, Arnold K, Nolan PM, Peters J, Hunter AJ, Brown SDM, Jackson IJ, Cross SH. Novel ENU-induced eye mutations in the mouse: models for human eye disease. Human Molecular Genetics, v.11(7), p.755767, 2002. Waterston RH, et al. Initial sequencing and comparative analysis of the mouse genome. Nature, v.420(6915), p.520-62, 2002. Wells C, Brown SDM. Genomics meets genetics: towards a mutant map of the mouse. Mammalian Genome, v.11, p.472-477, 2000. Werner S, Smola H, Liao X, Longaker MT, Krieg T, Hofschneider PH, Williams LT. The function of KGF in morphogenesis of epithelium and reepitheliazation of wounds. Science, v.4;266(5186), p.819-822, 1994. Williams RW, Flaherty L, Threadgill DW. The math of making mutant mice. Genes, Brain and Behaviour, v.2, p.191-200, 2003. Wiltshire T, Pletcher MT, Batalov S, Barnes SW, Tarantino LM, Cooke MP, Wu H, Smylie K, Santrosyan A, Copeland NG, Jenkins NA, Kalush F, Mural RJ, Glynne RJ, Kay SA, Adams MD, Fletcher CF. Genome-wide single-nucleotide polymorphism analysis defines haplotype patterns in mouse. Proceedings of National Academy of Sciences, v.100(6), p.3380-3385, 2003. 67 Wu B-H, Shao Y-X, Mao H-H, Tang D, Liu J, Xue Z-F, Li H-D. Two kinds of ENUinduced scant hair mice and mapping of the mutant genes. Journal of Dermatologial Science, v.36, p.149-156, 2004. 68 Anexo I Genes identificados na região mapeada carc, através de busca no banco de dados do Ensembl (www.ensembl.org). D7Mit105 (116,4) 5,25 Mb D7Mit332 (121,65) Inpp5f inositol polyphosphate-5-phosphatase F Q8BXY6 Phospholipase homolog Wdr11 WD repeat domain 11 (citoesqueleto) Fgfr2 Fibroblast growth factor receptor 2 Ate1 Arginyl-tRNA--protein transferase 1 Tacc1 Transforming acidic coiled coil containing Plekha1 Pleckstrin homology domain-containing protein family A member 1 Prss11 Serine protease HTRA1 precursor Dmbt1 deleted in malignant brain tumors 1; crp-ductin; vomeroglandin; muclin Q8CEQ5 Mus musculus adult male testis cDNA Cuzd1 CUB and zona pellucida-like domains 1 Q9DAL9 Mus musculus adult male testis cDNA Zfpn1a5 zinc finger protein, subfamily 1A, 5. Acadsb Acyl-CoA dehydrogenase, short/branched chain specific Hmx3 Homeobox protein HMX3 (Homeobox protein Nkx-5.1). Hmx2 Homeobox protein HMX2 (Homeobox protein Nkx-5.2). Gpr26 Probable G protein-coupled receptor GPR26 Cpxm2 Potential carboxypeptidase-like protein X2 precursor Oat Ornithine--oxo-acid aminotransferase Nkx1-2 NK1 transcription factor-related protein 2 (Homeobox protein SAX-1) Q9D7I5 Mus musculus adult male tongue cDNA K140_MOUSE Protein FAM53B Q99LW3 Hypothetical protein D7Wsu87e TRAF-binding protein Ctbp2 C-terminal binding protein 2 (CtBP2) Q9D5N9 Mus musculus adult male testis cDNA Q8BHY4 Mus musculus 13 days embryo heart cDNA Mmp21 matrix metalloproteinase 21 Uros Uroporphyrinogen-III synthase Bccip BRCA2 and CDKN1A interacting protein Dhx32 helicase DDX32; DEAD/H (Asp-Glu-Ala-Asp/His) box polypeptide 32 Fank1 fibronectin type 3 and ankyrin repeat domains 1 69 70