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Imunização: a chave para o controle da cinomose na população canina
Aline Santana da Hora 1, Paulo Eduardo Brandão
2
1. Introdução
O vírus da cinomose canina (VCC) é um patógeno de grande importância
para cães há a milhares de anos (DEEM et al., 2000), causando elevada
morbidade e mortalidade naqueles não vacinados por todo o mundo. A
prevalência da doença é alta em cães e emergente em animais silvestres
suscetíveis. No Brasil a cinomose é endêmica e pode representar 6% de todas as
ocorrências clínicas e até 11% dos óbitos de cães (NEGRÃO et al., 2006).
Manifestações sistêmicas graves, como o comprometimento dos sistemas
respiratório, gastroentérico e nervoso são observadas no curso da doença, que
muitas vezes é fatal. Não há tratamento específico contra o VCC e aqueles cães
que
sobrevivem
à
doença
permanecem
com
sequelas,
geralmente
em
decorrência do acometimento do sistema nervoso central (SNC) (GREENE;
APPEL, 2006). Nos anos 50, houve uma diminuição acentuada na incidência da
cinomose em cães com o advento da vacinação contra o VCC (CHAPPUIS, 1995).
Contudo, estima-se que nos países desenvolvidos apenas 30% a 50% dos
1
D.V.M., MSc., Doutoranda do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal
(VPS), Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), Universidade de São Paulo.
2
D.V.M., MSc., PhD, Professor Doutor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e
Saúde Animal (VPS), Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), Universidade de São
Paulo.
1
animais
de
companhia
sejam
vacinados
e
que
este
percentual
é
significantemente menor nos países em desenvolvimento (DAY; HORZINEK;
SCHULTZ, 2010). Dada a importância da imunização de cães contra a cinomose
como principal medida profilática, este trabalho tem por objetivo enfatizar tal
prática como a forma mais eficaz de prevenção e controle da infecção pelo VCC.
2. Cinomose, o agente etiológico e a doença
Segundo
a
classificação
mais
recente
do
Comitê
Internacional
de
Taxonomia dos Vírus (ICTV), o vírus da cinomose canina (VCC) pertence à ordem
Mononegavirales, família Paramyxoviridae, subfamília Paramyxovirinae e gênero
Morbillivirus. O agente etiológico da cinomose é um vírion envelopado (Fig.1) que
apresenta um genoma RNA de fita simples, não segmentado e de polaridade
negativa, o qual codifica a proteína de matriz (M), duas glicoproteínas [F (fusão)
e
H
(hemaglutinina)],
duas
proteínas
associadas
à
transcriptase
[P
(fosfoproteína) e L (proteína grande)] e a nucleoproteína (N) que envolve o RNA
viral (FAUQUET et al., 2005). As glicoproteínas F e H, localizadas no envelope
lipídico, apresentam importantes epítopos imunodominantes e são os principais
alvos da resposta imune do hospedeiro (SIMON-MARTINEZ et al., 2008).
2
Figura 1 - Representação esquemática do vírus da cinomose canina
Assim como outros vírus envelopados, o VCC não sobrevive no meio
ambiente por longos períodos. Em tecidos excisados ou secreções permanece
infectante por 1 hora a 37C e por 3 horas a 20C. Em ambientes mais frios (40C) sobrevive por semanas (DEEM et al., 2000; GREENE; APPEL, 2006).
Adicionalmente, as práticas rotineiras de limpeza e desinfecção imediatamente
eliminam a infectividade do vírus (MARTELLA; ELIA; BUONAVOGLIA, 2008).
Contudo, o vírus é altamente contagioso e a transmissão ocorre principalmente
por meio do contato direto entre os animais ou por contato indireto pela
exposição aos aerossóis infectantes. A eficiência desta forma de transmissão
decorre dos altos títulos de partículas virais encontrados nas secreções e
excreções de animais infectados (ELIA et al., 2006; GREENE; APPEL, 2006).
Estima-se que de 25% a 75% dos cães suscetíveis apresentam infecção
assintomática, disseminando o vírus no ambiente sem demonstrar nenhuma
3
alteração física (GREENE; APPEL, 2006). Os cães mais susceptíveis são aqueles
com idade correlacionada à diminuição da imunidade adquirida maternalmente
(de 3 a 6 meses de idade), pois a maioria dos cães adultos possui imunidade
adquirida pela vacinação (MARTELLA; ELIA; BUONAVOGLIA, 2008).
O período de incubação da doença varia de 1 a 4 semanas ou mais. Picos
transitórios de febre ocorrem entre 3 a 6 dias pós-infecção e estão associados à
fase inicial de disseminação viral pelo organismo. Perda de apetite, depressão
leve, secreção nasal e ocular e tonsilite são as manifestações clínicas que podem
estar presentes. Nesta fase, a progressão ou não da doença e a gravidade dos
sinais irão depender da virulência da cepa, da idade do animal e da efetividade
do seu sistema imune. Nos casos em que há forte resposta do sistema imune, o
vírus é eliminado dos tecidos e o cão se recupera completamente da infecção.
Entretanto, nos casos de fraca resposta imune, o vírus alcança os tecidos
epiteliais
e
o
SNC,
levando
ao
aparecimento
de
manifestações
clínicas
relacionadas a estes sistemas orgânicos. Como resultado da localização epitelial,
sinais respiratórios, intestinais e dermatológicos ocorrem 10 dias após a infecção.
Muitas vezes, as manifestações clínicas estão exacerbadas com resultado de
infecções
bacterianas
secundárias.
A
presença
do
vírus
no
SNC
causa
desmielinização aguda ocasionando morte em 2 a 4 semanas após a infecção na
maioria dos cães (APPEL; MENDELSON; HALL, 1984; GREENE; APPEL, 2006).
4
O tratamento da cinomose consiste na terapia de suporte e administração
de antibióticos para prevenir infecções bacterianas secundárias, as quais são
frequentes em animais imunossuprimidos (GREENE; APPEL, 2006; MARTELLA;
ELIA; BUONAVOGLIA, 2008).
3. O impacto da cinomose e da sua prevenção sobre a população de
animais silvestres
Além de canídeos silvestres, epizootias do VCC são observadas em
hospedeiros atípicos, como leões e focas. A introdução de infecções, como pelo
vírus da raiva ou da cinomose, por cães domésticos pode levar ao risco de
extinção as populações de animais silvestres suscetíveis (CLEAVELAND et al.,
2006).
A cinomose já foi diagnosticada em espécies silvestres que ocorrem no
Brasil, como quati (Nasuanasua), jurupás (Potos flavus), lobo-guará (Chrysocyon
brachiurus), raposinha (Lycalopex vetulus), cachorro-do-mato (Cerdocyon thous)
e cachorro-vinagre (Speothos venaticus) (FILONI, 2007; MEGID et al., 2009;
MEGID et al., 2010). No Quadro 1, observa-se a ampla diversidade de animais
silvestres suscetíveis ao VCC (APPEL et al., 1991; APPEL et al., 1994; APPEL;
SUMMERS, 1995; CUBAS, 1996; HAAS et al., 1996; ROELKE-PARKER et al.,
1996; DEEM et al., 2000; WILLIAMS, 2001; VAN DE BILDT et al., 2002).
5
Quadro 1 - Animais silvestres terrestres suscetíveis ao vírus da cinomose canina.
Famílias suscetíveis
Canidae
Mustelidae
Hyaenidae
Procyonidae
Ursidae
Felidae
Viverridae
Tayassuidae
Myrmecophagidae
Hospedeiros naturais
Cão selvagem da Austrália, da África, raposa, coiote,
lobo, chacal, lobo-guará, cachorro vinagre, cachorro-domato, raposinha, dingo, lobo-etíope, hiena, guaxinim
europeu
Furão, doninha, marta, jaritataca, texugo, lontra, vison,
arminho
Hiena
Guaxinim, quati, panda vermelho, jupará
Urso marrom, urso negro, urso-de-óculos, panda
gigante
Leão, leopardo, tigre, guepardo, suçuarana, gatomaracajá, leopardo-das-neves
Civeta, binturong
Cateto
Tamanduá
Recentemente, em alguns países, campanhas de imunização em massa
foram utilizadas para o manejo conservacional de carnívoros selvagens e,
também, com a finalidade de prevenir a transmissão do vírus da raiva e da
cinomose aos cães (CLEAVELAND et al., 2006).
4. A história das vacinas: da variolação à imunização, lições para o futuro
A variolação foi o primeiro método utilizado para controlar a varíola; o
vírus, isolado de pústulas de indivíduos infectados era administrado por
insuflação ou escarificação em pessoas não-imunes. A variolação foi realizada por
séculos na China e na Índia, antes de ser introduzida no oeste europeu em 1723,
6
e foi a única forma de proteção contra a varíola até a vacinação ser introduzida,
em 1796, por Edward Jenner (LOMBARD; PASTORET; MOULIN, 2007; ALCAMI;
MOSS, 2010).
Jenner foi um médico inglês que buscou uma alternativa para a variolação.
Ao observar pessoas que trabalhavam com gado leiteiro apresentavam infecção
localizada nas mãos pelo vírus da varíola bovina, notou que as mesmas
tornavam-se protegidas contra a varíola humana. A partir desta observação,
Jenner coletou amostras das lesões de uma mulher que trabalhava na ordenha e
vacinou uma criança com este material. Em seguida, a criança foi desafiada e
resistiu à infecção, iniciando a era da vacinação. A prática da vacinação
rapidamente tomou o lugar da variolação, por ser mais segura (ALCAMI; MOSS,
2010).
Em 1980, a varíola foi declarada como erradicada (Fig. 2), como resultado
do Programa Global de Erradicação da Varíola da Organização Mundial de Saúde,
o qual teve início em 1959 (ALCAMI; MOSS, 2010). A varíola foi a única doença
humana erradicada como resultado de uma campanha global de vacinação e este
feito permanece como um dos maiores triunfos da medicina (SMITH; MCFADDEN,
2002). Além disso, é considerado como uma inspiração para o desenvolvimento
de biológicos e programas para a imunização contra várias doenças em humanos
e animais (MCVEY; SHI, 2010).
7
Figura 2 - Capa da revista da Organização Mundial da Saúde,
edição de maio de 1980, que trazia informações sobre a
erradicação da varíola.
Disponível na internet:
http://www.nlm.nih.gov/exhibition/smallpox/sp_success.html
Na segunda metade do século XIX, Louis Pasteur, Robert Koch e Joseph
Lister contribuíram para o desenvolvimento de vacinas para outras doenças com
a teoria da existência de microrganismos. Em 1881, Pasteur foi o primeiro a usar
o termo vacina para imunógenos direcionados a outras doenças além da varíola.
Adicionalmente, ele descobriu a possibilidade de modificar artificialmente a
virulência de um agente infeccioso, tornando-o atenuado ou inativado. Os
estudos iniciais que levaram aos conceitos de inativação química de patógenos
foram conduzidos com a Pasteurella multocida, agente etiológico da cólera
aviária, e anthrax. O grupo de pesquisa liderado por Pasteur também avaliou a
passagem do vírus da raiva em macacos e coelhos, e do bacilo Erysipelothrix
rhusiopathiae em pombos, como métodos para reduzir a virulência destes
patógenos (BAZIN, 2003; MCVEY; SHI, 2010). Com Émile Roux, Charles
Chamberland e Louis Thuillier, Pasteur desenvolveu uma vacina atenuada eficaz
contra a raiva nos cães e, em 1885, aplicou-a pela primeira vez em um ser
8
humano – o menino Joseph Meister, atacado por um cão raivoso. Meister
sobreviveu e o conceito de Pasteur sobre vacinação tornou-se mundialmente
aceito. Este trabalho iniciou um método de produção de vacinas baseado no uso
de tecido nervoso de animais infectados, o qual continuou a ser usado até a
primeira metade do século XX, com modificações para melhorar a inativação
viral. Atualmente, as vacinas antirrábicas para a imunização de animais e
humanos são produzidas em cultivos celulares (ARVIN; CHEN, 2009).
Após a II Guerra Mundial, seguido por avanços na produção das vacinas,
iniciaram-se programas de controle da raiva canina em larga escala como forma
de prevenir a raiva humana por meio de campanhas de vacinação. Em
decorrência destes esforços, no final dos anos 70 a raiva canina foi controlada
nos EUA. Com o uso de programas semelhantes, a Europa também obteve o
status de raiva canina controlada
(VELASCO-VILLA et al., 2008; WANDELER,
2008; BLANTON; PALMER; RUPPRECHT, 2010).
Atualmente, membros de centros referência em pesquisa sobre raiva e de
centros que
colaboram com a OMS estão
trabalhando
ativamente
para
desenvolver estratégias multidisciplinares especificas, as quais promovem muitas
das coligações atualmente existentes comprometidas com o controle da raiva,
principalmente na África (GLOBAL ALLIANCE FOR RABIES CONTROL, 2011).
No Brasil, os casos de raiva humana decorrentes do contato com cães
raivosos vêm diminuindo graças à cobertura vacinal de cães e gatos e a vigilância
9
epidemiológica. No ano de 2009, a cobertura vacinal canina foi de 81% segundo
os
dados
parciais
da
Secretaria
de
Vigilância
em
Saúde
(SVS).
Como
consequência, houve uma diminuição dos casos de raiva canina e humana (Fig.
3), em comparação com dados referentes aos anos anteriores (SVS, 2010).
Figura 3 - Casos humanos transmitidos por cães, casos de raiva canina e cobertura
vacinal antirrábica canina no Brasil, 2000 a 2009 (dados parciais ano 2009) - SVS, 2010
Além da erradicação da varíola e do controle da raiva canina, reduções
drásticas de outras doenças infecciosas como a poliomielite, difteria, tétano,
coqueluche, sarampo, caxumba e rubéola comprovam o fato de que a vacinação
é a estratégia mais factível e efetiva para prevenir, controlar e erradicar as
doenças infecciosas (ANDRE, 2003).
10
5. Tipos de vacinas contra a cinomose
Atualmente, para a imunização de cães contra a cinomose, a maioria das
vacinas comercializadas é composta por vírus vivos modificados (VVM).
Geralmente, estes imunobiológicos contêm as cepas Rockborn, Snyder Hill,
Onderstepoort, Lederle ou outras, com títulos virais variados. Apesar de existirem
muitos biótipos do VCC, os quais podem causar sinais clínicos variáveis em
muitas espécies, a diferença sorológica entre os isolados é insignificante e a
proteção heteróloga é induzida. A vacinação com qualquer uma das cepas
confere imunidade protetora contra qualquer biótipo (DAY; HORZINEK; SCHULTZ,
2010).
Reações adversas decorrentes da vacinação com VVM são descritas,
incluindo encefalites com corpúsculos de inclusão (KRAKOWKA et al., 1982;
CORNWELL et al., 1988; HIRAYAMA et al., 1991). Algumas cepas vacinais do VCC
podem ser patogênicas para animais selvagens (DURCHFELD et al., 1990) ou
quando administradas em conjunto com adenovírus canino tipo I (CORNWELL et
al., 1988; MCCANDLISH et al., 1992).
As vacinas inativadas não estão disponíveis comercialmente, não são
efetivas e não devem ser utilizadas na imunização contra a cinomose (DAY;
HORZINEK; SCHULTZ, 2010).
Graças à revolução da biologia molecular, iniciada na década de 50 com os
estudos de James Watson e Francis Crick, técnicas moleculares modernas são
11
usadas atualmente para o desenvolvimento de novos tipos de vacinas (Quadro
2).
Quadro 2 - Classificação segundo o Departamento de Agricultura dos EUA dos
imunobiológicos produzidos por engenharia genética e disponíveis para o uso em
Medicina Veterinária*
Categoria Descrição
I
Vacinas que contêm organismos recombinantes inativados ou antígenos
purificados derivados de organismos recombinantes
II
Vacinas contendo organismos vivos que contem deleções genomicas ou
genes heterólogos marcados
III
Vacinas que contém vetores vivos que expressam genes heterólogos para
antígenos imunogênicos
*Adaptado de TIZARD (2009).
No Brasil e em outros países, a tecnologia da vacina recombinante contra
a cinomose é produzida apenas pelo laboratório Merial Saúde Animal. No
mercado brasileiro são comercializadas como vacinas multivalentes, com os
nomes de Recombitek® C4/CV e Recombitek® C6/CV. Consideradas como grande
inovação
tecnológica,
as
vacinas
recombinantes
são
organismos
híbridos
resultantes de trocas de material genético in vitro, apresentando um imenso
potencial de conferirem um DNA imunogênico e seguro ao animal hospedeiro.
A
Recombitek®
Cinomose
utiliza
porções
genômicas
que
codificam
proteínas imunogênicas (H e F) do vírus da cinomose inserida em vetor
avirulento (Fig.4). O vetor utilizado é o vírus da varíola dos canários (canaripox)
12
e é particularmente, um vetor único quanto à segurança e eficácia (POULET et
al., 2007).
Figura 4 - Representação esquemática da produção da vacina Recombitek®.
Após a vacinação, o poxvírus penetra nas células do animal vacinado,
ocasionando a síntese e a expressão das proteínas específicas do vírus da
cinomose, desencadeando a estimulação da imunidade humoral e celular
(TIZARD, 2009), sem causar a infecção pelo vírus da cinomose que pode ocorrer
com o uso de vacinas de VVM (GREENE; SCHULTZ, 2006).
O uso do poxvírus como um vetor iniciou-se com o desenvolvimento da
vacina Raboral V-RG®, também do laboratório Merial Saúde Animal, para a
13
imunização contra o vírus da raiva para animais selvagens (BLANCOU et al.,
1986). Esta vacina contribuiu para a erradicação da raiva em determinados
animais selvagens de alguns países da Europa, e é usada para o controle da raiva
em guaxinins e coiotes na América do Norte (MACKOWIAK et al., 1999).
Atualmente, várias vacinas que utilizam como vetor o canaripox são licenciadas
para o uso em cães, gatos, furões e cavalos (POULET et al., 2007).
6. Imunização para a prevenção da cinomose canina
Segundo o último Guia de Vacinação Canina da World Small Animal
Veterinary Association (WSAVA), a vacina que protege contra a cinomose é
considerada essencial para cães, assim como as vacinas contra o adenovírus
canino, o parvovírus canino tipo 2 e o vírus da raiva. As vacinas denominadas de
essenciais são aquelas que protegem os cães de doenças infecciosas graves,
associadas ao risco de morte e que possuem distribuição global (DAY;
HORZINEK; SCHULTZ, 2010). No Quadro 3, observa-se as recomendações para a
vacina da cinomose descritas no referido guia.
Quadro 3 - Guia de vacinação canina contra a cinomose, segundo recomendações da
WSAVA, 2010
Cães que vivem como
Cães em vivem em situações de
Fase
animais de companhia
abrigos de animais
14
 Filhotes  16 semanas: 1ª
dose a partir de 8-9
semanas de idade, então a
cada 3-4 semanas, até 1416 semanas de idade. Total
de 3 doses.
Primovacinação
 Adultos ≥ 16 semanas: 2
doses, com intervalo de 3-4
semanas, porém apenas é 1
dose é considerada
protetora.
Revacinação
 1 ano após a
primovacinação e então a
cada 3 anos.
 Filhotes  16 semanas: 1ª
dose antes ou no momento da
admissão ao abrigo, repetir
com intervalo de 2 semanas até
o cão atingir 16 semanas de
idade, caso permaneça no
abrigo. Idealmente, os filhotes
devem ser vacinados a partir
de 6 semanas de idade, porém
nestes casos, filhotes podem
ser vacinados a partir de 4
semanas.
 Adultos ≥ 16 semanas: 1ª
dose antes ou no momento da
admissão ao abrigo, repetir
com intervalo de 2 semanas.
 1 ano após a primovacinação.
Os filhotes permanecem protegidos pelos anticorpos maternos (AM) nas
primeiras semanas de vida. Em relação à cinomose, geralmente, os AM
permanecem, em média, por 9-12 semanas de vida do filhote (GILLESPIE et al.,
1958), e sua concentração sérica depende do título de anticorpos colostrais e da
quantidade de AM absorvidos após o nascimento (GREENE; SCHULTZ, 2006).
Caso o título de anticorpos neutralizantes adquiridos pelo colostro seja alto, estes
irão interferir na imunização ativa com vacinas do tipo VVM, ao passo que títulos
muito baixos deixam os filhotes expostos à infecção. Já a vacina Recombitek ®
15
Cinomose é capaz de produzir anticorpos em filhotes que possuem AM (PARDO et
al., 2007).
Um estudo conduzido por LARSON et al. (2006), avaliou o tempo de
resposta imune em cães imunizados com a Recombitek® ao mimetizar uma
situação de abrigo, ou seja, 4 horas após a vacinação os animais eram colocados
em uma sala com outros animais com cinomose. Os cães vacinados foram
observados por um período de 4 semanas e não desenvolveram nenhuma
manifestação clínica da cinomose. Tais informações ressaltam a importância da
vacinação de cães antes da entrada em abrigos, principalmente com vacinas que
promovem uma resposta imune protetora rápida.
Também foi demonstrado que a duração da imunidade contra a cinomose
após a vacinação com Recombitek® foi de 5 anos (LARSON; SCHULTZ, 2007;
DAY; HORZINEK; SCHULTZ, 2010).
Em áreas geográficas ou em instalações de isolamento, onde o VCC não é
endêmico em animais domésticos ou silvestres suscetíveis, as vacinas do tipo
VVM não devem ser utilizadas, pois o risco de introdução do vírus na população é
inaceitável. Nestes casos é indicado o uso das vacinas recombinantes (DAY;
HORZINEK; SCHULTZ, 2010).
A Recombitek® é proveniente das novas tecnologias vacinais e apresenta
algumas vantagens sobre as vacinas convencionais do tipo VMM (Quadro 3),
além daquelas já citadas previamente.
16
Quadro 3 - Comparação da vacina Recombitek® Cinomose com as vacinas vivas
modificadas
Recombitek® Cinomose
Vacinas Vivas Modificadas
O VCC inteiro não é usado neste tipo de O VCC atenuado pode se tornar
vacina, apenas parte do seu genoma
virulento no hospedeiro, produzindo
O vetor viral (canarypox) não se replica encefalite pós-vacinal
em células de mamíferos
Anticorpos maternos não interferem com Anticorpos maternos neutralizam o
a resposta imune induzida pela vacina
vírus vacinal, portanto interferem na
eficácia da resposta imune produzida
Indução rápida de imunidade
Indução rápida de imunidade
Alta capacidade de estimular a produção
de anticorpos em cães previamente
vacinados com vacinas VVM ou com vacina
recombinante
Longa duração da imunidade (3 anos)
Longa duração da imunidade (3 anos)
Confere elevada proteção da doença Confere elevada proteção da doença
(≥98%)
(≥98%)
Segura para mamíferos silvestres
Fatal para raposa cinza, pandavermelho, furões, guepardo, tigres,
pumas, leopardos e raposas da Ilha de
Santa Catalina
Não causa imunossupressão em filhotes
Causa imunossupressão em filhotes
Não usa adjuvantes, menor reação Contem adjuvantes
inflamatória no local da aplicação
Pode ser usada em filhotes com menos de Não pode ser usada em filhotes com
4 semanas de idade
menos de 4 semanas de idade
7. Perspectivas para a eliminação da cinomose na população canina com
vacinas
No Brasil, dados da indústria apontam que apenas 7 milhões de cães são
vacinados anualmente contra a cinomose, numa população estimada em 30
17
milhões. Desde 2009, a Merial se uniu com a WSPA Brasil - Sociedade Mundial de
Proteção Animal para acabar com a cinomose no Brasil (Fig. 5). Durante os
meses de abril e maio de cada ano, 5% das doses vendidas da vacina
Recombitek® foram doadas à WSPA para uso por suas organizações afiliadas
espalhadas pelo país. A campanha “Cinomose aqui não” arrecadou no primeiro
ano mais de 6.000 doses, seguidas por mais de 5.500 doses no ano seguinte e
neste ano mais de 7.500 doses (MERIAL, 2011).
Na campanha de 2011, com o objetivo de conscientizar os donos de cães
sobre a necessidade da vacinação contra Cinomose, a Merial organizou uma
passeata virtual contra a doença, que percorreu todos os Estados brasileiros
durante os dois meses de campanha.
Fig. 5 - Um dos materiais promocionais da campanha “Cinomose aqui não” do ano de
2011.
Nos países em que a cinomose é endêmica, como no Brasil, milhares de
cães morrem todos os anos, e este cenário só poderá ser mudado quando houver
um considerável investimento contínuo em campanhas de vacinações por parte
18
de empresas produtoras de vacinas e da classe médica veterinária, além da
conscientização de proprietários da importância de tal mobilização.
Seguindo o exemplo do que ocorreu no passado, o passo dado pela Merial é
muito significativo para a erradicação da doença, pelo investimento em
biotecnologia e pelo comprometimento da empresa com o bem-estar animal e
pela consciência de que a cada ano os esforços deverão ser intensificados para se
atingir um número maior de cães imunizados contra a cinomose, reduzindo as
chances de epizootias da doença.
Referências
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