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A importância do conhecimento do genoma para a produção de aves Mônica Corrêa Ledur1, Kátia Nones2, Helena Javiel Alves2 e Giovani Rota Bertani1 1 2 Embrapa Suínos e Aves, Caixa Postal 21, 89700-000, Concórdia – SC, Brasil email: [email protected] Departamento de Zootecnia – ESALQ/USP, Piracicaba – SP, Brasil Introdução Nas últimas décadas a avicultura tem se tornado altamente tecnificada e ocupa lugar de destaque dentro da agropecuária brasileira e mundial, alcançando altos índices de desempenho na produção de carne e ovos. As características de produção, tanto de aves de corte como de postura, tiveram um crescimento enorme no século passado. A produção de ovos aumentou cerca de 3 vezes nas últimas décadas e o tempo necessário para que frangos de corte atinjam peso de abate (1,5 kg) diminuiu cerca de 4 vezes (Burt, 2002). O melhoramento tradicional, baseado na teoria da genética quantitativa, tem assegurado ganho genético contínuo na maioria das características de interesse econômico em aves. A maior parte do progresso genético obtido tem sido decorrente da seleção baseada no fenótipo do animal ou na estimativa do valor genético aditivo derivado do fenótipo. Essa seleção é realizada sem o conhecimento do número e do efeito dos genes que atuam nas características de interesse (Dekkers, 1999). Associadas às melhorias obtidas pelo melhoramento tradicional, surgiram características correlacionadas indesejáveis, como o aumento de doenças metabólicas, carne de baixa qualidade (PSE - pálida, flácida e exsudativa), redução da fertilidade, queda na resposta vacinal e redução da resistência a doenças infecciosas em aves de corte e aumento da incidência de osteoporose e problemas na qualidade da casca do ovo em poedeiras (Burt, 2002). A genética molecular poderá ser utilizada para melhorar estas características e outras de interesse econômico sem prejudicar os ganhos já obtidos nas características de produção. Com o desenvolvimento da biotecnologia, várias metodologias poderão ser utilizadas para elucidar o controle genético de características complexas, como é o caso das características de produção e as relacionadas à resistência a doenças. Essas metodologias possibilitam a identificação de regiões cromossômicas associadas a QTLs (quantitative trait loci - loci que controlam características quantitativas) e mutações funcionais (que causam alteração na expressão do gene). A genética molecular poderá ser utilizada como complemento em programas de melhoramento, através da seleção assistida por marcadores (MAS), visando eliminar algumas limitações da seleção baseada no fenótipo. A seleção diretamente pelo genótipo resultará em uma seleção mais acurada ou precoce ou ainda de mais baixo custo (Dekkers e Hospital, 2002), dependendo da característica em questão. O uso de ferramentas moleculares possibilitará a identificação de genes que controlam características de importância econômica auxiliando e acelerando programas de melhoramento animal, principalmente para características difíceis de serem medidas, de alto custo de avaliação, de baixa herdabilidade ou limitadas pelo sexo. O objetivo deste trabalho é descrever os avanços obtidos nas pesquisas em genômica de aves e suas implicações no melhoramento das características de produção. Importância do estudo do genoma O termo genoma é utilizado para designar toda a informação genética de um organismo. O estudo do genoma visa o conhecimento amplo da estrutura e função dos genes. Paralelamente aos estudos do genoma humano, busca-se o conhecimento do genoma de espécies modelo como drosophila, levedura, camundongo e rato que servem para estudos comparativos entre espécies. O estudo do genoma de plantas e animais domésticos é incentivado pela possibilidade de aplicação desse conhecimento para finalidades econômicas na agricultura, no entanto, também pode ser de grande valia para as ciências biomédicas. A análise do genoma de aves, suínos, bovinos e ovinos facilitará a dissecação da arquitetura genética das características poligênicas como ganho de peso, eficiência alimentar, balanço energético, fertilidade e resistência a doenças. Essas informações levarão ao melhor entendimento da base genética da variação fenotípica entre e dentro de espécies, que para a produção animal, abrirá novos rumos para a melhoria e evolução das características de interesse econômico (Bouchez e Hofte, 1998; Delneri et al., 2001; Fields et al., 1999; Georges e Andersson, 1996; Jacob, 1999; Lander e Weinberg, 2000; McKusick, 1997; Woychik et al., 1998 e Andersson e Georges, 2004). Mapeamento genômico De acordo com Burt (2002), existem 4 áreas de interesse na genômica de aves: 1) Identificação e mapeamento de marcadores genéticos; 2) Mapeamento de QTL; 3) Identificação de genes candidatos e 4) Descoberta de genes. A partir dos mapas de ligação de 3 populações (Compton, East Lansing e Wageningen), Groenen et al. (2000) criaram um mapa consenso do genoma da galinha, apresentando um total de 1889 loci distribuídos em 3800 cM, que foi posteriormente atualizado por Schmid et al. (2000). Atualmente (22/04/2004) existem 2522 loci no mapa de ligação da galinha incluindo 757 genes identificados (ARKdb:http://www.thearkdb.org/; Hu et al., 2001). Este mapa, rico em informações sobre marcadores, é imprescindível para o mapeamento de QTL em populações de aves. Os próximos passos serão a descoberta de novos marcadores para adensar ainda mais este mapa e a busca por genes ou mutações nas regiões já associadas a QTLs que possam explicar a variação fenotípica determinada por estes QTLs. Entendendo como esses genes funcionam e como influenciam as características econômicas será possível buscar novos direcionamentos para melhorar o desempenho e a qualidade do produto final. Uma primeira versão do seqüenciamento do genoma de galinha foi divulgada em 1º de março de 2004 pela Washington University Genome Sequencing Center e o National Human Genome Research Institute nos Estados Unidos. A galinha foi o primeiro animal doméstico a ter seu genoma seqüenciado quase que na sua totalidade. A seqüência derivou de uma única fêmea da raça Red Jungle Fowl, que é a ancestral selvagem da galinha doméstica. Correções nesta versão serão incorporadas na seqüência do genoma na medida em que mais informações forem geradas. Esta seqüência será ainda complementada com o seqüenciamento do genoma de 3 raças de galinhas domésticas que vem sendo realizado pelo Beijing Genomics Institute, na China. A comparação das seqüências dessas 3 raças com a da Red Jungle Fowl e entre elas tem gerado uma coleção muito grande de polimorfismos genéticos, na sua maioria SNPs (polimorfismos de um único nucleotídeo). Esses dados serão bastante úteis em futuros estudos de QTL e possivelmente na compreensão da base genética da domesticação e seleção da galinha moderna (Poultry Genome Newsletter; no. 2, Abril de 2004). Esses esforços irão prover o geneticista de uma lista quase completa de todas as seqüências codificadoras, suas localizações cromossômicas, inúmeros marcadores genéticos e a possibilidade de gerar arranjos de genes para análises de expressão altamente informativas (Andersson e Georges, 2004). Estudos de mapeamento comparativo com outras espécies irão auxiliar a procura por genes importantes e potencialmente úteis em aves. Estratégias para desvendar o genoma O mapeamento de QTL e estudos de expressão gênica são procedimentos utilizados para decifrar parte do controle genético de características de interesse econômico. A identificação de marcadores associados a QTLs pode ser feita através da varredura de todo o genoma, utilizando-se marcadores microssatélites (Andersson et al.,1994) ou através de estudos de genes candidatos (Short et al., 1997). Estudos de expressão gênica irão complementar esses achados, indicando genes que apresentam diferentes níveis de expressão e que possam conter a mutação causal que gera essa expressão diferenciada. Varredura genômica Esta estratégia utiliza principalmente marcadores microssatélites espalhados pelo genoma para identificar regiões que afetam características quantitativas. Quanto maior o número de marcadores utilizados na análise de ligação, maior será a resolução do mapeamento de QTL. A vantagem desse procedimento é que não exige conhecimento prévio dos genes envolvidos na expressão do fenótipo de interesse. Vários estudos de mapeamento de QTL em aves vêm sendo realizados nos últimos anos. Alguns deles já indicam regiões e marcadores comuns associados a QTLs. Isto é um ponto importante, pois para confirmar a existência de um QTL ele deve ser identificado em populações independentes (Spelman e Bovenhuis, 1998). Estas regiões quando confirmadas podem ser utilizadas em estudos visando encontrar qual gene está influenciando determinada característica. Três marcadores foram associados a QTL para peso corporal em mais de uma população. Van Kaam et al. (1999) encontraram ligação sugestiva entre o marcador LEI 71 e peso corporal aos 48 dias de idade no cromossomo 1. Este mesmo marcador foi associado a peso corporal a 13 e 16 semanas por Tatsuda e Fujinaka (2001) e a peso corporal aos 35, 41 e 42 dias por Nones et al. (2003). O marcador LEI 174 também foi associado a peso corporal por Tatsuda e Fujinaka (2001) e Nones et al. (2003) nas idades citadas anteriormente. Estes dois marcadores estão muito próximos ao gene IGF-I (Insulinlike Growth Factor I) já mapeado em galinhas e que está diretamente envolvido na regulação do crescimento. Ruy et al. (2003) e Kerje et al. (2003), estudando o cromossomo 3 em diferentes populações, associaram o marcador LEI 161 com peso corporal a 42 e 46 dias de idade, respectivamente. Van Kaam, et al. (1998), Sewalem et al. (2002), Tuiskula-Haavisto et al. (2002) e Baron et al. (2003) identificaram uma região do cromossomo 4 ligada a peso corporal das aves. Van Kaam et al. (1999) e Tuiskula-Haavisto et al. (2002) identificaram outra região neste cromossomo associada ao consumo de ração. McElroy et al. (2002), Ikeobi et al. (2002) e Jennen et al. (2004) encontraram QTLs para peso e porcentagem da gordura abdominal nos cromossomos 1, 4, 5, 13 e 15, utilizando marcadores diferentes, indicando que nestas regiões existem genes que influenciam a deposição de gordura em aves. A região do cromossomo 1 de galinhas em que foram mapeados estes QTLs para deposição de gordura mostra alta sintenia com partes dos cromossomos 12 e 22 de humanos (Schmid et al. 2000). Jennen et al. (2004) sugerem como potenciais genes candidatos por posição no cromossomo 1 os genes: PPARA (Peroxisome Proliferative Actived Receptor-α), IGF-I, HMGIC (High Mobility Group I-C), LDHB (Lactate Desidrogenase B) e GAPD (Gliceraldeído-3-fosfato Dehydrogenase). Estudos em humanos e camundongos indicaram o importante papel da proteína PPARA na homeostase de lipídeos e proteção contra obesidade. Em raças chinesas um SNP foi detectado no gene PPARA, onde aves BB apresentaram maior peso de gordura abdominal do que aves com genótipos AA e AB (Meng et al. 2002). As proteínas IGF-I e HMGIC, além de estarem envolvidas diretamente na regulação do crescimento, têm papel importante na obesidade e deposição de gordura em humanos e camundongos. Segundo Jennen et al. (2004), as proteínas LDHB e GAPD catalisam reações na glicólise e gluconeogênese, vias intermediárias que são importantes no metabolismo da gordura, entretanto, ainda não há na literatura a associação desses genes com a deposição de gordura. Zhu et al. (2003) encontraram uma região no cromossomo 1 associada à produção de oocitos, relacionada à resistência a coccidiose. Esta foi previamente identificada por Yonash et al. (1999), associada a viremia em aves infectadas com o vírus da doença de Marek a um nível sugestivo com o mesmo marcador (LEI 101). Esses resultados sugerem que nesta região existem genes que regulam a resistência a algumas doenças em aves. No cromossomo 5, uma região ligada ao marcador ADL 298 foi associada a resposta imune a Salmonella enteritidis (Kaiser et al., 2002), sendo este marcador anteriormente associado com resposta imune e sobrevivência a E. coli (Yonash et al., 2001). Este mesmo marcador está próximo ao locus do gene SAL1, associado a resistência a Salmonella typhimurium por Mariani et al. (2001), sugerindo mais uma região contendo genes responsáveis por resistência à doenças. Siwek et al. (2003) mapearam QTL para resposta imune nos cromossomos 3, 15, 16 e 27. O QTL detectado no cromossomo 16 sugere associação com o complexo MHC (principal complexo de histocompatibilidade), também localizado neste cromossomo e que já é um gene candidato para resposta imune. Nos cromossomos 15 e 27 os QTLs mapeados foram associados aos genes da Igh e Igl (Immunoglobulin heavy and light genes) e TCR (T Cell Receptor Gene). Outros QTLs foram descritos na literatura sugerindo várias outras regiões do genoma contendo genes com efeito sobre características de desempenho e resistência à doenças. Tuiskula-Haavisto et al. (2002) encontraram QTL nos cromossomos 2, 4, 8 e Z relacionados com qualidade do albúmen, idade ao primeiro ovo, peso do ovo e número de ovos. Rabie et al. (2002) encontraram QTL nos cromossomos 2, 4 e 6 para susceptibilidade a ascite e Yonash et al. (2001), no cromossomo 2, para resposta imune ao vírus de Newcastle. Buitenhuis et al. (2003a, b) mapearam QTL para resposta ao estresse e comportamento das poedeiras de bicar suas companheiras ou de receberem bicadas. Este comportamento é difícil de ser selecionado pelo melhoramento tradicional e vem recebendo atenção da Comunidade da União Européia de bem-estar animal. Apesar dos QTLs já mapeados em galinhas, ainda não há genes ou marcadores que estejam sendo utilizados em grande escala em programas de melhoramento. Segundo Burt (2002), vários QTLs estão sob investigação por empresas de genética avícola. De Koning et al. (2003) apresentaram o primeiro estudo realizado em uma população comercial de frangos de corte sem alterar o esquema de seleção da população. Os autores concentraram esforços em uma região do cromossomo 4 que já havia sido associada a QTL para peso corporal e consumo de ração em mais de uma população experimental e confirmaram QTLs para peso corporal, consumo de ração e peso do músculo da coxa. Estudos de genes candidatos Genes candidatos são genes envolvidos no desenvolvimento ou fisiologia de determinada característica. Depois de identificados na espécie de interesse, são seqüenciados para detectar polimorfismos que possam ser associados com a característica em questão. Se a mutação identificada no gene causa a variação fenotípica na característica de interesse, é possível a seleção direta para esta, não havendo a necessidade de dados da família. Este procedimento é limitado ao conjunto de genes conhecidos. Em aves, menos de 800 genes foram identificados até hoje. Com o seqüenciamento do genoma da galinha a tendência é o aumento do número de genes identificados, com suas funções e localizações conhecidas, permitindo maior sucesso desse procedimento na busca pela causa da variação fenotípica. Características de produção: mutações nos genes do hormônio do crescimento (GH) e seu receptor (GHR) foram associados com mudanças no peso corporal, gordura abdominal (Feng et al., 1997) e taxa de postura (Kuhnlein et al., 1997, 1998). Nagaraja et al. (2000) identificaram um marcador próximo ao gene IGF-I associado a diferenças no peso do ovo e espessura da casca. Um polimorfismo no gene MC3R (Melanocortin-3 Receptor) foi investigado em populações de aves e foi significativo para o peso corporal de machos e fêmeas e para gordura abdominal em machos (Jiang et al. 2002). Um polimorfismo do gene UCP (Uncoupling Protein) em aves também foi associado com deposição de gordura abdominal em um estudo conduzido com diferentes linhagens. Animais BB apresentaram significativamente menor percentagem e menor peso da gordura abdominal quando comparados a animais do genótipo AB e AA (Zhao et al. 2002). Em outra população, um SNP do gene IGF-II (Insulin-Like Growth Factor II) foi detectado em aves com efeito significativo associado ao crescimento e características de carcaça (Yan et al. 2002). Sourdioux et al. (1999) verificaram associação de polimorfismos de genes envolvidos no metabolismo de lipídios com variabilidade na deposição de gordura em perus. Li et al. (2002) encontraram associação significativa entre polimorfismos nos genes da família TGF-beta (Transforming Growth Factor-beta) com várias características de crescimento e desenvolvimento em galinhas. O gene MSTN (myostatin) está envolvido na regulação do crescimento muscular e vários polimorfismos foram identificados, com freqüências diferentes em distintas raças de galinhas (Gu et al. 2002). O gene PEPCK-C (Carboxikinase Fosfoenol Pivurato Citosólico) apresenta polimorfismos que afetam o consumo alimentar residual, que é uma medida de eficiência da utilização do alimento para manter o peso corporal e a produção de ovos (Parsanejad et al., 2003). O efeito deste gene sobre o consumo alimentar residual pode estar relacionado com o nível de digestão do alimento, absorção de nutrientes, ou ainda com diferenças na partição da energia do alimento para a manutenção corporal e produção de ovos. Resistência a doenças: o MHC das aves tem sido uma região do genoma investigada e altamente polimórfica (Nishibori et al. 2000; Iglesias et al 2003). Em uma população específica para estudos de resistência à Salmonella enteritidis (SE), diferentes genes candidatos foram investigados. Alelos dos genes do MHC da classe I, NRAMP1 (Natural Resistance-Associated Macrophage Protein 1), PSAP (prosaposin) e IAP1 (membro da família de proteínas inibidoras de apoptose) foram associados a colonização de salmonelas no ceco e baço (Lamont et al. 2002). Polimorfismos nos genes TLR4, CD28 (T-Cell Specific Surface Protein) e MD-2 também foram identificados nessa população e apresentaram efeito significativo na resposta a Salmonella enteritidis (Malek et al., 2004). Mutações do gene NRAMP1 foram anteriormente associadas com susceptibilidade a salmonelas (Hu et al, 1997). Outro estudo também confirmou o envolvimento do NRAMP1 na resistência à SE (Girard-Santosuosso et al. 2002). O MHC de classe I foi estudado como gene candidato para a resistência a infecção por SE em uma linhagem de frangos não endogâmica e em quatro linhagens endogâmicas. Foi observado que um polimorfismo do MHC de classe I domínio alfa(2), definido como uma substituição de uma lisina por uma metionina na posição 148, estava associado a carga bacteriana encontrada no baço após o desafio dos animais com SE, sugerindo que certos haplótipos do MHC podem contribuir com o controle da resposta a SE, podendo um determinado polimorfismo ser utilizado como marcador genético para esta característica (Liu et al. 2002). Além do MHC, outras regiões são importantes na resistência à doenças. O gene TLR4, localizado no microcromossomo E41W47, está associado à resistência a infecção por Salmonella enterica sorotipo Thyphimurium (Leveque et al. 2003). O gene PEPCK-M (Carboxikinase Fosfoenol Pivurato Mitocondrial) apresenta polimorfismos que estão associados a linhagens resistentes e susceptíveis a manifestação da doença de Marek (Li et al. 1998). Outros 6 genes relacionados com a imunidade foram selecionados para determinar a associação de seus polimorfismos com a produção de anticorpos (Zhou e Lamont, 2003), sendo que 5 deles apresentaram associação significativa com características de resposta imune. Esses SNPs poderão servir como marcadores genéticos para melhorar a capacidade imune humoral das aves. Estudos de expressão gênica Os avanços na genética molecular, incluindo clonagem e seqüenciamento de DNA e transgênese têm aberto novas perspectivas para elucidar a relação entre os genes e seus fenótipos correspondentes. Essas tecnologias podem ser utilizadas para o estudo dos mecanismos moleculares envolvidos em processos biológicos importantes como a identificação e caracterização de genes ligados à formação da musculatura esquelética e deposição de massa muscular; identificação de genes candidatos para suscetibilidade e resistência à doenças, entre outros. Dentro deste contexto podemos citar as técnicas de hibridização in situ, RT-PCR em tempo real, northern blot e também aquelas utilizadas para a análise da expressão de muitos genes simultaneamente como macroarranjos e análise serial de expressão gênica (SAGE). Hibrização in situ: a detecção in situ de seqüências de ácidos nucléicos em tecidos (exemplo: cromossomos, mRNA) permite a visualização direta da localização espacial de seqüências específicas, o que é crucial para a elucidação da organização e função dos genes (Wilkinson, 1999). Esta técnica é baseada na detecção de pequenos segmentos de DNA ou RNA a partir de "sondas" específicas que são seqüências de nucleotídeos complementares desenvolvidas a partir de segmentos conhecidos do DNA ou RNA que se deseja identificar. Para visualizar a reação entre as moléculas de DNA ou RNA em estudo e as sondas, estas são previamente marcadas com substâncias como biotina ou digoxigenina, podendo utilizar-se também de material radioativo se necessário. Os métodos de hibridização in situ têm sido bastante utilizados em inúmeras áreas, incluindo detecção de infecções virais e análise da expressão de genes durante o desenvolvimento embrionário como MyoD, envolvido na formação da musculatura esquelética (Alves et al., 2003) e fatores de crescimento como FGF - Fibroblast Growth Factor (Trueb et al, 2003). PCR Quantitativo em tempo real: o método de PCR quantitativo em tempo real é muito sensível e pode ser usado quando é necessário quantificar a expressão de RNAs mensageiros em baixos níveis. Esse procedimento permite a detecção direta dos produtos da PCR durante a fase exponencial da reação, combinando amplificação e detecção em um só passo. O princípio da técnica de PCR em tempo real leva em consideração duas descobertas importantes: a primeira é a atividade exonuclease 5’´3’da enzima Taq DNA polimerase e a segunda é a construção de sondas de oligonucletídeos marcadas duplamente. Essas sondas são baseadas no princípio FRET (do inglês, Fluorescence Resonance Energy Transfer) e emitem sinal de fluorescência somente quando clivadas. Com o objetivo de detectar o sinal de fluorescência durante as reações foram desenvolvidas várias químicas. Em PCR em tempo real utilizando sondas TaqMan, a sonda, específica para o gene de interesse, é marcada duplamente com um corante repórter em uma extremidade e um corante “silenciador” na outra. Na forma livre, a transferência de energia fluorescente ocorre de forma que a emissão pelo repórter é absorvida pelo silenciador. Quando ocorre a degradação da sonda pela atividade nuclease da enzima Taq DNA polimerase, durante a PCR, os corantes repórter e silenciador são separados e a emissão de fluorescência do repórter não será mais absorvida pelo silenciador resultando em um aumento de emissão de fluorescência pelo repórter que será detectada e quantificada. Recentemente, outros sistemas sofisticados têm sido desenvolvidos como molecular beacons, scorpions e sondas para hibridização. Esses sistemas são baseados no princípio FRET, porém sem a necessidade de hidrólise por atividade nuclease. Outra forma de detecção é a utilização de corantes como SYBR Green que se liga ao DNA dupla fita emitindo fluorescência. O uso desse método de detecção tem sido bastante empregado em ensaios de PCR quantitativo em tempo real, com a vantagem de ser mais barato em relação a construção de sondas marcadas. Um aspecto importante no uso de SYBR Green é que os primers específicos utilizados na reação de PCR devem ser desenhados cuidadosamente para evitar a amplificação de produtos inespecíficos e formação de dímeros, uma vez que esse corante se liga a qualquer DNA dupla fita. Usando qualquer uma das químicas desenvolvidas, o aumento na emissão de fluorescência pode ser lido por um detector em tempo real, durante a reação de PCR e é uma conseqüência direta da amplificação da seqüência de DNA de interesse (Giulietti et al, 2001). Utilizando essa técnica, Guernec et al. (2003, 2004) estudaram o perfil de expressão de miostatina (importante inibidor da miogênese) e IGF I em aves selecionadas para alto rendimento de carne de peito. Northern blot: essa técnica permite a detecção de seqüências de RNA (RNA total ou mensageiro) específicas. O RNA é submetido à eletroforese em gel de agarose seguido por transferência por capilaridade para uma membrana e posterior hibridização com sondas específicas. Pode ser utilizada para estudar o padrão temporal de expressão de genes durante o desenvolvimento. Macroarranjos de DNA e análise serial de expressão gênica (SAGE): essas técnicas permitem a comparação simultânea da expressão de um grande número de genes. A identificação do conjunto de genes expressos por uma célula, tecido ou organismo numa determinada condição em relação ao conjunto de genes expressos em uma outra condição com a qual se quer comparar pode permitir a compreensão dos fatores responsáveis pelo genótipo diferencial. A técnica de macroarranjos de DNA emprega arranjos (arrays) que contém um grande número de genes roboticamente colocados em membranas. Essa técnica é bastante utilizada para a escolha de genes diferencialmente expressos para serem utilizados em análises de PCR em tempo real (Shena et al, 1995). Com a utilização desta metodologia, Cogburn et al. (2003) identificaram diversos genes diferencialmente expressos entre linhagens comerciais e linhagens com seleção divergente. A técnica de SAGE baseia-se no princípio de que seqüências curtas (9 pares de bases) são suficientes para identificar todos os transcritos presentes em um determinado tecido. O nível de expressão do transcrito pode ser quantificado pelo número de vezes que ele se repete na biblioteca. Essa técnica foi descrita em 1995 por Velculescu e colaboradores e tem sido bastante utilizada para comparar o perfil de expressão de vários genes simultaneamente. Dentro desse contexto, Long et al. (2003) analisaram o perfil de genes diferencialmente expressos em sêmen de perus estocado na forma líquida em relação ao recuperado de fêmeas após a inseminação. Uma vez que o sêmen estocado nos ductos das fêmeas permanece viável por até 45 dias após a inseminação, a informação obtida nesta análise pode ser utilizada para desenvolver métodos para estocagem do sêmen na forma líquida. Os resultados obtidos por meio desses procedimentos podem ser utilizados para intensificar a resposta em programas de melhoramento genético, pois geram informações sobre dois tipos de marcadores: mutações causais (marcadores diretos) e marcadores ligados a QTLs (marcadores indiretos). Mutações causais, que alteram a expressão de características de produção, são mais difíceis de serem encontradas e comprovadas. Por outro lado, polimorfismos não funcionais são abundantes no genoma e suas ligações com QTLs podem ser estabelecidas através de associações entre o genótipo do marcador e a característica fenotípica e posteriormente utilizadas na seleção assistida (Dekkers e Hospital, 2002). Implicações da genômica no melhoramento de aves Todas as informações geradas a partir de estudos genômicos serão essenciais para incorporação em programas que visem melhorar a produção e qualidade do produto final. As informações provenientes da genética molecular podem ser usadas para implementar estratégias de melhoramento através da seleção assistida por marcadores (MAS), que por sua vez pode ser utilizada em conjunto com a seleção fenotípica, na introgressão de determinada característica de uma população para outra, mantendo as características desejáveis da população receptora e também na predição do desempenho e heterose da progênie resultante de cruzamentos (Dekkers e Hospital, 2002). Existem 3 estratégias de seleção utilizando marcadores: 1) seleção somente para o marcador ou escore molecular, 2) seleção no escore molecular seguida de seleção fenotípica e 3) seleção combinada em um índice baseado no fenótipo e no escore molecular. Se dados moleculares e fenotípicos são disponíveis, a seleção combinada é a estratégia mais poderosa (Dekkers e Hospital, 2002). A seleção combinada visa dar pesos ótimos às informações moleculares e fenotípicas, de acordo com o tamanho do efeito explicado pelo QTL, com o objetivo de aumentar o ganho genético em longo prazo. A introgressão é uma estratégia de melhoramento genético utilizada quando se quer introduzir um gene ou um QTL específico de uma população com baixa produção (doadora) para outra de alta produtividade (receptora), que não apresenta aquele gene em particular. Os genes indesejáveis do genoma do doador devem ser excluídos o mais rápido possível do genoma do receptor. Esta estratégia envolve apenas retrocruzamento e seleção, mas marcadores moleculares podem melhorar a eficiência da introgressão pela identificação de portadores do gene de interesse e acelerando o processo de reconstituição da composição genética do receptor (Dekkers e Hospital, 2002). O cruzamento entre linhagens geneticamente distintas é amplamente utilizado em programas de melhoramento de aves com o objetivo de promover a heterose para características de baixa herdabilidade, como produção de ovos e fertilidade. A diversidade genética entre populações pode ser acessada pelo uso de marcadores, que podem ser utilizados também para estimar as distâncias genéticas entre linhagens para predizer a heterose (Ponsuksili et al., 1999) e orientar cruzamentos e acasalamentos. No geral, a informação molecular na seleção deverá ser combinada com a seleção fenotípica para a exploração completa da genética que controla a característica de interesse e o uso da MAS será determinado pelo benefício econômico em relação a seleção convencional. O uso de marcadores na seleção envolve custos inerentes a identificação de QTL, extração de DNA, genotipagem e análise. Segundo Dekkers e Hospital (2002), o mérito econômico da MAS não é questionável em situações em que o custo molecular é compensado pelas economias na avaliação fenotípica, como na seleção para resistência à doenças e qualidade da carne, e também no caso da seleção precoce, que compensa o custo extra da MAS, especialmente em mercados competitivos. Para a seleção de algumas características como produção de ovos, o custo limita o número de animais a serem testados. Com a identificação de marcadores ligados a QTLs importantes, a seleção poderá ser realizada em idade precoce a partir de uma população maior, mantendo um número menor de indivíduos para avaliações posteriores. Outro exemplo seria a utilização de marcadores genéticos para a pré-seleção de galos em programas de melhoramento de aves de postura, sendo a seleção final realizada após o término do registro total das irmãs (normalmente apenas um ou dois machos são selecionados ao acaso de cada família de irmãos completos devido ao custo). A seleção para melhorar o bem-estar animal é difícil e requer medidas diretas ou indiretas, usando seleção em grupo. Marcadores ligados a QTLs que melhorem o bem-estar e não comprometam produtividade permitiriam a seleção genotípica de fenótipos difíceis de serem medidos. Características limitadas pelo sexo (produção de ovos) ou que não podem ser medidas diretamente nos indivíduos (resistência à doenças), serão as mais beneficiadas pelo uso da genética molecular, pois o melhoramento tradicional requer o uso de teste de irmãos ou de progênie, o que reflete em custo elevado ou aumento do intervalo entre gerações (Muir, 2002). Empresas de genética avícola estão concentrando esforços para o melhor entendimento das barreiras biológicas que estão ocorrendo com o aumento do desempenho das aves. O desenvolvimento de marcadores genéticos nesse caso será de grande valor, pois permitirá uma seleção simples e eficiente para novas características (relacionadas com mecanismo biológico básico), que diferentes das tradicionalmente utilizadas (de produção), serão mais difíceis de serem medidas (Albers e Groot, 1998). Considerações finais Embora vários QTLs tenham sido identificados em aves e em certos casos confirmados em outras populações, estes apresentam ainda um intervalo de confiança muito grande, com a presença de muitos genes, dificultando sua utilização nos programas de melhoramento. Estudos de expressão e a conclusão do seqüenciamento completo do genoma da galinha serão cruciais para a integração dos diversos procedimentos utilizados na tentativa de decifrar a base genética da variação fenotípica das características de produção, o que permitirá detectar a mutação que causa o efeito do QTL. Os avanços nas pesquisas em genômica estrutural e funcional, no mapeamento comparativo dos genes de diferentes espécies e na genética quantitativa irão acelerar o processo de descobrimento da função dos genes. O conjunto dessas informações auxiliará na descoberta dos genes envolvidos no controle de características poligênicas, podendo mudar o paradigma da seleção genética. Isso aumentará as chances de otimizar o ganho genético com o uso da seleção assistida por marcadores em programas de melhoramento, através da avaliação de características fenotípicas não tradicionalmente utilizadas na seleção genética. A seleção assistida por marcadores nas empresas de genética avícola encontra-se em fase experimental. Esta poderá ser incorporada a qualquer momento nos respectivos programas dessas empresas. Há, entretanto, a necessidade de estudos mais detalhados sobre estratégias de seleção que otimizem o uso da MAS, bem como da redução do custo molecular envolvido, antes que esses conhecimentos passem a ser integrados nos programas de melhoramento de aves. Referências Albers, G.A.A.; Groot, A. 1998. Future trends in poultry breeding. World Poultry, 14:42-44. Alves, H.J.; Alvares, L.E.; Gabriel, J.E.; Coutinho, L.L. Influence of the neural tube/notochord complex on MyoD expression and cellular proliferation in chicken embryos. Braz J Med Biol Res., 36(2):191-7, 2003. Anderson, L.; Haley, C.S.; Ellegren, H.; Knott, S.A; Johansson, M.; Anderson, K.; AndersonEklund, L.; Edfors-Lilja, I.; Fredholm, M.; Hansson, I. Hakansson, J.; Lundstrom, K. 1994. 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