Download Novos Paradigmas em Psiquiatria

Survey
yes no Was this document useful for you?
   Thank you for your participation!

* Your assessment is very important for improving the workof artificial intelligence, which forms the content of this project

Document related concepts
no text concepts found
Transcript
Neurobiologia da
Mental
Doença
The Nobel Prize in Physiology or Medicine 2000
"for their discoveries concerning signal transduction in the nervous system"
Arvid Carlsson
Paul Greengard
Eric R. Kandel
• O cérebro, e somente o cérebro, é a fonte de
nossos prazeres, alegrias, sorrisos e
encantamentos, bem como de nossas tristezas,
dores, lutos e lágrimas. É, especialmente, o órgão
que usamos para pensar e aprender, ver e ouvir,
distinguir o feio do belo, o bom do mau e o
prazeroso do desagradável. O cérebro também é a
morada da loucura e dos delírios, dos medos e
terrores que nos assaltam à noite ou de dia, da
insônia, dos erros constrangedores e dos
pensamentos que não virão, das ansiedades
improdutivas, dos esquecimentos e das
excentricidades.
Hipócrates (460-377 BC)
Introdução
• Após a 2ª guerra mundial a evolução da
biologia molecular transformou a Medicina
em uma disciplina científica.
• A Psiquiatria, ao contrário, afastou-se do
pensamento científico, e aproximou-se do
empirismo
Introdução
• Nos últimos anos, o avanço das
neurociências reaproximou a Psiquiatria do
pensamento científico.
• Este fato tem influência crescente sobre a
formação de novos profissionais, e sobre a
atualização dos já formados.
Introdução
• A formação de novos profissionais em
sintonia com o pensamento científico
atual deve incluir cinco princípios
básicos:
Princípios Básicos
• Todos os processos mentais são operações cerebrais
• A genética é um componente importante de todas as
doenças mentais
• Fatores ambientais influenciam a expressão genética
• Alterações na expressão genética podem ser iniciadas
e perpetuadas pelo aprendizado
• As psicoterapias atuam por meio do aprendizado
Todo processo mental é uma
operação cerebral
• Lesões específicas do cérebro causam
alterações específicas do comportamento.
• Alterações específicas do comportamento
originam alterações funcionais cerebrais
características.
• No entanto o conhecimento sobre a relação
mente-cérebro é ainda incipiente, e portanto
controversa.
Todo processo mental é uma
operação cerebral
• Muitas controvérsias sobre este tema derivam
de uma visão simplista e equivocada sobre o
componente genético do comportamento
• Um equívoco comum é considerar que os
processos biológicos são determinados
unicamente pelos genes
Todo processo mental é uma
operação cerebral
• Outro equívoco diz respeito à noção de que a
única função dos genes é a transmissão inexorável
da informação hereditária de uma geração à outra
• Estes equívocos combinados levam à crença que
genes invariáveis, de expressividade e penetrância
não influenciáveis exerceriam uma influência
inevitável no comportamento de um indivíduo e
seus descendentes
Toda processo mental é uma
operação cerebral
• Esta visão fatalista e fundamentalmente
errada esteve e permanece por trás de
correntes de pensamento intelectualmente
estéreis e socialmente destrutivas, como
certas correntes pró-eugenia, o racismo
pseudocientífico e o Darwinismo social
Todo processo mental é uma
operação cerebral
• Um conceito chave para desmistificar este
equívoco é que os genes possuem duas funções
básicas:
– a primeira função é a de molde para a própria
replicação.
– a segunda função é a determinação do
fenótipo, através da transcrição genética
Replicação genética
• Esta função é exercida por todos os genes, em
todas as células de um organismo, inclusive os
gametas. O objetivo é prover sucessivas gerações
de cópias de cada gene. A fidelidade da replicação
é alta, e não é regulada por experiências sociais de
qualquer natureza. Ela pode ser alterada apenas
por mutações, quase sempre aleatórias. A função
de transmissão da informação genética está,
portanto, fora do controle individual ou social.
Transcrição genética
• Toda célula possui todos os genes presentes
nas outras células do mesmo organismo, mas
apenas uma pequena fração se expressa
• A função transcricional de um gene, ou seja,
sua capacidade de sintetizar proteínas
específicas, é passível de regulação e altamente
responsiva a fatores ambientais
Transcrição genética
• Um gene tem duas regiões: uma região que
codifica o RNA mensageiro, que por sua vez
codifica uma proteína específica; e uma região
reguladora
• Esta é constituída de dois elementos, que são a
região promotora, a partir da qual a enzima
RNA polimerase irá começar a ler e
transcrever o DNA em RNA mensageiro, e...
Transcrição genética
• A região potencializadora, que reconhece sinais
proteicos que determinam quando e em quais
células a região codificadora será transcrita pela
RNA polimerase
• Estas
proteínas,
chamadas
reguladores
transcricionais, se ligam a diferentes locais da
região potencializadora e determinam a frequência
com a qual a RNA polimerase se ligará à região
promotora e iniciará a transcrição genética
Transcrição genética
• Estímulos externos e internos, como etapas da
maturação cerebral, hormônios, estresse,
aprendizado e interação social alteram a
ligação dos reguladores transcricionais à
região potencializadora. Dessa forma,
diferentes combinações de reguladores são
recrutados. Esta forma de regulação é
denominada regulação epigenética
Transcrição genética
• A regulação da expressão genética por fatores
ambientais torna todas as funções corporais
susceptíveis a influências sociais. Estas serão
biologicamente incorporadas através da
alteração da expressão de genes específicos em
determinadas
regiões
cerebrais.
Essas
alterações são transmitidas culturalmente, e
não geneticamente.
Transcrição genética
• Em humanos a capacidade de modificação da
expressão genética através do aprendizado, de uma
maneira não transmissível e particularmente eficiente ,
levou a um novo tipo de evolução, que podemos
chamar de evolução cultural. A capacidade de
aprendizado da espécie humana é tão grande que a
humanidade evoluiu muito mais cultural do que
biologicamente. O cérebro humano não mudou de
tamanho desde o surgimento do homo sapiens.
Enquanto isso, a cultura humana
evoluiu
dramaticamente
O componente genético das
doenças mentais
• Um gene único não codifica um
determinado comportamento.
• Um padrão de comportamento é gerado
por circuitos neurais que envolvem várias
células, que expressam genes específicos
que dirigem a síntese de determinadas
proteínas.
O componente genético das
doenças mentais
• Os genes expressados no cérebro codificam proteínas
que são importantes em uma ou outra etapa do
desenvolvimento, manutenção e regulação dos
cicuitos neurais que regulam o comportamento.
• Várias categorias de proteínas (estruturais, reguladoras
e catalíticas) são necessárias para a diferenciação de
uma única célula, e muitas células e muitos genes são
necessários para o desenvolvimento e funcionamento
de um único circuito neural
O componente genético das
doenças mentais
• Gêmeos idênticos possuem um mesmo
genoma, e suas similaridades quando criados
em
ambientes
separados
são
mais
provavelmente de origem genética.
• No entanto, mesmo gêmeos idênticos criados
num mesmo ambiente apresentam diferenças
significativas, o que aponta para uma
importante influência de fatores ambientais
O componente genético das
doenças mentais
• A incidência das esquizofrenias na espécie
humana é uniforme em diversas culturas , em
torno de 1%.
• Em parentes de primeiro grau de esquizofrênicos,
a incidência é de 15%,
• Em gêmeos monozigóticos a concordância é de
cerca de 50%.
• Esses dados sugerem que fatores ambientais e
múltiplas anormalidades genéticas concomitantes
são necessários para o desenvolvimento da doença
Fatores ambientais
• Estudos de aprendizado em animais inferiores
produziram as primeiras evidências de que a
experiência produz alterações duradouras da
eficiência das conexões neurais através da
alteração da expressão genética. Este achado tem
importantes implicações para a delimitação das
influências de fatores biológicos e sociais nos
padrões de comportamento
Fatores ambientais
• A dicotomia entre doenças mentais ditas
orgânicas, como as demências e as psicoses
tóxicas; e as chamadas doenças mentais
funcionais, como as esquizofrenias, os
transtornos de humor e os transtornos de
ansiedade baseia-se em um conceito erigido
a partir do poder de resolução dos métodos
neuropatológicos disponíveis no século
XIX.
Fatores ambientais
• Com as evidências experimentais que se
acumulam a partir da utilização dos métodos de
investigação atualmente disponíveis, não é
possível insistir na noção de que apenas as
doenças mentais “orgânicas” afetam a mente
através de alterações biológicas do cérebro. Todo
processo mental é biológico, e qualquer alteração
nesses processos é necessariamente orgânica.
Neuroimagem funcional
Normal
Usuário de Cocaína
Doença mental herdada X doença
mental adquirida
• Existem evidências substanciais de que a
susceptibilidade às doenças mentais mais
graves, como esquizofrenias e o transtorno
bipolar é herdada.
• Essas doenças refletem em parte alterações na
função de replicação genética, com um DNA
anormal , RNA mensageiro anormal e síntese
de proteínas anormais
Doença mental herdada X doença
mental adquirida
• É portanto possível inferir que doenças
psiquiátricas como o Transtorno de Estresse
Pós-Traumático podem ser adqüiridas pela
experiência.
• Elas provavelmente envolvem alterações na
função de transcrição (expressão genética).
Além disso, alguns indivíduos podem ser mais
vulneráveis a tais transtornos devido ao seu
patrimônio genético
Doença mental herdada X doença
mental adquirida
• Desenvolvimento, estresse e experiências
sociais são fatores que podem alterar a
expressão genética através da modificação
da ligação de fatores transcricionais entre si
e às regiões reguladoras dos genes.
• É possível que ao menos alguns transtornos
ditos neuróticos resultem de alterações
reversíveis da regulação genética.
Alterações da expressão genética
induzidas pelo aprendizado
• Estudos em animais inferiores têm
demonstrado que a principal alteração
induzida pelo aprendizado é o crescimento
de novas conexões sinápticas
• Animais submetidos a estudos que originam
formas de aprendizado semelhantes à
memória de longo prazo apresentam
densidade sináptica duas vezes maior do
que os controles
Alterações da expressão genética
induzidas pelo aprendizado
• Algumas formas de aprendizado, como a
habituação, ao contrário, causam a
regressão e a poda de conexões sinápticas
• Estas
alterações
morfológicas
são
características da memória de longo prazo,
e não ocorrem nas operações de memória de
curto prazo
Plasticidade neural
• Em humanos, cada unidade funcional do
sistema nervoso é constituída de centenas
de milhares de células nervosas. Num
sistema tão complexo, é provável que uma
forma de aprendizado específico envolva
alterações em inúmeras células, bem como
nos padrões de conexão entre os vários
sistemas sensoriais e motores envolvidos na
tarefa
Plasticidade neural
• Evidências experimentais indicam que os mapas
corticais somatosensoriais são dinâmicos mesmo
em animais maduros, diferindo entre indivíduos
de acordo com a utilização da região representada.
• As conexões sinápticas relativas às diversas
regiões podem se expandir ou retrair de acordo
com a utilização ou com as informações oriundas
de vias sensoriais periféricas
Plasticidade neural
• Como cada indivíduo se desenvolve em um
ambiente de certa forma único, exposto a
diversas combinações de estímulos, e
desenvolve suas habilidades motoras de
maneiras diferentes, cada cérebro é moldado
de uma maneira única.
• A combinação do patrimônio genético
individual com estas modificações constitui a
base biológica da individualidade
Psicoterapia e
psicofarmacoterapia
• Conforme exposto anteriormente, a eficácia das
psicoterapias presumivelmente deriva de sua
capacidade de induzir alterações na expressão
genética que dão origem a alterações funcionais e
estruturais do SNC, mesmo que observáveis em
um nível de resolução disponível atualmente
apenas em sets experimentais. Isto significa que as
psicoterapias não atuam apenas num nível
abstrato, nem são procedimentos isentos de riscos.
Psicoterapia e
psicofarmacoterapia
• A eficácia dos tratamentos psicofarmacológicos
deriva também da capacidade de induzir
alterações na expressão genética, e não de sua
capacidade de sedar ou excitar o SNC, como se
acreditava a princípio. Portanto, em certas
situações, a psicofarmacoterapia e a psicoterapia
podem, teoricamente, ser maneiras diferentes de
induzir alterações similares.
Psicoterapia e
psicofarmacoterapia
• Mesmo uma visão menos restrita, mas ainda
limtada ao bloqueio ou estimulação de
receptores, e à síntese, armazenamento,
liberação
e
degradação
de
neurotransmissores, ainda é estreita diante
da
complexidade
dos
fenômenos
desencadeados pela introdução de uma
determinada droga no ambiente do SNC.
Psicoterapia e
psicofarmacoterapia
• É preciso atentar para a importância de outras
instâncias
da
neurotransmissão,
como
mensageiros intracelulares, fosfolipídeos de
membrana, gradientes iônicos, estoques iônicos
intracelulares, fosforilases e fosfatases; e genes
de expressão imediata. Estas instâncias irão
influenciar a regulação da expressão genética.
• Todas estas instâncias são afetadas por estímulos
externos, inclusive medicamentos, drogas e
psicoterapia .
Psicoterapia e
psicofarmacoterapia
• É possível e desejável que a psicoterapia e a
psicofarmacoterapia adeqüadamente combinadas
possam ser não somente aditivas, mas também
sinérgicas.
• A influência relativa dos fatores genéticos e
ambientais, a abordagem combinada pode, em
tese, permitir que a psicofarmacoterapia consolide
as alterações da expressão genética induzidas pela
psicoterapia e vice-versa
Kandel, 2001
Implicações para a prática
psiquiátrica
• O avanço das neurociências terá um
impacto significativo sobre a formação dos
novos profissionais de saúde mental e a
atualização dos já formados.
• Haverá necessidade de um conhecimento
neurobiológico mais profundo, não somente
de
neuroanatomia,
neuroquímica
e
neuropsicologia, mas também de genética e
biologia molecular
Implicações para a prática
psiquiátrica
• A evolução da terapêutica farmacológica
através do refinamento do desenho das
drogas implicará em ganhos terapêuticos,
com a contrapartida da elevação dos custos
diretos do tratamento
• Este
aumento
será
provavelmente
compensado pela previsível redução dos
custos indiretos
Implicações para a prática
psiquiátrica
• O refinamento dos métodos de neuroimagem
estrutural e funcional, eletrofisiológicos e de
avaliação neuropsicológica deverá ter efeitos
similares sobre os custos e a qualidade de vida dos
pacientes.
• Estes avanços contribuirão para uma melhor
compreensão da fisiopatologia das doenças
mentais e para o desenvolvimento de novas
modalidades terapêuticas baseadas na genética.
Implicações para a prática
psiquiátrica
• Embora uma formação psiquiátrica com uma base
biológica tão profunda possa parecer prematura
devido ao estado ainda incipiente da aplicação da
neurobiologia ao estudo do comportamento, o
adiamento da incorporação desses conhecimentos
privará a Psiquiatria do privilégio de participar da
elucidação dos mecanismos normais e patológicos deo
funcionamento cerebral, e colocará o psiquiatra na
posição de consumidor passivo do conhecimento
gerado pelos neurocientistas.
• Você possui olhos, membros, coração,
fígado, pulmões, rins, ossos...
• Você é o seu cérebro!
Jeffrey Kluger: A User`s Guide to the Brain.
Time Magazine, 2007