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Direito
Municipal
Direito Municipal e Urbanístico
e Urbanístico
Direito
Municipal
e Urbanístico
Daniele Regina Pontes
José Ricardo Vargas de Faria
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-2945-7
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
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Daniele Regina Pontes
José Ricardo Vargas de Faria
Direito Municipal e
Urbanístico
Edição revisada
IESDE Brasil S.A.
Curitiba
2012
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© 2011 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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P858d
Pontes, Daniele Regina
Direito municipal e urbanístico / Daniele Regina Pontes, José Ricardo Vargas de Faria.
- ed. rev. - Curitiba, PR : IESDE, 2012.
190p. : 28 cm
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-2945-7
1. Direito urbanístico - Brasil. 2. Planejamento urbano - Brasil. I. Faria, José Ricardo
Vargas de. II. Título.
12-4807.
CDU: 349.44
10.07.12 23.07.12
037238
__________________________________________________________________________________
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: Shutterstock
Todos os direitos reservados.
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Sumário
História do Direito Municipal | 9
Breve histórico da constituição dos municípios | 9
Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios | 21
Leitura geral sobre os municípios brasileiros | 21
Criação dos municípios | 22
Procedimentos de constituição | 24
Organização territorial interna | 25
Município e regiões metropolitanas | 26
Competência | 27
Autonomia | 28
Finanças municipais | 33
Autonomia financeira dos municípios | 33
Orçamento público municipal | 34
Princípios constitucionais do orçamento público | 34
Sistema orçamentário | 36
Controle orçamentário | 37
Tributação municipal | 38
Impostos municipais | 40
Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores | 45
Poderes do município | 45
Órgãos públicos | 46
Poder Executivo Municipal | 48
Elegibilidade | 48
Atribuições do prefeito | 49
Câmara de Vereadores | 50
Vereadores | 51
Lei Orgânica do Município | 51
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Bens municipais | 55
Breve histórico dos bens públicos no Brasil | 55
Bens públicos | 56
Classificação dos bens públicos | 57
Regime jurídico dos bens públicos | 58
Bens municipais | 59
Utilização de terceiros | 60
Aquisição de bens | 60
Alienação de bens municipais | 61
Proteção dos bens municipais | 61
Obras e serviços públicos municipais | 67
Conceito de serviço público | 67
Princípios do serviço público | 68
Conceito de obra pública | 70
Competência | 70
Serviços e obras municipais | 71
Espécies de serviço público | 72
A execução dos serviços públicos por particulares | 73
Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais | 77
Direito e sociedade | 77
Produção da ilegalidade nas cidades brasileiras | 79
Cidade, urbano e urbanismo | 81
Estatuto da Cidade e instrumentos urbanísticos | 83
O plano diretor nos municípios brasileiros | 84
Planejamento municipal e plano diretor | 89
Planejamento e desenvolvimento | 89
Planejamento municipal | 90
Plano diretor no Pós-Constituição Federal de 1988 | 91
Características do plano diretor | 92
Elaboração, aprovação e implementação | 93
Obrigatoriedade de elaboração | 94
Conteúdos do plano diretor | 95
Legislações urbanísticas | 96
Propriedade e posse | 101
Breves apontamentos históricos sobre a posse e a propriedade no Brasil | 101
Novo perfil do direito de propriedade a partir da Constituição Federal de 1988 | 103
A função da propriedade na Constituição Federal de 1988 | 104
A funcionalização no Código Civil | 105
A posse no Código Civil | 107
Aquisição e perda da propriedade | 108
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Uso, ocupação e parcelamento do solo | 113
Legislação territorial | 113
Uso e ocupação dos bens imóveis | 114
Divisões territoriais | 115
Leis de zoneamento | 116
Estrutura da lei | 117
Estudo de Impacto de Vizinhança | 118
Lei de Parcelamento do Solo | 119
Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade | 125
Política Urbana | 125
Parágrafo 4.º do artigo 182 da Constituição Federal | 126
Direito de preempção/preferência | 129
Direito de superfície | 130
Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso | 131
Transferência do direito de construir | 132
Operação urbana consorciada | 132
O direito ambiental nas cidades | 137
Direitos difusos e coletivos | 137
Princípios de direito ambiental | 138
Princípio do poluidor-pagador | 139
Estatuto da Cidade | 141
Meios de defesa do patrimônio ambiental | 142
Competência municipal | 144
Regularização fundiária | 149
Moradia | 149
Cenários da moradia no Brasil | 150
Informalidades | 151
Valorização da posse | 152
Aspectos da regularização fundiária | 152
Concessão de Direito Real de Uso – CDRU | 153
Concessão de uso especial para moradia | 153
Usucapião | 154
ZEIS | 159
Poder de polícia municipal | 163
Natureza e conceito | 163
Legislações | 164
Características do poder de polícia | 164
Princípios | 165
Objeto do poder de polícia municipal | 167
Procedimentos e coercibilidade | 167
Sanções administrativas | 168
Função social da propriedade | 169
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Controle sobre as ações municipais | 173
Objetivo geral | 173
Poder local | 173
Gestão democrática das cidades | 174
Os fundamentos da democracia | 175
Institutos de participação popular na Administração Pública | 178
Para além dos instrumentos | 180
Responsabilidade fiscal e plano diretor | 180
Referências | 185
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Apresentação
A abordagem da disciplina de Direito Municipal e Urbanístico parte da contextualização histórica e da leitura
correlacional entre a produção da cidade e o Direito. Assim, em uma perspectiva dialética em que o Direito assimila
as concretas relações estabelecidas na sociedade, refletindo-as e interferindo em sua trajetória, é que se propõe
estabelecer aqui um diálogo entre os vários temas que importam na construção e na interpretação da legislação
vigente, sem perder de vista o caráter principiológico estabelecido na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido,
a linearidade histórica estabelecida é meramente didática, pois é sabido que a complexidade dos fenômenos não é
apreciável dessa forma, mas é na inter-relação dos vários períodos com suas respectivas Constituições que podemos
desenhar a disciplina.
O conteúdo do texto não perde de vista também a interseção com outras importantes matérias do estudo do Direito,
assim, a leitura sobre as finanças e o orçamento público, os bens municipais, o poder de polícia e o controle sobre as
ações públicas estão imbricados com o Direito Administrativo e com o Direito Tributário.
O direito de posse e de propriedade rompe com o seu status, até então meramente privatista, e passa a ser
um dos grandes motes do estabelecimento de uma dimensão coletiva de direitos e deveres proprietários e
extraproprietários.
O exame das competências e responsabilidades do município, assim como das questões ambientais, patrimoniais e
urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.
O Direito Municipal e Urbanístico ainda apresenta como conteúdo intrínseco o caráter interdisciplinar, que aparece
no estudo da Administração Pública, do Planejamento Público, da Geografia, do Urbanismo e da Sociologia, entre
tantas outras disciplinas.
Por fim, a disciplina é relativamente recente e os olhos dos autores estão atentos também para a construção dos
novos institutos jurídicos e urbanísticos que venham traduzir e concretizar as necessidades impostas pelo quadro
contemporâneo da urbanização brasileira.
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História do Direito Municipal
Daniele Regina Pontes*
Breve histórico da constituição dos municípios
Ainda que o termo município e o delineamento desse ente político-administrativo tenha se inspirado no Direito Romano (municipium) e, posteriormente, tenha sido difundido na Idade Média, o município ganha, na atualidade, um conteúdo próprio, estruturado segundo a composição organizacional
dos Estados contemporâneos.
Cabe aqui ressaltar a construção dessa “nova” categoria a partir da trajetória percorrida no Brasil e,
nesse sentido, voltar o olhar sobre seu conteúdo e formato nos períodos e nas constituições anteriores
é determinante para compreender a conformação atual, assim como afirma Meirelles (2006, p. 35) “[...]
na atualidade o Município assume todas as responsabilidades na ordenação da cidade, na organização
dos serviços públicos locais e na proteção ambiental de sua área [...]”.
Como nem sempre foi assim, mas como também a questão local sempre esteve presente na organização político-administrativa do território brasileiro, faz-se necessário compreender a trajetória histórica
percorrida por esse ente, que só após a Independência passa a ser regulado em texto constitucional.
Histórico de constituição dos municípios brasileiros
O município no Brasil Colonial
Ao Brasil Colonial foram impostas as regras gerais de estruturação e organização política, administrativa e jurídica do Estado português, ainda que tenham havido adaptações frente às características
próprias da Colônia, principalmente em relação à dimensão territorial.
* Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Presidente/sócia-cooperada da Ambiens Sociedade Cooperativa. Professora de Direito da Unibrasil.
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História do Direito Municipal
Como característica da administração, é necessário fazer menção àquela exposta por Prado
Júnior (1981, p. 299-300) que, mesmo tendo sido realizada na década de 1940, ainda faz sentido na
contemporaneidade, quando afirmava que
[...] ainda há uma coisa que devemos manter presente. É que a administração colonial nada ou muito pouco apresenta daquela uniformidade e simetria que estamos hoje habituados a ver nas administrações contemporâneas. Isto é,
funções bem discriminadas, competências bem definidas, disposição ordenada, segundo um princípio uniforme de
hierarquia e simetria, dos diferentes órgãos administrativos.
Assim, a forma de organização estabelecida na colônia estava adstrita à necessidade de conduzir
a exploração, a ocupação e a defesa do solo brasileiro, e de estabelecer uma ordem político-administrativa, mesmo que incongruente com as particularidades da colônia.
Tal fato fez com que Portugal reproduzisse aqui a sua complexa legislação, formada pelas ordenações, legislações extravagantes e demais atos administrativos e desse ensejo ao estabelecimento da divisão territorial e administrativa, que partia da Costa Litorânea no sentido do meridiano de
Tordesilhas. Desmembrou-se o território em quinze capitanias hereditárias entregues a pessoas que
foram denominadas como capitães-donatários. Estes podiam fundar e estabelecer vilas e cidades,
mas como à exceção das Capitanias de São Vicente e Pernambuco, as demais não obtiveram o êxito
esperado, aos poucos a Coroa retomou as terras.
Nessa fase colonial não havia incentivo à centralização administrativa nas cidades, mas sim nas
capitanias; mesmo assim, os centros mais urbanizados, as vilas e cidades possuíam Câmaras Municipais
com as atribuições que aparecem descritas por Fausto (2003, p. 64): “As Câmaras possuíam finanças
e patrimônio próprios. Arrecadavam tributos, nomeavam juízes, decidiam certas questões, julgavam
crimes como pequenos furtos e injúrias verbais, cuidavam das vias públicas, das pontes e chafarizes
incluídos no seu patrimônio.”
Essas Câmaras eram controladas, de acordo com o autor referido, “sobretudo até meados do século XVII, pela classe dominante dos proprietários rurais e expressavam seus interesses” (FAUSTO, 2003,
p. 64). Foi, ainda, a Câmara de Vereadores o órgão que sobreviveu e que ganhou novos contornos e
atribuições no período pós-Independência e que se manteve até o momento atual.
Do ponto de vista do estabelecimento das cidades, é possível afirmar que estas apresentaram
um desenvolvimento bastante lento no período colonial em virtude das atividades econômicas basicamente rurais, em um modelo de produção predominante naquele momento histórico. Nesse sentido, a
administração da Colônia, ainda que alguns modelos de descentralização tenham sido tentados, como
o provincial e o das Câmaras Municipais, acabavam por voltar à Coroa em um movimento de nova centralização.
Tal movimento pode ser compreendido pela ocupação dos territórios como cidades: “No fim do
período colonial, as cidades, entre as quais avultaram São Luís do Maranhão, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, somavam perto de 5,7% da população total do País, onde viviam, então, 2,85 milhões
de habitantes” (PRADO JÚNIOR apud SANTOS, 2005, p. 22).
Como se pode perceber, a ocupação das cidades ainda é ínfima, se considerado todo o território.
Assim, considera-se que as cidades, em regra, passam a ter uma formação mais consistente somente a
partir do século XVIII. Até então eram constituídas como municípios ou vilas, mas não apresentavam características suficientes que demonstrassem um processo de urbanização. O domínio da economia rural
agroexportadora e dos movimentos meramente exploratórios não consolidava a ocupação nas cidades.
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História do Direito Municipal
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Início do processo de urbanização no Império
É somente a partir do início do século XVIII que se inicia um processo de urbanização no Brasil,
propiciado, em grande medida, (i) pela acumulação iniciada com o tráfico de escravos; como afirma
Fausto (2003, p. 59 e 73) “o grupo de traficantes poderosos não se especializava apenas no significativo
comércio de homens, dedicando-se aos investimentos em prédios urbanos, à usura e às operações de
importação e exportação”; (ii) pelo incremento do comércio; (iii) pela complexificação das estruturas
administrativas; (iv) pela invasão holandesa e; (v) pela vinda da família real para o Brasil, mais especificamente para o Rio de Janeiro.
Esse processo ainda incipiente de urbanização acaba por ser um dos elementos que colaboram
na instituição de uma nova Constituição, que viria a ser a Constituição Imperial de 25 de março de 1824.
Nessa Constituição, instituem-se, em todas as cidades, as Câmaras Municipais, conforme segue:
Título VII, Capítulo II – Das Câmaras:
Art. 167. Em todas as Cidades e Vilas ora existentes, e nas mais que para o futuro se criarem, haverá Câmaras, às quais
compete o governo econômico e municipal das mesmas Cidades e Vilas.
Art. 168. As Câmaras serão eletivas, e compostas do número de Vereadores que a Lei designar, e o que obtiver maior
número de votos será o Presidente.
Art. 169. O exercício de suas funções municipais, formação de suas Posturas policiais, aplicação de suas rendas, e todas
as suas particulares e úteis atribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar.
As cidades e vilas apresentavam uma configuração bastante semelhante, como demonstra Castro
(2006, p. 14): “No Império, a diferença entre a cidade e vila identifica-se apenas pelo critério democrático
e pela composição dos membros das Câmaras Municipais. É que as Câmaras das cidades eram compostas de nove membros, além do secretário, e as das vilas, de sete.”
Em 1828, uma lei ordinária, que vigorou até a Proclamação da República, definiria os contornos
da nova etapa de autonomia local dos municípios, instituindo a estrutura organizacional das administrações municipais. Tal lei tratava basicamente das seguintes questões: (i) a formação e organização
políticas das Câmaras; (ii) as posturas municipais e o “poder de polícia” nos municípios; (iii) a aplicação
das rendas e; (iv) a estrutura funcional de seus servidores.
Seguiu-se a esta lei ordinária o Ato Adicional, de feição federalista (Lei 16, de 12 de agosto de1834,
que alterava a Constituição de 1824 em alguns pontos), que também apresentava como objetivo a descentralização das decisões administrativas, mas subordinando os municípios às assembleias legislativas
provinciais.
Como afirma Maluf (1999, p. 369) vigorosos movimentos de opinião pública determinaram uma
maior descentralização, criando-se o regime provincial. Contra o excessivo centralismo de D. Pedro I
insurgiu-se o povo, levando-o à abdicação. O mesmo movimento determinou a promulgação do “Ato
Adicional” de 1834, que concedia a autonomia das Províncias.
O problema continuou materializado na ínfima autonomia político-administrativa dos governos
municipais que, como afirma Castro (2006, p. 16), “[...] o Ato Adicional reduziu as municipalidades a meras executoras das deliberações das Assembleias Provinciais e dos Presidentes das Províncias, agentes
do Poder Central”. Assim, ainda que tenha havido um passo no sentido de se reconhecer a importância
dos governos locais, a liberdade dos atos das Assembleias encontrava limite na sua própria execução,
que dependia da permissão dos Conselhos Gerais das Províncias.
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História do Direito Municipal
Tal determinação culminou na submissão das decisões municipais às deliberações provinciais,
tendo em vista que estas tinham mais proximidade com o governo central, enquanto que os municípios, em geral, padeciam em relação à sua autonomia, pela sua condição de isolamento e distância do
governo central (MEIRELLES, 2006, p. 38).
É importante ressaltar que data desta época, 1835, a implantação do cargo de Prefeito pela Província de São Paulo (Lei 18 de 11 de abril de 1835), inovação esta que foi bem recebida e seguida por
outras províncias, mas que não significou, na prática, maior autonomia para os municípios, pois o prefeito era nomeado pelo presidente da província, estando, dessa forma, vinculado politicamente a este.
Assim, a configuração das cidades brasileiras como centros de decisão político-administrativa demonstravam bastante fragilidade, inclusive por se considerar a população, a ocupação e o patamar de
urbanização da maioria das cidades.
Em 1872 havia no Brasil somente três cidades com mais de cem mil habitantes, o “Rio de Janeiro
(27 492), Salvador, (129 109) e Recife (116 671). Somente Belém (61 997) contava mais de 50 mil residentes. São Paulo, então, tinha uma população de 31 385 pessoas” (SANTOS, 2005, p. 23).
A constatação nesse cenário, que sintetiza a leitura dos municípios no Império, é a de que se
verifica que nesse período não houve governo municipal autônomo, tendo em vista que a construção
federalista que se iniciara atribuíra poderes basicamente às províncias, mas que é a partir da Independência que os municípios passam a apresentar visibilidade e que é dado a estes um tratamento constitucional.
O município na Constituição de 1891
Segue à Proclamação da República (Decreto 1, de 15 de novembro de 1889) a Constituição de
1891, de inspiração norte-americana e feição de “república federativa liberal” (FAUSTO, 2003, p. 249).
Tal Constituição fará constar em seu texto, assim como na Constituição anterior, mais precisamente em seu artigo 68, o papel “autônomo” dos municípios. “Art. 68. Os Estados organizar-se-ão de forma
que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.”
Os Estados, nesse sentido, passaram à categoria de entes federados (com a “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”), e procedeu-se, a partir das Constituições Estaduais, a caracterização
das administrações municipais estabelecidas com as atribuições discriminadas em suas leis orgânicas
municipais, ainda que os Estados deixassem os municípios, na prática, em uma situação de submissão
às suas deliberações.
A autonomia municipal durante o período de vigência dessa Constituição é, portanto, bastante
questionável, como demonstra Meirelles (2006, p. 39), que afirma:
[...] durante os 40 anos em que vigorou a Constituição de 1891 não houve autonomia municipal no Brasil. O hábito
do centralismo, a opressão do coronelismo e o inculturado povo transformaram os Municípios em feudos de políticos
truculentos, que mandavam e desmandavam nos “seus” distritos de influência, como se o Município fosse propriedade
particular e o eleitorado um rebanho dócil ao seu poder.
Ainda assim, esse período é importante para os municípios, pois é no final do século XIX e início
do século seguinte que se verifica um considerável aumento do fenômeno urbano que praticamente
dobra o total da população que mora nas cidades brasileiras. Tal contexto vai pressionar o poder constituído a reconhecer a importância dos municípios e a dar uma resposta às recorrentes demandas que
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História do Direito Municipal
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surgirão em virtude do aumento populacional nas cidades e da complexificação das relações sociais,
econômicas e políticas que surgiriam.
A resposta veio em 1926, com a Reforma Constitucional, quando a autonomia municipal passou
à categoria de princípio constitucional. A partir dessa data, a autonomia municipal, ainda que com diferente tratamento, seria corolário das demais constituições brasileiras.
Entre a fixação e a destituição da autonomia municipal
Em 1934 há uma importante mudança na configuração político-administrativa brasileira. A repartição
das competências, até esse momento, estava adstrita a dois entes que estruturavam a administração, o Estado Federal e os Estados federados. A partir de então as competências passam a ser divididas e o Estado é
reestruturado na figura de três entes: o Estado Federal, os Estados federados e os municípios.
Portanto, é somente a partir da Constituição de 1934, e ainda que esta tenha sido bastante breve, depois de quarenta anos sem autonomia municipal é que se recuperou, na legislação e na prática,
a possibilidade de os municípios se fazerem entes político-administrativos importantes no cenário
brasileiro.
De acordo com Meirelles (2006, p. 40)
Precisavam as Municipalidades não só de governo próprio mas – antes e acima de tudo – de rendas próprias, que
assegurassem a realização de seus serviços públicos e possibilitassem o progresso material do Município. Fiel a essa
orientação, a Constituinte de 1834 inscreveu como princípio constitucional a autonomia do Município em tudo quanto
respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente a eletividade do prefeito e dos vereadores, a decretação de seus impostos
e a organização de seus serviços (art. 13).
Assim, um dos pontos-chave, a distribuição de receitas no Estado, foi tratado com bastante minúcia.
Os resultados dessa Constituição não puderam ser medidos à época, tendo em vista a exiguidade
de sua vigência, procedida pelo golpe de 1937 – que concebeu o Estado Novo –, impondo um novo
regime político-administrativo para o Brasil, em que o Poder Executivo central concentrava o direcionamento político do país.
Ainda que a Constituição de 1937 trouxesse dispositivos que não fossem aplicados durante o
regime, Fausto (2003, p. 365) chamou a atenção para a importância dos dispositivos finais dessa Carta
Constitucional, que trazia a possibilidade do presidente da República confirmar ou não o mandato
dos governadores eleitos e nomear interventores nos casos em que entendesse necessário, e ainda, a
Constituição dissolvia o Parlamento, as Assembleias estaduais e as Câmaras Municipais que somente
poderiam ter seus membros eleitos após o plebiscito referente à Constituição. Declarou, ainda, estado
de emergência e suspendeu indefinidamente os próprios preceitos constitucionais referentes às liberdades individuais.
De qualquer forma, todos os que confrontassem a política estabelecida pelo governo federal poderiam sofrer intervenção, o que, portanto, caracterizava a decisão final sempre concentrada nas mãos
do governo central.
O presidente estava autorizado a legislar por Decreto-lei sobre todas as matérias que fossem de
responsabilidade do governo federal até a obtenção dos resultados do plebiscito. Como este não ocorreu, todo o tempo decorrido com o Estado Novo foi realizado com os instrumentos do Decreto-lei e da
intervenção.
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História do Direito Municipal
Neste sentido, Meirelles (2006, p. 41) descreve o novo regime:
Ao golpe de 10 de novembro seguiu-se um regime interventorial nos Estados e nos Municípios. O interventor era um
preposto do ditador, e os prefeitos, prepostos do interventor. Todas as atribuições municipais enfeixavam-se nas mãos
do prefeito, mas acima dele pairava soberano o Conselho Administrativo estadual, órgão controlador de toda a atividade
municipal, que entravava eficientemente as iniciativas locais.
Essa fase da história do Brasil é marcada também pela política de industrialização do país, representada por uma aliança entre três poderosos grupos sociais: as burocracias civil e militar e a burguesia
industrial.
Todos estavam voltados a consolidar um “capitalismo nacional”, por meio do setor industrial, o
que mobilizaria uma série de políticas, como a educacional, a trabalhista e a de transporte, entre outras,
no sentido de concretizar esse grande projeto.
Perpetuada a política da era Getúlio Vargas até 1945, neste ano o presidente é obrigado a renunciar diante do movimento realizado pelas Forças Armadas. Inicia-se, com isso, um novo momento de
constitucionalização no país, que atribui aos municípios um importante papel voltado aos aspectos de
representação e estruturação política, administrativa e financeira.
A Constituição de 1946 é um marco do período de abertura para a democratização no país. Nesse
sentido, o texto constitucional optou por uma desconcentração de poderes e pela descentralização
administrativa, contrariando os moldes expostos anteriormente na Constituição de 1937. Repartiu-a
entre a União, os Estados-membros e os municípios as competências e responsabilidades, ficando a
intervenção restrita a apenas algumas situações expostas no próprio texto.
Esse fato pode ser verificado em várias passagens do texto constitucional, entre elas as descritas
a seguir:
Art. 23. Os Estados não intervirão nos Municípios, senão para lhes regular as finanças quando:
I – se verificar impontualidade no serviço de empréstimo garantido pelo Estado;
II – deixarem de pagar, por dois anos consecutivos, a sua dívida fundada.
Art. 24. É permitida ao Estado a criação de órgão de assistência técnica aos municípios.
Art. 28. A autonomia dos municípios será assegurada:
I – pela eleição de Prefeitos e Vereadores;
II – pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse, especialmente:
a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação de suas rendas;
b) à organização dos serviços públicos locais.
Os governos municipais poderiam ainda ser eleitos, e haveria indicação nos casos referentes
às capitais, municípios declarados de Segurança Nacional ou aqueles que apresentassem estâncias
hidrominerais, quando estas fossem beneficiadas pelo Estado ou pela União.
Essa Constituição vigorou de fato até a entrada dos Atos Institucionais, os quais determinaram
uma nova estruturação político-administrativa que veio a ser consolidada com a Constituição de 1967 e
com a Emenda Constitucional de 1969.
Nesse sentido, Fausto (2003, p. 465) diz que “o AI-1 foi baixado a 9 de abril de 1964, pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Formalmente, manteve a Constituição de 1946 com
várias modificações, assim como o funcionamento do Congresso.”
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Com o Golpe Militar de 1964, a tão aludida democratização, inclusive administrativa, deixa de
existir e se instaura novamente um longo período de centralização do governo federal e intervenção
nas demais esferas do governo, estaduais e municipais.
A Constituição Federal de 1967 foi forçadamente aprovada. O Congresso, que havia sido fechado,
foi aberto extraordinariamente para aprovar o texto constitucional. Essa Constituição, pela sua própria
origem, aumentava os poderes do Executivo, principalmente naquilo que se referisse à segurança nacional. Quanto às demais questões, estas eram definidas pelos votos da maioria do Congresso, representados, nesse momento, pelo partido da situação, a Arena.
Foi mantida, no texto constitucional, a possibilidade de se continuar elegendo prefeitos e vereadores, nos moldes da Constituição de 1946; a questão é que, diante do regime ditatorial, prefeitos e vereadores deveriam seguir as orientações políticas estabelecidas pelo governo federal, assim a liberdade
política é falseada nas eleições diretas e a escolha da representação política nos municípios é realizada
entre aqueles que poderiam ser elegíveis, nos critérios do poder central.
Como afirma Meirelles (2006, p. 43), “os atos institucionais e as emendas constitucionais que sucederam limitaram as franquias municipais no tríplice plano político, administrativo e financeiro.”
Do ponto de vista financeiro-tributário, as rendas municipais foram distribuídas mais equitativamente entre União, Estados e municípios, mas os municípios menos industrializados, em relação aos
fundos de repasses – Fundo de Participação dos Municípios –, foram prejudicados pelo critério estabelecido na Constituição.
É importante lembrar que nesse momento o país já vivenciava um processo de urbanização bastante acelerado e que os municípios apresentavam uma importância fundamental nas relações espaciais, sociais e econômicas no território.
De acordo com Santos (2005, p. 31), entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar
de residência da população brasileira. Há meio século (1940), a taxa de urbanização era de 26,35%, em
1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica a população total do Brasil, ao passo que a população urbana se multiplica por sete vezes e meia.
Nesse contexto, as Constituições Federais mudam o tom quanto à importância do tratamento
dado aos municípios, e a discussão sobre a forma de constituição, autonomia, atribuições, finanças,
entre outras questões, ganha mais espaço nos textos constitucionais.
O retrato geral dos municípios na Constituição Federal de 1988
Com a abertura do Regime e o novo contexto de redemocratização do país, surgiu a necessidade
de se construir um novo texto constitucional, em que se fizesse responder e constar as demandas da
sociedade naquele momento histórico.
Nesse sentido, além das consideráveis inovações realizadas quanto ao modelo de municipalização que se desenhava, a Constituição de 1988 (CF/88) faz constar em seu texto um capítulo referente à “Política Urbana”, questão que, até aquele momento, nunca havia sido abordada nos textos
precedentes.
O município, nesse contexto, passa, então, a ser reconhecidamente um ente bastante relevante
na estrutura político-administrativa brasileira. De acordo com Bonavides (2006, p. 344), “as prescrições
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História do Direito Municipal
do novo estatuto fundamental de 1988 a respeito da autonomia municipal configuram indubitavelmente o mais considerável avanço de proteção e abrangência já recebido por esse instituto em todas as
épocas constitucionais de nossa história.”
A interpretação sobre esse novo modelo e a categorização do município passa a ser discutida no
sentido do seu tratamento ou como ente federativo ou como importante ente político-administrativo
na estrutura de organização do Estado. De qualquer forma, o tratamento deferido ao município na
CF/88 modifica a qualidade dual “pura” do modelo federalista, fazendo com que uma terceira esfera – a
municipal –, apresente poderes autônomos na estrutura organizacional do Estado brasileiro.
Quanto ao conteúdo da atuação municipal, faz-se presente, além da competência privativa para
regular matéria de interesse local, a competência comum em relação à União e aos Estados em relação
a outras determinadas matérias, conforme consta no artigo 23 da Constituição Federal.
Relativamente à atual posição que o município ocupa no cenário político, administrativo e financeiro do país, é possível dizer que a sua importância e a qualidade de sua competência e responsabilidade
apresentam-se em consonância com o desenho, inclusive espacial da ocupação do Brasil.
O município nas Constituições brasileiras
É possível dizer que a regulação dos municípios nas legislações brasileiras, principalmente nas
Constituições Federais, retrata a forma de organização e reorganização da população no território brasileiro e a complexificação das relações estabelecidas a partir de um período duradouro, como foi o período colonial, mas pouco dinâmico, do ponto de vista das mudanças estruturais que ocorreram na administração do território, passando pelos momentos de mudança político-organizativa – Independência,
República, Estado Novo, Democratização, Ditadura Militar, Redemocratização –, e, principalmente, de
alteração econômica da sociedade brasileira, com a industrialização e a migração populacional em direção às cidades, o que acarretou no fenômeno da urbanização em um período muito breve de tempo,
se considerados os outros momentos históricos decorridos no Brasil.
A reestruturação dos municípios e a importância qualitativa atribuída a este ente político-administrativo a partir da CF/88, é fruto da conformação, no período da redemocratização, do número de
municípios existentes no país e do quadro urbano que havia se definido.
Texto complementar
Geografia do Brasil
(SCARLATO, 2003)
[...] vale dizer que as cidades brasileiras no período colonial representaram um prolongamento
do mundo rural. A ausência de uma burguesia urbana abriu espaço ao poder das oligarquias agrárias.
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História do Direito Municipal
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A câmara municipal, primeira e principal instituição política representativa da população da colônia,
tinha sua sede na cidade. Porém, ela era controlada por senhores da casa-grande. [...] Essas cidades, na
verdade, eram os locais onde se formalizavam juridicamente os atos exercidos na grande propriedade.
Pode-se dizer que as cidades representavam o fórum de direito do poder político, porém era a casa-grande que exercia de fato esse poder.
As poderosas famílias e seus agregados e escravos residiam a maior parte do ano nos domínios
rurais. Somente se deslocavam para centros urbanos para festejos e solenidades. As cidades eram,
na sua maior parte, habitadas por funcionários da administração municipal, oficiais da Coroa, artesãos e mercadores. [...] Essa forma de relacionamento entre as oligarquias e as cidades permaneceu
até a transição para a Independência do Brasil. [...]
Apesar de o século XVIII ter presenciado um grande avanço na fundação de vilas e cidades no interior do território brasileiro, esse processo se fez de forma muito descontínua, motivado tanto pela dependência do povoamento em relação às oscilações do mercado externo como também pelo esgotamento
dos recursos ou pela concorrência de um produto com outro (caso da cana, da mineração e do café).
À medida que a economia exportadora era orientada e estimulada por um produto, as áreas correspondentes à sua produção eram rapidamente povoadas para em seguida, recuar, permanecendo
com uma produção restrita e fixando, em muitos casos, uma população que vivia só da economia de
subsistência. Muitas vilas e cidades do interior brasileiro acabaram mergulhando nessas condições.
A região da serra do Espinhaço, onde estão hoje localizadas as cidades históricas mineiras, chegou a representar uma das maiores concentrações demográficas do século XVIII no Brasil. Segundo os
documentos oficiais da época, a região de Vila Rica chegou a ter de 80 mil a 150 mil escravos. [...]
A riqueza mineral do sítio onde se fundou Ouro Preto foi também a causa de sua posterior estagnação. Quando ocorreu o esgotamento do ouro e a fuga da população da região, a cidade ficou
mergulhada na situação de isolamento. [...]
Foi um fenômeno constante a descontinuidade no crescimento das cidades no período colonial e mesmo durante o Império. Os recursos naturais, à medida que se esgotavam, levavam à estagnação desses centros. As grandes cidades mais bem localizadas sempre tiveram seu crescimento de
forma mais contínua, principalmente as portuárias. Estas podiam beneficiar-se de sua posição geográfica como centro de exportação de vários pequenos centros regionais, em que a estagnação de
um era compensada pelo dinamismo de outro, e assim o grande centro conseguia manter sempre
sua função exportadora. A cidade do Rio de Janeiro beneficiou-se da exportação do ouro, e quando
este declinou, foi substituído pela exportação do café. [...]
A abertura dos portos ao livre-comércio com o exterior e a independência do país fizeram com
que as oligarquias agrárias começassem a assumir a administração da vida pública nacional. A partir
de então, as cidades brasileiras passaram a representar mais do que o prolongamento do poder
rural, transformando-se no novo centro do poder político.
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História do Direito Municipal
Atividades
1.
Os vários momentos históricos do Brasil foram traduzidos pelo Direito nas suas várias Cartas
Constitucionais. Assim, a partir de que momento histórico é possível perceber que, de fato, os
municípios com essa categorização começam a participar mais intensamente da vida político-administrativa do país?
2.
Como as Constituições anteriores à Constituição Federal de 1988 identificam o interesse dos
municípios em seus textos?
a) Interesse local.
b) Peculiar interesse.
c) Interesse municipal.
d) Domínio local.
3.
Identifique duas mudanças no texto da Constituição Federal de 1988 em relação às constituições
que a precederam.
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Gabarito
1.
Ainda que na Constituição do Império houvesse referência aos municípios, nesse período tais
entes ainda estavam, do ponto de vista da sua autonomia, adstritos ao poder das províncias.
Assim, é somente com a República, o que significa dizer na Constituição de 1891, que o município
assume nova feição e que se reconhece que existe um interesse municipal em tratar de seus
assuntos de forma mais específica.
2.
B
3.
A equiparação dos municípios a entes conformadores da federação; o capítulo da política urbana;
o rol de competências comuns entre União, Estados-membros e municípios, entre outros.
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História do Direito Municipal
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Autonomia, competência
e responsabilidade dos
municípios
Leitura geral sobre os municípios brasileiros
Para se compreender a importância dos municípios, demarcada na Constituição Federal de 1988
(CF/88), é necessário verificar o cenário geral da organização da população no território brasileiro, conformada na organização dos três entes político-administrativos que integram a federação: a União, os
Estados e os municípios.
Em 2007, de acordo com dados da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o Brasil contava com uma população de 183,9 milhões de habitantes. A distribuição
territorial da população apresenta, na primeira década deste século, a mesma configuração, do ponto
de vista da densidade, das décadas anteriores, o que significa dizer que a Região Sudeste continua a
apresentar a característica de região mais populosa, seguida pelas Regiões Nordeste e Sul e que as Regiões Norte e Centro-Oeste, que nesta ordem apresentam menor densidade.
Também é possível observar que do ponto de vista do adensamento no território brasileiro,
ocorre historicamente uma concentração da população nas áreas mais próximas à costa brasileira.
Há que se considerar, em conjunto com o aumento da população e a forma geral de organização no território, o contexto político-administrativo de distribuição da população, isto é, como
o Estado se organiza para distribuir a responsabilidade de suas ações mais localizadas. No que se
refere a isso, de acordo com o IBGE, o Brasil entre 1940 e 2001 apresentou significativo aumento do
número de municípios, como se pode verificar no quadro que segue:
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
Número de municípios
1940
1950
1960
1970
1980
1990
1997
2001
Brasil
1 574
1 889
2 766
3 952
3 974
4 491
5 507
5 560
Norte
88
99
120
143
153
298
449
449
Nordeste
584
609
903
1 376
1 375
1 509
1 787
1 792
Sudeste
641
845
1 085
1 410
1 410
1 432
1 666
1 668
Sul
181
224
414
717
719
873
1 159
1 188
80
112
244
306
317
379
446
463
Centro-Oeste
IBGE, Diretoria de Geociências.
22
O município mais populoso continua a ser, como nas últimas décadas, o município de São Paulo
(10,8 milhões de habitantes), seguido por Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O município menos populoso,
de acordo com as pesquisas realizadas em 2007, também está localizado no Estado de São Paulo. Assim,
o município de Borá, de acordo com as pesquisas, apresentou em 2007 a população de 804 habitantes,
seguido por Serra da Saudade, localizado no Estado de Minas Gerais e Anhanguera, em Goiás.
Também, nesta primeira década do século em curso, o número de municípios com mais de um
milhão de habitantes cresceu de 13 para 14, em comparação com o censo de 2000. Os municípios com
essa característica são os seguintes: São Paulo (10,8 milhões); Rio de Janeiro (6,1 milhões); Salvador (2,8
milhões); Brasília (2,45 milhões); Fortaleza (2,43 milhões); Belo Horizonte (2,41 milhões), Curitiba (1,7 milhão); Manaus (1,6 milhão); Recife (1,5 milhão); Porto Alegre (1,42 milhão); Belém (1,40 milhão); Goiânia
(1,24 milhão); Guarulhos (1,23 milhão); e Campinas (1,03 milhão) (IBGE, 2007).
A partir dessas considerações é possível traçar um breve perfil das questões populacionais e territoriais dos municípios brasileiros nas últimas décadas, em que pode se observar que houve uma maior
divisão territorial em municípios e que houve, ainda nesta década, um movimento de concentração
populacional em municípios de grande porte, ou seja, com mais de um milhão de habitantes.
Ainda pode-se observar que a distribuição da população no território brasileiro não é homogênea, ou seja, existem regiões muito mais populosas que outras e, ainda, os próprios municípios apresentam configurações muito diferentes dentro do mesmo Estado, do ponto de vista da sua complexidade,
neste caso, considerando o que se refere ao número da população.
Criação dos municípios
Tendo em vista o quadro apresentado de aumento significativo de municípios, desde a década de
1940, a CF/88 definiu a forma de constituição de novos municípios e de supressão de alguns existentes.
Antes de se definir a forma de constituição e desconstituição de municípios é necessário entender juridicamente a sua natureza. Os municípios, como os demais entes político-administrativos da Federação, são considerados pessoas jurídicas de direito público interno, conforme determina o artigo 41,
inciso III do Código Civil.
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
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Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
A CF/88 determinou que a criação de municípios está adstrita ao reconhecimento pelos respectivos Estados em que estão inseridos. Assim, será a lei estadual a instituidora da autonomia, conformada
em determinado território, que a partir de então será reconhecido como ente político-administrativo.
[...] Somente depois de aprovada sua criação por lei estadual é que o território adquire personalidade jurídica de direito
público interno (CC, art. 41, III) e autonomia política, administrativa e financeira, decorrentes de sua condição de entidade estatal de terceiro grau (CF, artigos. 29-31), integrante do sistema federativo (CF, art. 1o.). (MEIRELLES, 2006, p. 43)
As leis estaduais instituidoras de novos municípios constituídos por incorporação, fusão ou desmembramento e de desconstituição de municípios até então existentes, terão a qualidade de lei ordinária estadual.
Assim, nos seguintes termos descreve a CF/88 a possibilidade de criação de municípios, observando a Emenda Constitucional 15, de 12 de setembro de 1996.
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
§4o. A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período
determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.
É importante fazer constar que houve algumas propostas de substituição do texto aprovado, mas
que apesar dessas propostas, a Constituição, nesta matéria, permaneceu inalterada. Nesse sentido, a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 297/95, principal emenda modificativa, que buscava qualificar de forma mais pormenorizada e criteriosa a constituição de novos municípios foi arquivada.
Incorporação, fusão, anexação ou desmembramento
Quanto à forma de se proceder a criação de novos municípios, o parágrafo 4.º, do artigo 18 da CF,
já citado, informa que a origem dos municípios pode decorrer, atualmente, das seguintes situações:
incorporação, fusão, anexação ou desmembramento.
Todas essas possibilidades estão relacionadas a duas questões: a territorial e a político-administrativa. Assim, sempre que se promove a constituição de novo município, necessariamente isso implica
em uma modificação do desenho anterior do território e a necessidade de se estabelecer uma nova
estrutura administrativa de gestão e de construção legislativa.
Também é importante considerar que não há qualquer referência quanto ao número da população residente, assim, podem ser formados municípios com qualquer número populacional, devendo
prevalecer, nesse sentido, apenas a razoabilidade quanto à constituição de uma nova estrutura administrativa e legislativa.
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
Assim, tratando das formas de constituição, a primeira forma, que é a incorporação, ocorre sempre que um município se integra ao outro. Nesse caso, um dos municípios deve perder a sua personalidade anterior, enquanto o outro que conserva a sua personalidade agrega ao seu território e à sua
gestão o território e as responsabilidades referentes aos compromissos daquele município que perdeu
a personalidade jurídica.
Ocorrerá fusão sempre que dois ou mais municípios se unirem para formar um outro município
com personalidade jurídica própria e distinta daquelas que originariamente apresentavam.
A anexação está relacionada apenas à questão territorial, portanto, nesse caso, não se constitui
novo município, apenas se procede a modificação territorial dos municípios já existentes, na qual se une a
parte desmembrada do território de um município ao de outra municipalidade já existente. Dessa forma,
permanecem as personalidades jurídicas dos municípios que participaram do processo de anexação.
O instituto do desmembramento é bastante comum, pois tal instituto dá ensejo à formação de
novo município. Assim, a parte desmembrada de um determinado município já existente ganha autonomia para se constituir em nova municipalidade.
Esse fato comumente ocorre com o desmembramento dos distritos mais consolidados, isto é,
com maior população e com grau mais intenso de urbanização.
Procedimentos de constituição
De acordo com a CF/88, os Estados estão obrigados a se dividir em municípios, mas o mapa de
divisão do território do Estado somente poderá ser alterado de quatro em quatro anos, sempre no ano
que antecede o período de eleições municipais em todo o país.
Busca-se, dessa forma, estabelecer uma medida de estabilidade para as mudanças de configuração
dos territórios dos Estados e, ainda, pretende fazer coincidir as eleições que ocorrem ordinariamente em
todos os municípios com aquelas que formarão as novas administrações.
A criação de municípios é, portanto, um ato formal e legal que requer a verificação de determinados
requisitos. Os Estados são responsáveis por regular os elementos de constituição dos novos municípios
e de lhes atribuir personalidade jurídica, consideradas as questões de âmbito local que informam tais
requerimentos.
O descumprimento de qualquer dos requisitos impostos na legislação poderão ensejar o questionamento judicial da proposição de nova constituição de município, tornando nulos os procedimentos
ilegais e inconstitucional a lei que determinar a criação em desacordo com os pressupostos preestabelecidos em lei.
A decisão da Assembleia Legislativa que entender pela rejeição do requerimento de constituição
de novo município deverá ser justificada, mas tendo em vista a autonomia desse ente para julgar a pertinência ou não dessa questão; não caberá, nesse caso, impugnação judicial no caso de recusa.
O procedimento de constituição, de acordo com Meirelles (2006, p. 69-70) apresenta quatro
etapas, conforme segue:
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
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1) representação à Assembleia Legislativa nos termos e com os comprovantes dos requisitos mínimos exigidos pela lei;
2) determinação da Assembleia Legislativa para que se realize o plebiscito, desde que satisfeitas as exigências legais; 3)
realização do plebiscito pela Justiça Eleitoral; 4) promulgação da lei criadora do Município, dentro do período estabelecido na lei complementar federal, se favorável o resultado do plebiscito.
Quanto ao primeiro ponto, existe a necessidade de se apresentar um Estudo de Viabilidade à Assembleia Legislativa. Esse estudo deverá ser formulado conforme as determinações da lei, atendendo a
inúmeros requisitos, entre eles as questões financeiras da nova municipalidade a ser constituída. Ainda,
tal estudo deverá ser publicado, de forma a dar conhecimento a toda população das possíveis consequências da formação do novo município ou da alteração territorial dos municípios.
O segundo e o terceiro momento dizem respeito à apreciação popular das novas propostas relativas aos municípios. O primeiro cabe à Assembleia e o segundo aos Tribunais Regionais Eleitorais que
são responsáveis por definir os procedimentos do plebiscito, inclusive definindo o alcance da consulta.
Assim, por meio do plebiscito que, conforme Meirelles (2006, p. 72), “é a consulta direta à população de
determinada área sobre assunto de seu interesse”, a população poderá manifestar o seu entendimento
quanto à necessidade de se constituir novo município ou de se alterar o desenho territorial dos municípios em questão.
Nesse sentido, a Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998 dispõe que:
Art. 7.º Nas consultas plebiscitárias previstas nos artigos 4.º e 5.º entende-se por população diretamente interessada
tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou
anexação, tanto a população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o acréscimo; e a vontade popular se
aferirá pelo percentual que se manifestar em relação ao total da população consultada.
Na leitura desse artigo, caberá inclusive a possibilidade de votação por estrangeiros residentes
nos municípios, objeto da consulta e o seu resultado será definido por maioria simples, conforme determina o artigo 10 da Lei 9.709/98.
A quarta fase confere à Assembleia Legislativa a manifestação de seu ato político frente à demanda
apresentada e, uma vez aceita a proposta encaminhada em relação aos municípios, promulga-se a sua
lei criadora.
Organização territorial interna
Os municípios apresentam autonomia para definir as bases de sua organização territorial interna.
Assim, a divisão territorial do município pode se conformar de várias maneiras, entre elas as mais comuns
são as que dividem o município em áreas urbanas e rurais, em bairros nas áreas urbanas, em distritos e
subdistritos na área rural, em áreas de expansão urbana.
Os distritos apresentam importante participação na constituição dos novos municípios, pois normalmente é com a emancipação destes que se formam outros municípios.
O distrito, assim como o subdistrito é, muitas vezes, um relevante centro de distribuição de serviços
públicos à população, principalmente no que diz respeito ao acesso da população da área rural aos benefícios da urbanização, como escola, posto de saúde, pavimentação, transporte público, comércio local
etc., tendo em vista a sua estruturação como centro de infraestrutura de atendimento à população e a
organização já existente nessas localidades.
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
Tendo em vista essas questões, muitas vezes o distrito já apresenta elementos suficientes que motivam a sua transformação em município, e por esse motivo, esta se tornou uma das práticas mais comuns
de constituição de novos municípios. Assim, essas localidades são emancipadas, mudando de status.
Os distritos e os subdistritos se configuram em áreas ou circunscrições administrativas, dotadas
de serviços públicos de atendimento à população que os conformam. Ao contrário dos municípios, não
apresentam personalidade jurídica própria, e, portanto, também não apresentam autonomia política e
administrativa.
De acordo com a Constituição Federal a competência para a criação de distritos e a descentralização destes em subdistritos compete aos municípios, como citado pelo seu artigo 30, inciso IV, “criar,
organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual.”
No mesmo sentido da criação dos municípios, mas sem que haja obrigatoriedade, o município
poderá prever em sua lei orgânica municipal a possibilidade de se fazer plebiscito para a instituição de
novos centros de maior urbanização, organizados na forma de distritos e subdistritos.
Município e regiões metropolitanas
Em decorrência do crescimento de alguns municípios brasileiros, a população ultrapassou as
linhas das divisas territoriais com os demais municípios de seu entorno. Assim, os municípios passam
a se relacionar de forma muito mais próxima uns com os outros e as suas atividades se tornam extremamente interdependentes, o que os obriga, em muitos casos, a definirem políticas públicas de forma
conjunta.
Nesse mesmo sentido pondera Ferrari (1993, p. 71)
As Regiões Metropolitanas são na verdade entidades administrativas compostas de Municípios, embora suas decisões
não os obriguem, e isto devido à autonomia municipal. Assim, são órgãos do planejamento que visam à realização de
funções públicas de interesse comum.
A CF/88 definiu que nos casos em que já não seja mais possível estabelecer uma divisão clara
entre os territórios dos municípios em virtude da sua proximidade em que ocorre a formação de uma
malha urbana única, cabe aos Estados a determinação da organização dos municípios em regiões metropolitanas.
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta
Constituição.
§3º. Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum.
Tais regiões metropolitanas são formadas para que os municípios tenham a possibilidade de gerir
de forma conjunta temas de interesse comum e em conjunto possam realizar as atividades e prestar
serviços públicos às suas populações.
A formação da região metropolitana não implica na geração de um outro ente da federação, pois
apresenta natureza restrita de administração, interferindo nos municípios na medida das decisões realizadas em órgãos colegiados daqueles que estão representados por esse órgão.
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
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Competência
A instituição de um rol maior de competências e de atribuição de maior valor aos municípios está
relacionada ao crescimento de sua importância na configuração do Estado brasileiro. Assim, o aumento
expressivo do número de municípios e a complexidade que foi assumida por alguns municípios brasileiros demandaram a revisão do legislador sobre a autonomia e a competência no que se refere à sua
organização.
Segundo Pellegrino (2000, p. 13)
As competências governativas do Estado brasileiro convivem nas três pessoas de Direito Público Interno: a União – a
projeção mais ampla –, os Estados – porção administrativa regional – e os Municípios – que são, do ponto de vista jurídico, unidades territoriais dos Estados, criados por força de lei estadual, com personalidade jurídica de direito público
interno, e, do ponto de vista político, expressão administrativa descentralizada para o atendimento das peculiaridades
locais, no âmbito de sua competência.
Nesse sentido, a CF, em seu artigo 30 definiu o rol de assuntos que são de competência do município e que devem ser estabelecidos em legislação própria, denominada esta de Lei Orgânica Municipal.
Mas, ainda que o município tenha sofrido modificação no sentido de aumentar qualitativamente a sua responsabilidade e dirigir a sua própria organização, por meio da Lei Orgânica, esta
somente pode versar sobre assuntos que não colidam com a CF, especialmente no que se refere ao
seu artigo 29.
Assim descreve Castro (2006, p. 52)
[...] o Município, no seu poder auto-organizatório, tem limites constitucionais bem explícitos, de que cogita o artigo 29,
caput, da CF. É dizer: o Município organiza-se e rege-se por sua Lei Orgânica e demais leis que adotar, mas para atingir
tal desiderato há que observar os princípios da Constituição da República e os da Constituição do respectivo Estado.
É autônomo o Município, nos termos da Constituição; e autonomia não significa apropriação de liberdade ilimitada
no e para dispor normativa e organizacionalmente sobre os poderes municipais. Há que se respeitar a fonte única dos
poderes: a Constituição da República.
O autor trata, como se pode observar, dos limites do município do ponto de vista do estabelecimento dos pressupostos para o tratamento dos assuntos municipais. A observância dos princípios
constitucionais, assim como daqueles estabelecidos em Constituição Estadual, devem estar presentes
na formulação das normas e das ações municipais.
Sem prejuízo da autonomia municipal referida no caput do artigo 18 da Constituição Federal, o
artigo 1.º desse mesmo texto determina uma unidade que se perfaz em um controle principiológico de
caráter regulador.
Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição.
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
Dessa forma, é possível observar que a CF/88 direciona a leitura de todos os seus demais dispositivos e irradia os seus fundamentos a todas as normas que formam o sistema jurídico, incluindo nesse
bojo as normas municipais.
Autonomia
A CF/88, ao tratar dos municípios, os inseriu como elemento de sua estruturação e organização
político-administrativa, conforme segue:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Assim, essa autonomia refere-se a basicamente três questões, como chama a atenção Pellegrino
(2000 p. 20-21): (i) autonomia política; (ii) autonomia administrativa; e (iii) autonomia financeira, sendo
que Meirelles (2006, p. 93) ainda propõe mais um elemento, o “poder normativo próprio”.
A autonomia política está adstrita à condição do município de estabelecer a forma de sua auto-organização a partir de seu reconhecimento como pessoa jurídica de direito público interno e de possibilitar o seu autogoverno, decorrente da escolha de seus representantes, tanto do Poder Executivo –
prefeito e vice-prefeito, como do Poder Legislativo – vereadores.
A autonomia administrativa refere-se à capacidade do poder local definir as suas políticas públicas
e gerenciar a efetivação destas, concretizadas em prestação de serviços públicos.
Quanto à autonomia financeira, esta reserva aos municípios o poder de instituir e arrecadar tributos
e aplicar seus resultados, na efetivação das políticas públicas do próprio município.
Por fim, o poder normativo está estabelecido especialmente no artigo 30 da CF, que determina
em seu inciso I que compete aos municípios “legislar sobre assuntos de interesse local.”
A capacidade de o município regrar o uso e a ocupação de seu território e estabelecer os limites
decorrentes da apropriação dos bens do município está contida neste preceito referente à regulação do
município dos interesses locais.
Assim, tudo aquilo que diga respeito ao interesse imediato do município, que intervenha na sua
manutenção deve ser discutido em seu próprio âmbito. A compreensão sobre o significado da expressão “interesse local” está relacionada ao interesse mais imediato, mas não exclusivo da municipalidade,
tendo em vista que as questões de âmbito local interferem em seu conjunto nas ações das demais esferas governamentais.
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
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Texto complementar
Significado e importância das emancipações:
uma polêmica ainda não resolvida no Rio Grande do Sul
(PINHEIRO; MOTTA, 2003)
[...]
A questão das emancipações, pela complexidade envolvida, parece não ser redutível a
situações e procedimentos predeterminados. Entre os extremos centralização/descentralização deve-se buscar um meio-termo mais adequado. Por outro lado, centralizar a regulamentação não significa, necessariamente, centralizar a administração. Ao contrário, as evidências
empíricas apontam no sentido de afirmar as vantagens, com larga margem, de descentralização frente à centralização, sobretudo, quando se tem em conta o dinamismo da sociedade
contemporânea. Além disso, nos sistemas democráticos e representativos, o município, tendo
como núcleo a sede, é a célula fundamental, o espaço de irradiação, a escola política, o local
de exercício e de emergência das futuras lideranças nacionais. Portanto, é desnecessário enfatizar que a análise crítica realizada não pressupõe e tampouco implica posicionamento a priori
contra as emancipações, apesar de um dos autores (PINHEIRO, 1999) já ter definido, quando
conveniente, a tese de fusão dos municípios.
Contudo, na percepção dos autores, tão importante quanto criar um município é dotá-lo
das condições minimamente necessárias para participar do concerto da formulação e da implementação das políticas públicas, em perfeita articulação com as demais esferas de governo,
evitando as lacunas e a multiplicidade de esforços. Por outro lado, tais condições, a exemplo da
infraestrutura, não podem ser criadas a partir de um marco zero; elas devem preexistir, herdadas do município-mãe, e este, por sua vez, não pode ter o seu desenvolvimento comprometido
a partir da emancipação de uma área. Se “emancipar para desenvolver” é o lema básico dos
emancipacionistas, não deve ser esquecido que a infraestrutura é, também, precondição para
o desenvolvimento e, regra geral, a construção da infraestrutura é um empreendimento que
requer o envolvimento dos governos estadual, federal e, por vezes, das municipalidades adjacentes.
Nas condições do marco regulatório vigente, a criação de municípios “aumenta o número
de comensais sem a contrapartida do aumento do bolo”, uma vez que não ficou, em nenhum
dos casos analisados, comprovada a viabilidade da área emancipada nem tampouco que a área
remanescente do município de origem não restaria prejudicada. Utilizar como argumento para
as emancipações futuras as emancipações exitosas do passado é uma falácia que pode levar a
equívocos, não se aplicando ao tema a profecia que se autorrealiza.
[...]
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
Atividades
1.
A leitura de dois elementos, território e população, manifestam a configuração geral dos
municípios brasileiros. Indique, analisando o contexto atual, uma questão ou apontamento
que pode ser percebido na configuração atual dos municípios, a partir da observação desses
elementos.
2.
As regiões metropolitanas são constituídas:
a) Pelos próprios municípios.
b) Pelas capitais dos Estados.
c) Pelos Estados-membros.
d) Pela União.
3.
A partir da CF/88, os municípios passaram a ter competência para regular assuntos de interesse
local. Na prática, entre vários temas de interesse dos municípios, aponte dois que podem ser
objeto de definição dos municípios.
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
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Gabarito
1.
Não há homogeneidade em relação aos municípios quanto a tamanho, população, complexidade
ou desenvolvimento; a história da colonização influencia até nossos dias a configuração geral do
adensamento no Brasil, principalmente no que se refere à densa ocupação da costa brasileira;
2.
C
3.
Definição do perímetro urbano, criação de distritos e subdistritos, questões ambientais, questões
urbanísticas, isenções tributárias etc.
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Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios
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Finanças municipais
Autonomia financeira dos municípios
A manutenção da autonomia dos municípios a partir da Constituição Federal de 1988 (CF/88)
dependia, em grande medida, da possibilidade destes realizarem as políticas públicas indicadas na sua
esfera de atribuições. Nesse sentido, era necessário que se definissem instrumentos aptos a viabilizar
o planejamento e a gestão municipal. Para tanto, foram definidos dois grandes eixos de concretização
dessas medidas: o orçamento e a tributação.
É a partir desses instrumentos que os municípios realizam seus fins administrativos, executam suas
obras e prestam serviços públicos em seus respectivos territórios, de forma mais planejada e controlada.
A autonomia municipal não significou uma ação absolutamente independente ou restrita a este
ente político-administrativo, pois, não é possível desconsiderar que alguns municípios continuaram a
depender consideravelmente dos repasses das verbas dos outros entes, e também é necessário compreender que se manteve a interdependência entre os próprios municípios para a realização de determinadas obras e a prestação de serviços, assim como entre estes e as demais esferas de governo sempre
que se verificar interesse comum. Tal fato não corresponde, necessariamente, à falta de autonomia municipal, mas, ao contrário, satisfaz o modelo federativo próprio adotado pelo Brasil.
A CF/88 assegurou a autonomia financeira dos municípios, basicamente sobre duas questões: a)
a instituição e arrecadação dos tributos e b) a aplicação das rendas locais, como se pode verificar em
seu artigo 30:
Art. 30. Compete aos Municípios:
[...]
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
[...]
Assim, este ente político-administrativo, o município, deverá constituir a sua própria renda, assim como
administrar a sua receita e suas despesas, a partir de rendas próprias ou constituídas a partir de repasses e
doações, considerando-se as relações estabelecidas entre os municípios e os demais entes da federação.
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Finanças municipais
Os municípios não sofrerão interferência dos Estados na sua autonomia financeira, como se pode
verificar no texto da Súmula 69 do Superior Tribunal de Justiça (STF) que determina que “a Constituição
Estadual não pode estabelecer limite para o aumento dos tributos municipais.” Dessa forma, o Estado
não poderá agir no âmbito municipal de forma a conceder isenções, restringir a majoração de tributos;
condicionar a instituição de tributos locais, ou impor condições para a aplicação de rendas próprias dos
municípios.
Orçamento público municipal
O orçamento público, quanto à sua forma, está estruturado em legislação, mas assume o caráter
de ato administrativo, tendo em vista que a sua confecção é realizada pelo Poder Executivo, encaminhado à Câmara de Vereadores para a sua aprovação e transformação em lei. Assim, define Bastos
(1999, p. 12), “o orçamento é [...] uma peça jurídica, visto ser aprovado pelo Legislativo para vigorar
como lei dispondo sobre a atividade financeira do Estado, quer do ponto de vista das receitas, quer das
despesas. O seu objeto, portanto, é financeiro.”
Quanto ao seu conteúdo, o orçamento público passa por uma mudança de sentido em relação aos
conteúdos estabelecidos pelos orçamentos tradicionais. Assume, pois, a partir de 1988, a feição de instrumento de planejamento, organizado na forma de programas, em que se estabelecem as prioridades
e as ações a serem realizadas a longo, médio e curto prazos.
[...] é o processo e o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e
fixação das despesas de cada exercício financeiro. (SILVA, 1997, p. 671)
O orçamento municipal é constituído a partir dos mesmos elementos que configuram o orçamento federal, ou seja, estão presentes no orçamento municipal os elementos: econômico, político e
jurídico, conforme descreve Bastos (1999, p. 130)
O elemento econômico traduz-se no fato de o orçamento assumir, inequivocamente, a forma de uma previsão da
gestão orçamental do Estado, o que seria um autêntico plano financeiro. O elemento político consubstancia-se na
autorização política para a efetivação desse plano ou projeto de gestão estadual. E, finalmente, o ingrediente jurídico
traduzido nos efeitos de direitos próprios dos orçamentos e regulamentados pelos diversos sistemas jurídicos.
Na conjugação desses elementos, a administração municipal realiza os fins a que se propõe, traduzidos de forma “racionalizada” em programas, políticas e ações de dimensão e atingimento público,
difuso ou coletivo.
Princípios constitucionais do orçamento público
O orçamento público é orientado por princípios estabelecidos constitucionalmente. Tais princípios realizam, ao mesmo tempo, dois papéis: o primeiro diz respeito à orientação finalística da composição dos orçamentos e o segundo trata da delimitação da esfera de possibilidade de utilização do
instrumental posto à disposição da Administração Pública.
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Finanças municipais
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Nesse sentido, Canotilho (2002, p. 1.224-1.225) descreve as características presentes nos princípios, diferenciando-as das demais espécies de normas, no que tange à qualidade que apresentam.
Assim, ao contrário das regras, os princípios apresentam: (i) grau de abstração relativamente elevado,
sendo considerados “[...] vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras”; (ii) apresentam papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua hierarquia e importância estruturante
dentro do sistema jurídico; (iii) são “juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça”, e, por
fim; (iv) “são fundamentos de regras”.
Bonavides (2006, p. 288), ao tratar dos princípios constitucionais, também define sua importância
na leitura geral do arcabouço jurídico, segundo o autor “[...] em verdade, os princípios são o oxigênio
das Constituições na época do Pós-Positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais
granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa.”
A partir daí se estabelecem princípios que orientam e delimitam a construção dos orçamentos
públicos em todas as esferas governamentais, entre elas as municipais. Os princípios são relativos
à forma e ao conteúdo dos orçamentos. Sendo tais princípios os seguintes: (i) Princípio da Exclusividade em Matéria Orçamentária; (ii) Princípio da Programação; (iii) Princípio da Anualidade; (iv)
Princípio da Unidade; (v) Princípio da Universalidade; (vi) Princípio da Legalidade; e, (vii) Princípio da
Publicidade.
O Princípio da Exclusividade em Matéria Orçamentária determina que o orçamento esteja
adstrito a tratar de receitas e despesas, não podendo conter em seu texto matérias que extrapolem
tais conteúdos, conforme determina o parágrafo 8.º, do artigo 165 da Constituição Federal, descrito
a seguir:
§8.º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para a abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito,
ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.
O Princípio da Programação assume a forma de como devem ser construídos os orçamentos, no
sentido de se organizar em programas a alocação de receitas e despesas. Requer-se aqui a classificação
dos recursos e sua objetiva localização na própria lei orçamentária.
O Princípio da Anualidade determina que o ente político-administrativo deverá, anualmente, prever a realização de despesas e a constituição de suas receitas. Tais previsões estarão expressas na lei
orçamentária que anualmente deverá ser revista.
A leitura desse dispositivo deverá ser ampliada na medida em que o orçamento público abrange
mais de uma lei que trata do orçamento, o Plano Plurianual que é definido em um lapso temporal de
quatro anos, de qualquer forma, permanece a lei orçamentária anual para tratar de forma mais pragmática da constituição de receitas e despesas anuais nos municípios.
De acordo com Bastos (1999, p. 47), “o Princípio da Anualidade encontra-se diretamente relacionado com o princípio da segurança jurídica, posto que a lei orçamentária é votada e aprovada a cada
ano, representando assim um limite ao poder de intervenção do Estado.”
Sobre o Princípio da Unidade há uma mudança de sentido de alguns dos textos constitucionais anteriores para o presente na CF/88. Anteriormente, todas as disposições referentes ao orçamento deveriam estar dispostas em uma única lei. Hoje, a unidade é de objetivos, de apresentação
de finalidades, tendo em vista que este está expresso em mais de uma lei. Não poderá haver contradição entre os textos das três leis que definem e estruturam o orçamento.
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Finanças municipais
O Princípio da Universalidade determina que toda a receita e despesa pública devam estar contidas em orçamento, devendo este abranger e considerar os recursos de todas as instituições públicas
que recebam ou gerenciem recursos públicos.
Quanto ao Princípio da Legalidade ou Princípio da “Estrita Legalidade” é determinante que
tudo que esteja relacionado ao orçamento esteja registrado em lei de forma exaustiva e detalhada.
Dessa forma, que disser respeito às finanças municipais devem estar contempladas em legislação
própria, seguidos os ritos determinados na Constituição Federal e respectiva legislação complementar.
O Princípio da Publicidade assegura o controle do orçamento. A lei que trata de matéria referente
ao orçamento tornar-se-á obrigatória após a sua publicação. Nesse sentido, o parágrafo 3.º, do artigo
165 da Constituição Federal determina que “o Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, o relatório resumido da execução orçamentária.”
Tal princípio determina também ao município a sua obrigação frente aos órgãos de fiscalização
e à própria população a prestação de contas referente à aplicação de suas rendas e do pagamento de
suas despesas.
Sistema orçamentário
O orçamento público se configura como um “planejamento estrutural” e integrado (SILVA, 1997,
p. 670).
Além da CF/88, que estabelece as linhas gerais e os princípios que subordinam a realização dos
orçamentos, tanto do ponto de vista do estrito cumprimento das disposições referentes ao orçamento
quanto aos princípios gerais, fundamentos e objetivos do Estado, duas leis regem o orçamento público
e atingem diretamente os interesses referentes ao orçamento municipal, a Lei 101/2000 – denominada
como Lei de Responsabilidade Fiscal, e a Lei 10.257/2001 – denominada Estatuto da Cidade.
Tais legislações determinarão as regras gerais de definição dos orçamentos vinculados ao planejamento dos municípios, no que diz respeito ao seu desenvolvimento.
Para além dessas leis, o orçamento municipal, assim como os orçamentos das demais esferas
(União e Estados) deverão ser compostos em um sistema que é organizado em três legislações: o Plano
Plurianual; a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); e a Lei de Orçamento Anual (LOA).
Caberá ao Plano Plurianual (PPA), que é elaborado e aprovado de quatro em quatro anos, definir
as diretrizes gerais da política financeira do município. É uma lei que programa metas de mais longo
prazo do que aquelas estabelecidas nas legislações anuais. Assim, as legislações anuais devem ser elaboradas em consonância com as regras estabelecidas no PPA, o que significa dizer, em atenção aos
programas, objetivos, recursos, responsáveis e indicadores para avaliação.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias orienta a confecção da Lei Orçamentária Anual estabelecendo
as metas e as prioridades da administração municipal. Essa lei, de acordo com a Constituição Federal,
artigo 165, parágrafo 2.º, entre outras questões, incluirá as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente e definirá possíveis alterações na legislação tributária.
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Finanças municipais
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De acordo com Meirelles (2006, p. 269), a LDO ainda deverá
[...] dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas, critérios e forma de limitação de empenho nas hipóteses legais,
normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos e demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas [...]
A LDO terá, ainda, que fazer integrar em anexo ao seu texto o Anexo de Metas Fiscais e o Anexo
de Riscos Fiscais, tudo em conformidade com o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal e sob
a apreciação do Tribunal de Contas, do controle estabelecido na própria Prefeitura e da Câmara de
Vereadores.
A Lei de Orçamento Anual (LOA) deve ser compatibilizada com o Plano Plurianual e com a Lei de
Diretrizes Orçamentárias, mas trata de matéria própria conforme explica Meirelles (2006, p. 273) com
base no texto constitucional, devendo tratar das seguintes questões:
[...] o orçamento fiscal referente aos Poderes municipais, aos seus Fundos, órgãos e entidades da Administração direta
e indireta; o orçamento de investimento das empresas em que o Poder Público Municipal, direta ou indiretamente,
detenha a maioria do capital social com direito a voto; o orçamento da Seguridade Social, incluindo todas as entidades
e órgãos a ela vinculados (CF, art. 165, §5.º).
A LOA está adstrita à definição e à consignação de recursos para um determinado exercício financeiro. Seu projeto poderá receber emendas, desde que estas apresentem compatibilidade com o Plano
Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Controle orçamentário
Vários são os mecanismos de controle sobre os orçamentos municipais. A Lei 101 de 4 de maio
de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal – definiu parâmetros de gastos e meios de fiscalização que
ensejam a responsabilidade dos administradores públicos de forma objetiva.
Assim determina a Lei em seu artigo 1.º, parágrafos 1.º e 2.º.
§1.º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre
receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com
pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação
de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
§2.º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Para os municípios, a Lei de Responsabilidade Fiscal determinou parâmetros específicos, mas estabeleceu que o município é equiparado aos demais entes da federação, devendo seguir os parâmetros
estabelecidos inclusive no que diz respeito a despesas com pessoal, conforme segue:
Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período
de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir
discriminados:
I - União: 50% (cinquenta por cento);
II - Estados: 60% (sessenta por cento);
III - Municípios: 60% (sessenta por cento).
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Finanças municipais
Nas despesas com pessoal não serão computados, entre outros, a indenização por demissão de
servidores ou empregados; aquelas relativas a incentivos à demissão voluntária; aquelas referentes aos
inativos, ainda que por intermédio de fundos específicos custeadas por recursos provenientes da arrecadação de contribuições dos segurados, entre outras, conforme estabelece o parágrafo primeiro do
artigo 19 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Além da Lei de Responsabilidade Fiscal, outras leis estabeleceram normas de responsabilização
dos agentes públicos que venham a descumprir os preceitos gerais estabelecidos para a condução e
gestão da administração pública. Nesse sentido é possível citar a Lei Federal 10.028/2000, que, como
afirma Meirelles (2006, p. 296):
[...] referida lei deu tratamento penal para o descumprimento das disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, que
estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal. Ilícitos administrativos praticados no exercício da função pública, no que tange ao controle, aplicação e disponibilidade do Erário, são agora,
considerados crimes, atingindo os maus gestores do dinheiro público.
A Lei 8.429, de 1992, também se refere aos casos de enriquecimento ilícito de agentes públicos,
no exercício de seus mandatos, cargos, emprego ou quaisquer funções na Administração Pública (MEIRELLES, 2006, p. 297).
O controle sobre o orçamento deve ocorrer tanto do ponto de vista da responsabilidade, inclusive
penal dos agentes públicos, quanto do ponto de vista da coerência material das ações. Nesse sentido, o
orçamento municipal deverá estar embasado também no plano diretor do Município, conforme determina o artigo 44 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).
Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea “f” do inciso III do art. 4.º desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da
lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara
Municipal.
Buscou-se, dessa forma, estabelecer um processo de maior transparência nas finanças municipais, com meios que publicizam o orçamento e que o tornam objeto de discussão, tendo em vista que
a Administração Pública deve apresentá-lo à apreciação da população e discuti-lo em audiências e debates públicos. Nesse sentido, as práticas de abertura das discussões orçamentárias dos municípios têm
se difundido, sendo que alguns municípios adotaram como estratégia a participação da população na
definição de prioridades referentes às políticas públicas a serem implementadas em seus respectivos
territórios.
Uma outra característica determinante nos orçamentos municipais diz respeito à integração
entre o plano diretor, principal lei de desenvolvimento dos municípios e os orçamentos. Assim, de
forma articulada se pretende fazer com que o planejamento orçamentário seja coerente com as diretrizes de desenvolvimento definidas nos planos diretores municipais, de forma a torná-los viáveis.
Tributação municipal
A tributação municipal constitui uma das principais fontes de receita dos municípios e, é a partir
da receita municipal que o município, representado pelo Poder Executivo, pode realizar suas obras e
prestar os serviços públicos.
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Finanças municipais
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Conformam também a receita municipal, além dos tributos, os preços e outros ingressos que
podem ser considerados permanentes, como a participação em receitas de impostos estaduais e federais ou, que podem ser compreendidas como eventual situação, está verificada nos financiamentos,
empréstimos, doações, entre outros.
Quanto à tributação, a CF/88 previu a possibilidade de os municípios instituírem e arrecadarem
tributos, considerando que são espécies de tributos o imposto, as taxas e as contribuições.
Os limites ao poder de tributar dos municípios encontram nos princípios gerais um direcionamento,
como é possível observar, por exemplo, em três importantes situações: no Princípio da Legalidade, no
Princípio da Anterioridade e no Princípio da Capacidade Contributiva.
O Princípio da Legalidade pode ser observado no artigo 150 da Constituição Federal que determina que sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
O Princípio da Anterioridade determina que os tributos somente possam ser cobrados no exercício seguinte que os instituiu ou os aumentou, o que pretende garantir maior segurança jurídica
aos contribuintes que não são tomados pela imprevisibilidade da cobrança de novos impostos ou de
mudanças na base de cálculo ou nas alíquotas de tributos já existentes.
Por fim, o Princípio da Capacidade contributiva pretende estabelecer equidade na cobrança dos
tributos, assegurando que a manutenção de vida da população não seja comprometida pela carga
tributária e que o pagamento dos tributos ocorra, considerando-se a diversidade de condições de
renda e patrimônio da população. Nesse sentido, o parágrafo 1.º, do artigo 145 da Constituição Federal
determina:
Art. 145. [...]
§1.º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.
Nesse sentido, os municípios poderão estabelecer isenções, dispensando determinados contribuintes da obrigação de pagamento de determinado tributo. A isenção deve ser justificada e somente terá validade se instituída em lei. A isenção difere-se da imunidade que já está preestabelecida
na Constituição Federal, em que não há incidência de imposto em determinadas situações, como é
o caso da não incidência tributária sobre o patrimônio e a renda entre as pessoas jurídicas de direito
público interno; aos templos de qualquer culto, patrimônio e renda de partidos políticos, sindicatos
de trabalhadores, instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos.
Para além das questões genéricas que limitam o poder de tributar dos municípios, outras limitações, consideradas dirigidas, também devem ser consideradas, como aquelas que tratam do aporte de
recursos para a educação e para a saúde. O artigo 212 da Constituição Federal determina que os municípios aplicarão, necessariamente, nunca menos de 25% da receita resultante de impostos (próprios
e provenientes de transferência) na manutenção e desenvolvimento do ensino, assim como o artigo
198, da também Constituição Federal, estabelece parâmetros para aplicação dos recursos municipais
na área da saúde.
Como é possível verificar existe uma série de regras, consideradas como limitações que tanto podem ser genéricas, aplicadas de forma ampla a todos os entes federados, como limitações que atingem
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Finanças municipais
somente aos municípios. Todas essas limitações não significam perda da autonomia financeira municipal, mas se caracterizam por orientar a efetivação das políticas municipais, que é possibilitada em
grande medida pela arrecadação de tributos, de forma coerente com os princípios e objetivos gerais
da República.
Impostos municipais
Os impostos são espécies de tributos que se caracterizam por apresentar uma obrigação que não
está vinculada a uma contraprestação ou a qualquer atividade estatal específica, conforme define o
artigo 16 da Lei 5.172/66, denominada Código Tributário Nacional.
A CF/88 determinou que a instituição e a arrecadação de determinados impostos devem competir exclusivamente aos municípios. Assim, são considerados impostos municipais: (i) o Imposto
sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), tributo real e direto que incide sobre os bens
imóveis; (ii) o Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que incide sobre as transmissões
de bens referentes aos direitos reais, inclusive sobre os direitos reais de garantia; (iii) e o imposto sobre serviços (ISS), cobrado pelos municípios sobre serviços que estejam previamente estabelecidos
e compreendidos em lei complementar, pela técnica da listagem.
O alcance do IPTU se dá em regra sobre a área urbana do município que pode abranger além do
perímetro urbano, as áreas urbanizadas, as urbanizáveis e as de expansão urbana, conforme estabelece
o artigo 32 do Código Tributário Nacional. São consideradas urbanizadas aquelas áreas que contêm no
mínimo dois dos equipamentos definidos nesse artigo, considerados o meio-fio ou calçamento com
canalização de águas pluviais, abastecimento de água, sistema de esgotos sanitários, rede de iluminação pública, escola primária ou posto de saúde a uma distância de até três quilômetros do imóvel
objeto de incidência do imposto.
Para a melhor arrecadação do IPTU é necessário que os municípios mantenham atualizadas as
suas plantas genéricas de valores que estabelecem o valor venal dos imóveis, tendo em vista a respectiva base de cálculo de cobrança do imposto.
Assim como no caso do IPTU, a base de cálculo do ITBI também se dá a partir do valor venal do
imóvel, ainda que seu fato gerador apresente outra natureza, a transmissão.
Quanto ao ISS, a sua incidência está adstrita à lista de serviços definida em lei complementar,
referente à prestação remunerada de determinada atividade. O local do recolhimento do imposto apresenta como regra geral o da sede da empresa do município, exceção disso, seria a prestação de serviços
relacionada às obras, em que o local do recolhimento é o do município em que se efetiva a realização
do trabalho. A alíquota máxima do ISS está fixada em 5%, enquanto a alíquota mínima é de 2%, prevista
na Emenda Constitucional (EC) 37/2002.
Além dos impostos instituídos e arrecadados pelos municípios, outros de competência federal e
estadual são considerados como impostos partilhados, tendo em vista que o resultado de sua arrecadação é repassado em determinada medida aos municípios.
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Finanças municipais
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Nesse sentido, são considerados impostos partilhados o Imposto de Renda, o Imposto sobre
a Propriedade Territorial Rural (ITR), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA),
o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços
de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI).
Os municípios recebem ainda o Fundo de Participação Municipal (FPM), definido no artigo 159,
inciso I, alínea “b” da Constituição Federal, que é constituído por recursos provenientes da arrecadação
dos impostos de renda e sobre produtos industrializados. Cabe, nesse caso, ao Tribunal de Contas da
União estabelecer os percentuais respectivos a cada município.
Além dos impostos, a formação da receita municipal conta com recursos provenientes de taxas,
contribuições e preços, entre outras receitas que compõem o orçamento municipal. A partir daí é possível estabelecer uma previsão de despesas no orçamento, de forma a melhor equilibrar e gerir os recursos municipais em consonância com as políticas de desenvolvimento traçadas para os municípios em
seus planos diretores e planos plurianuais.
Texto complementar
Limites e possibilidades do orçamento participativo:
para além da retórica
(FRANZESE; PEDROTTI, 2005)
[... ]
O orçamento participativo foi implantado pela primeira vez em Porto Alegre, em 1989, e, ao
longo de 14 anos, passou a fazer parte da realidade orçamentária de 103 municípios brasileiros.
Surgiu com o objetivo de “transferir poder para a classe trabalhadora organizada, que participaria
democraticamente da gestão da cidade e não apenas de quatro em quatro anos por ocasião da
eleição de seus representantes” (TEIXEIRA, 2003, p. 190). Isso significa que as decisões que estão
sendo tomadas dentro da estrutura do orçamento participativo estão afetando milhões de brasileiros e envolvendo outros milhares. Teixeira (2003) mostra que entre 1989 e 1992, o orçamento
participativo (OP) era praticado em 12 municípios brasileiros; entre 1993 e 1997, esse número
ampliou-se para 36; e entre 1997 e 2000, o OP já havia atingido 103 municípios. No entanto, é
uma forma de participação popular, no nível local, que ultrapassou os limites nacionais, passando
a inspirar experiências internacionais, como as do Uruguai (Montevidéu), Argentina (Córdoba),
França (Saint-Demi) e no Peru.
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Finanças municipais
Atividades
1.
Qual o sentido da aplicação dos princípios constitucionais no orçamento público?
2.
São impostos municipais:
a) ITBI, IPI e ICMS.
b) ITBI, IPTU e ICMS.
c) IPTU, ITBI e ISS.
d) IPTU, ISS e ITR.
3.
Os municípios podem aplicar a isenção e definir imunidade na arrecadação de seus tributos?
Explique.
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Finanças municipais
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Gabarito
1.
A maioria simples representa a maioria de votos dos presentes, enquanto a maioria qualificada
representa a maioria de votos dos membros do órgão colegiado. A maioria qualificada pode ser
de metade mais um ou de dois terços.
2.
B
3.
O prefeito é eleito para um mandato de quatro anos em eleições diretas, por sufrágio universal e
voto direto e secreto.
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Finanças municipais
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Prefeitura Municipal e
Câmara de Vereadores
Poderes do município
Ainda que se entendesse de forma geral que o poder do Estado era “uno e indivisível”, há uma
separação formal e de conteúdo dos poderes. A versão clássica do Estado tornou-se dogmatizada na
medida em que sua justificativa apresentava a relevância de se assegurar a liberdade individual dos
cidadãos que só poderia ser realizada por um Estado que se pretendesse equilibrado em relação a três
grandes funções: a de legislar, a de executar e a de julgar. Assim, sem pretensão de modificações estruturais nesse modelo, foram concebidos como poderes de Estado e assumidos pelo Estado brasileiro a
separação de poderes entre: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, conforme determina
a Constituição Federal de 1988 (CF/88) em seu artigo 2 º. :
Art. 2.º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
No Brasil, a separação de poderes originalmente ocorre nas duas esferas, União e Estados, sendo
que são poderes do município, apenas: o Poder Legislativo e o Poder Executivo.
Cada um dos órgãos, representantes desses poderes é independente, do ponto de vista de sua
atuação política e administrativa, ainda que entre eles haja acordo de funções.
Para além da separação dos poderes, o Brasil adotou a forma federativa que descentraliza
decisões de Estado. A partir da CF/88, três esferas federadas foram criadas no Brasil, ainda que haja
polêmica em relação à inserção dos municípios na ideia de federação, tendo em vista que a teoria
original concebia apenas a União e os Estados-Membros como partícipes da federação.
Como descreve Dallari (1993, p. 218-219):
No Estado Federal, as atribuições da União e as das unidades federadas são fixadas na Constituição, por meio de
uma distribuição de competências. Não existe hierarquia na organização federal, porque a cada esfera de poder
corresponde uma competência determinada. [...] Modernamente, tornou-se comum a atribuição de competências
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
concorrentes, ou seja, outorga de competência à União e as unidades federadas para cuidarem do mesmo assunto,
dando-se precedência, apenas, nesse caso, à União. A regra, portanto, no Estado Federal é a distribuição de competências, sem hierarquia. [...]
Assim, partindo-se do entendimento daqueles que acolhem a ideia de que o município também
é ente da federação, a regra da distribuição de competências também é aplicada a este ente.
Assim, a Constituição Federal de 1988, ainda que tenha definido a união indissolúvel de seus
entes, distribuiu competências a cada um deles, tendo todos que respeitar os fundamentos gerais estabelecidos em seu texto conforme descreve em seu artigo 1.o que define:
Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...]”.
E, no Título que trata da organização do Estado, definiu a organização político-administrativa, a
titulação dos bens e as competências de cada ente federado.
Assim, a Constituição Federal estabeleceu em seu artigo 18:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
No caso das competências, o texto constitucional determinou que no que se refere a determinadas matérias poderá haver competência concorrente ou suplementar, como é caso, por exemplo, das
questões referentes ao tema meio ambiente.
Quanto à Administração Pública, a CF/88 definiu que esta ainda pode ser dividida entre direta e
indireta, sendo ambas orientadas pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, o que se aplica aos municípios.
No tocante à representação dos entes federados, definiu-se para os municípios que a representação do Poder Legislativo se dá pelos vereadores e do Poder Executivo pelo prefeito e vice-prefeito. Nesse sentido, o Poder Legislativo é órgão colegiado, enquanto o Poder Executivo é órgão unipessoal.
Órgãos públicos
A Administração Pública se distribui em órgãos públicos para realizar os seus intentos. Assim,
cada unidade de atuação da administração é denominada órgão. E o conjunto dessas unidades forma
a administração direta e indireta.
Em tese, cada órgão cumpre uma função específica não realizada pelos demais, ou seja, cada
órgão apresenta competência específica para a realização de suas atividades. Além disso, os órgãos
são compostos por pessoas e meios materiais que permitem a realização de suas atividades, mas estes não são, em regra, independentes, pois respondem pelas pessoas jurídicas de direito público da
qual fazem parte.
Como afirma Medauar (2003, p. 57):
No desempenho das atividades inerentes a sua competência o órgão atua em nome da pessoa jurídica de que faz
parte. Ele próprio não é dotado de personalidade jurídica, portanto, perante o ordenamento jurídico, não se apresenta
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
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como sujeito de direitos e obrigações por si próprio; a atividade do órgão e seus efeitos no mundo jurídico são imputados à pessoa jurídica da qual faz parte.
São considerados órgãos públicos, por exemplo, as secretarias que compõem o Poder Executivo,
os departamentos etc.
A classificação dos órgãos públicos é apresentada de forma diferente entre os autores, assim, adotaremos aqui a classificação de Medauar (2003, p. 57-59) que classifica os órgãos públicos em relação à
hierarquia, ao tipo de atividade e ao número de pessoas e seu poder decisório.
A primeira classificação que divide os órgãos públicos em relação à hierarquia determina que
existam órgãos superiores e órgãos subordinados. Essa diferenciação estabelece o grau de responsabilidade e competência para a tomada de decisões. Podem dois órgãos apresentar o mesmo nível hierárquico, como é o caso das várias secretarias de uma Prefeitura; nesse caso, não há que se falar em
hierarquia formal entre esses órgãos, o que deve acontecer é a coordenação entre suas atividades para
que não ocorra sobreposição de atividades e de decisões.
A segunda classificação trata do tipo de atividade que cada órgão realiza e, nesse sentido, a autora
divide os órgãos em três espécies, aqueles em que a atividade predominante é a decisória, os órgãos
com atribuições preparatórias, aqueles que apresentam atribuições, em regra, executórias, os órgãos
que apresentam caráter mais técnico e, por fim, aqueles que são denominados órgãos burocráticos que
só realizam tarefas administrativas.
Quanto ao número de pessoas e seu poder decisório, os órgãos públicos podem ser divididos entre aqueles considerados singulares e aqueles que são órgãos colegiados. No caso dos órgãos
singulares apenas uma pessoa toma a decisão, ainda que isso se estabeleça apenas formalmente.
Mas a responsabilidade e a formalidade indicam apenas a obrigatoriedade de determinada pessoa
responder pelas atividades do órgão. No caso dos órgãos colegiados, as decisões são tomadas por
várias pessoas, assim, a responsabilidade é compartilhada por todos, não havendo responsabilização
individual.
Nesse caso, define-se apenas uma representação, que normalmente é denominada presidente e
a forma de decisão dos membros do colegiado.
Como descreve Medauar (2003, p. 58):
como as decisões dos órgãos não decorrem de manifestação individual, para seu funcionamento devem ser fixadas
normas sobre quórum, ou seja, normas referentes ao número de membros suficiente para haver reunião ou sessão,
para haver deliberação, número de membros necessário à tomada de decisões de maior relevo etc. (quórum de sessão, quórum de deliberação). Por sua vez, o quórum vem quantificado mediante a chamada maioria.
Em relação aos quoruns, ainda é possível diferenciá-los em relação à necessidade de sua composição para se tomar decisões. Dessa forma, as decisões podem ser tomadas por maioria simples, que considera aqueles que estão presentes e são votantes, por maioria qualificada, que considera o número dos
integrantes do colegiado, nesse caso pode haver maioria absoluta, considerando o número de membros
do colegiado, se decide com o número referente à metade do número de votos dos membros mais um.
Ou, ainda, pode-se definir como maioria de dois terços, considerado, então, o número de dois terços de
membros do colegiado.
Nesse sentido, pode-se perceber que segundo este último critério de classificação, o Poder Executivo é um órgão singular, tendo em vista a decisão realizada pelo prefeito, e o Poder Legislativo é órgão
colegiado, que define em lei a definição de seus quoruns, de acordo com a matéria a ser votada.
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
Poder Executivo Municipal
O município é considerado pelo Direito como pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo prefeito e vice-prefeito, sendo o primeiro o chefe do Poder Executivo Municipal.
Como lembra Castro (2006, p. 159):
O cargo de Prefeito foi instituído no Brasil, pela primeira vez, na Província de São Paulo, em 11 de abril de 1835, como delegado do Executivo e de nomeação do Presidente da Província. Um século depois, é o Prefeito consagrado como instituição
municipal na Constituição de 1934, art. 13, I, como Chefe do Executivo do Município, consoante o é até hoje.
Mantida, então, desde 1934 a titularização do prefeito como autoridade suprema da Administração Municipal. Assim, o município é a pessoa jurídica, a prefeitura é o órgão executivo e o prefeito é o
chefe do órgão e seu agente político.
Como explica Meirelles (2006, p. 707)
A Prefeitura é o órgão pelo qual se manifesta o Poder Executivo do Município. Órgão independente, composto, central
e unipessoal. Independente por não hierarquizado a qualquer outro; composto porque integrado por outros órgãos
inferiores; central porque nele se concentram todas as atribuições do Executivo, para serem distribuídas a seus órgãos
subordinados; unipessoal, ou singular, porque atua e decide através de um único agente, que o chefia e o representa: o
prefeito. Assim, a administração centralizada ou direta do Município é realizada pela Prefeitura e seus órgãos subordinados; e a administração descentralizada ou indireta o é pelas entidades autárquicas, fundacionais e empresas estatais
a ela vinculadas e supervisionadas pelo prefeito, na forma da legislação local.
A administração direta dos municípios é definida por este próprio ente, tendo em vista que a
CF/88 determinou a sua autonomia política.
Assim, será a Lei Orgânica Municipal que fará constar como se organizará o município internamente, do ponto de vista de sua estruturação administrativa.
A estrutura administrativa deve ser compatível com a complexidade e com as características do
município, a saber, em regra, quanto maior o município, do ponto de vista de sua população, e mais
diversificadas as atividades realizadas em seu território mais complexo será, o que demandará uma
estrutura adequada às atividades que devem por este ente ser realizadas.
O prefeito é o responsável pela coordenação dessa estrutura, inclusive com a atribuição de definir
os responsáveis para assumir cargos e funções na administração direta e indireta.
Elegibilidade
O prefeito do município é representante eleito pela população, conforme lembra Meirelles (2006,
p. 713):
A investidura no cargo de prefeito dá-se por eleição (art. 29, I, da CF). A eleição só poderá realizar-se por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, uma vez que o sistema eleitoral vigente não abre exceção para o chefe do Executivo
Municipal, que incide, assim, na norma geral do art. 14 da CF.
As eleições ocorrem em todo país no primeiro domingo de outubro, no ano anterior ao término
do mandato do prefeito em exercício.
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
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Nos municípios com mais de 200 mil eleitores, se nenhum dos candidatos à eleição conseguir
maioria absoluta, haverá segundo turno com os dois candidatos mais votados. Sendo que essa eleição
deverá ocorrer em 20 dias da data do resultado do primeiro turno.
Será considerado eleito o candidato que apresentar a maioria dos votos válidos, para um mandato
estabelecido de quatro anos.
Como determina o inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal, o prefeito eleito e seu respectivo
vice-prefeito tomam posse no dia 1.º de janeiro do ano subsequente ao ano da eleição.
Antes da posse serão verificadas as incompatibilidades e os impedimentos para o exercício do
cargo. Verificando-se qualquer uma dessas situações, o prefeito deverá resolver as incompatibilidades
para somente a partir daí iniciar o exercício do seu mandato.
Quanto ao critério para a elegibilidade, as regras são as mesmas para os vereadores e para os prefeitos com exceção da idade mínima, que para os prefeitos é determinada em 21 anos.
Atribuições do prefeito
O prefeito municipal tem atribuições políticas e administrativas relativas à natureza de seu cargo.
Em relação às atribuições políticas, o prefeito deverá definir as políticas públicas gerais para o
município, e ainda como define Meirelles (2006, p. 720):
As atribuições políticas consubstanciam-se em atos de governo, inerentes às funções de comando do Executivo, e se
expressam na condução dos negócios públicos locais; no planejamento das atividades, obras e serviços municipais; na
apresentação de proposições e projetos de lei à Câmara de Vereadores; na sanção, promulgação e veto de projetos de
lei; na elaboração da proposta orçamentária; na expedição de decretos regulamentares e demais atuações de caráter
governamental. [...]
Quanto às atribuições relativas às questões administrativas, estas se consubstanciam na execução daquilo que a legislação determina e nas atividades que são meio de realização das atividades-fim.
O prefeito tem como atribuição a administração do patrimônio municipal; assim como deve elaborar e executar o orçamento municipal, deve zelar pela arrecadação, guarda e aplicação da receita municipal, deve planejar, organizar, dirigir (orientar, comandar), coordenar e controlar as obras e serviços
do município.
Por fim, além de outras atribuições, que não são definidas de forma taxativa, o prefeito age por
iniciativa própria na definição da condução político-administrativa da Prefeitura Municipal, respeitadas
as determinações da Lei, presta contas à Câmara de Vereadores de seus atos, assim como aos Tribunais
de Contas estaduais e federais, quanto à gestão dos recursos financeiros.
O prefeito que não cumprir com suas responsabilidades poderá responder por crime de responsabilidade, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Estatuto da Cidade.
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
Câmara de Vereadores
A Câmara de Vereadores é o órgão legislativo do município. É considerada como um dos órgãos
municipais mais antigos do Brasil, pois foram reguladas inicialmente pela Constituição Imperial.
Tal órgão não está adstrito às decisões do prefeito, apresentando autonomia tanto em suas decisões políticas como as afeitas às questões administrativas.
É órgão colegiado em que as deliberações são realizadas em Plenário, presididas pela Mesa. A
Câmara elege um presidente para representá-la externamente e para cumprir com determinadas funções estabelecidas por ela. É importante ressaltar que o presidente da Câmara só a representa, pois a
representação do município caberá apenas ao prefeito e na sua ausência ao vice-prefeito.
A Câmara é composta por vereadores que, uma vez eleitos por voto secreto e direto, assumem o
papel de representantes políticos. Os vereadores não são considerados funcionários públicos, havendo
um regime específico para eles, sendo que a equiparação só ocorre para efeitos criminais.
Como a Câmara é órgão colegiado por excelência, os vereadores não agem individualmente a
não ser quando propõem medidas, mas quem delibera é a Câmara em Plenário.
Assim, os vereadores se reúnem em sessões que em regra são públicas e que podem ter o caráter
de sessões ordinárias, extraordinárias e solenes. As sessões ordinárias são realizadas para trabalhos de
rotina, enquanto as sessões extraordinárias são realizadas para trabalhos que apresentem urgência, ou,
ainda, a Câmara pode ter sessões solenes quando são convocadas em virtude de alguma homenagem
ou comemoração.
Como lembra Meirelles (2006, p. 646), “com exceção das sessões solenes, nas demais o comparecimento é obrigatório, e por suas faltas poderá perder o mandato, se assim dispuser a Lei Orgânica do
Município.”
A principal atribuição da Câmara é a elaboração e votação das leis.
Como descreve Meirelles (2006, p. 604):
A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe
nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada
nem aplica as rendas locais, apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o
Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito.
Assim são distribuídas as funções legislativas e executivas nos municípios. O vereador tem, portanto, como principal atribuição a apresentação de projetos de lei.
No caso do poder legislativo municipal, a elaboração de leis está restrita, no que se refere ao seu
conteúdo a tratar de questões de âmbito e interesse municipal. E, para além da elaboração das leis,
são também funções da Câmara: fiscalizar o governo local, assessorar o Poder Executivo (através de
atos de mera colaboração não vinculantes) e administrar suas próprias atividades (controle realizado
pelo tribunal de Contas e pode ser levado ao Poder Judiciário), autorizar a efetivação de empréstimos
pelo Poder Executivo, criar as regras para as concessões de serviços públicos, autorizar a alienação de
imóveis, autorizar convênios e consórcios, autorizar a isenção de tributos, aprovar o plano diretor, fixar
o subsídio dos vereadores, do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais.
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
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Por fim, a participação do vereador nos trabalhos da Câmara se configura, como explica Meirelles (2006, p. 619), em um direito-dever: “é direito individual resultante de sua investidura no mandato;
é dever público para com a coletividade que o elegeu como seu representante [...].”
O vereador, assim, como o prefeito, tem suas responsabilidades preestabelecidas e, diante da sua
omissão ou atuação, pode ser chamado a responder por crime de responsabilidade.
Vereadores
Os vereadores são eleitos para um mandato de quatro anos, dentro das regras estabelecidas pela
legislação para o sistema partidário e de representação.
O início do mandato se dá com a tomada de posse, considerada como mero ato administrativo e qualquer situação relativa à verificação de impedimentos ou incompatibilidades, como lembra
Meirelles (2006, p. 622), deve ser resolvida pela Câmara Municipal, de acordo com as previsões da
Lei Orgânica do Município, que poderá prever, além das atribuições, também as possibilidades de
incompatibilidade. Tais questões somente poderão ser revistas, se não resolvidas na própria Câmara
na Justiça Comum.
Por fim, o número de vereadores está relacionado à população e a sua eleição está condicionada ao sistema proporcional como determina o inciso IV, do artigo 29 da CF/88.
Art. 29.
IV - número de Vereadores proporcional à população do município, observados os seguintes limites:
a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos municípios de até um milhão de habitantes;
b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos municípios de mais de um milhão de habitantes e menos
de cinco milhões de habitantes;
c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos municípios de mais de cinco milhões de habitantes [...].
Assim, a CF/88 estabeleceu que os municípios podem ter em seu quadro entre nove e cinquenta
e cinco vereadores de acordo com o tamanho da sua população.
Lei Orgânica do Município
A Lei Orgânica é a principal lei do município. Essa lei organiza o processo legislativo, determinando as matérias de competência privativa do município e estabelecendo o processo legislativo. De
acordo com o artigo 29 da Constituição Federal:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos [...]
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
Os limites da Lei Orgânica, tanto do ponto de vista do conteúdo como de sua forma, estão estabelecidos na Constituição Federal e nela própria, tendo em vista que somente pode ser modificada por
processo idêntico que a criou.
Essa Lei, ao contrário das demais, não depende da sanção do Poder Executivo, mas o Poder
Executivo poderá propor emendas à Lei Orgânica.
Texto complementar
300 anos: Câmara Municipal de Curitiba, 1963-1993
(PEREIRA, 1993)
[...]
Para entendermos as funções que as câmaras municipais passam a desempenhar no Brasil
República, é necessário, primeiro, reter sua fundamental transformação. Ainda durante o Império,
vigorava a tradição portuguesa de concentração de funções legislativas e executivas pelas Câmaras.
Com a República, a função executiva foi confiada a uma outra instituição, o Prefeito ou a Prefeitura
Municipal.
Devemos considerar também a regulação externa a que os trabalhos das câmaras estavam
submetidos. Desde as provisões dos ouvidores gerais, as vereanças sempre estiveram circunscritas
ao espaço que os governos centrais estabeleciam. Com a Constituição de 1891, coube aos estados
o estabelecimento de normas básicas para a organização municipal. Tal atribuição foi exercida através de um tipo especial de lei, as Leis Orgânicas dos Municípios, que discriminavam as atribuições
municipais e o modo de exercê-las. Eram leis que abrangiam o conjunto dos municípios de cada
estado. No Paraná, a Lei complementar 2, de 18/06/73, previa que o município de Curitiba deveria
elaborar a sua própria Lei Orgânica.
Desde a primeira constituição republicana, procurou-se garantir aos municípios a sua autonomia em questões de seu peculiar interesse. Tal autonomia deveria ser exercida em termos políticos
– eleição de vereadores e de prefeitos – financeiros – instituição de impostos e taxas e aplicação de
suas receitas – e em termos administrativos – organização e administração dos serviços públicos
locais. No interior dessa organização aparecem as câmaras municipais e as prefeituras municipais.
As câmaras tinham competência legislativa, política-administrativa e de fiscalização, submetidas
a preceitos legais emanados de legislação federal e estadual, e de Leis Orgânicas Municipais próprias.
Atendendo a esse conjunto de leis, as câmaras municipais se organizariam através de seus
Regimentos Internos:
Art. 1.º A Câmara Municipal de Curitiba se comporá de 12 Camaristas, cujo mandato durará 4 anos, conforme determina a Lei 20, de 30 de maio de 1897.
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
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Art. 3.º Para seu funcionamento elegerá uma Mesa composta de Presidente e Vice-Presidente. Na falta destes serão
as sessões presididas pelo Camarista mais votado que estiver presente.
Durante a República Velha, do ponto de vista político-institucional, a Câmara conseguira reter boa
parte de seus poderes, por ter mantido sob seu controle a elaboração e a execução do orçamento do
município. As despesas e serviços eram pagos diretamente pela Câmara, inclusive o salário do prefeito.
Foi a partir do Estado novo que se tornou visível o crescimento da competência político-administrativa, e também legislativa, dos poderes executivos nos três níveis, federal, estadual e municipal. A Constituição de 1937 dispunha que os projetos de lei do Poder Legislativo deveriam ter caráter genérico quanto à substância e aos princípios das matérias, cabendo ao executivo regulamentar
a sua execução. Importante é mencionar que em duas oportunidades, 1930 e 1937, os regimes de
exceção decretaram a dissolução das câmaras municipais, atribuindo aos prefeitos, nomeados pelos interventores, incumbências legislativas.
Mesmo após a volta da normalidade constitucional, o executivo manteria tal prerrogativa em
alguns assuntos. O Regimento Interno de 1955, da Câmara Municipal de Curitiba, explicita que o
Poder Executivo também poderia apresentar projetos de lei.
Atividades
1.
Quanto à composição e votação relativa aos quoruns, explique a diferença entre maioria simples
e maioria qualificada.
2.
Sobre os órgãos é correto afirmar:
a) Eles têm personalidade jurídica própria.
b) Eles atuam em nome de uma pessoa jurídica de direito público.
c) Eles não apresentam competência específica.
d) São sempre independentes quanto às decisões.
3.
Explique como se dá as eleições para prefeito, indicando o tempo de mandato.
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Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores
Gabarito
1.
A maioria simples representa a maioria de votos dos presentes, enquanto a maioria qualificada
representa a maioria de votos dos membros do órgão colegiado. A maioria qualificada pode ser
de metade mais um ou de dois terços.
2.
B
3.
O prefeito é eleito para um mandato de quatro anos em eleições diretas, por sufrágio universal e
voto direto e secreto.
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Bens municipais
Breve histórico dos bens públicos no Brasil
A definição de bens públicos adotada atualmente não é equiparável à forma que se entendia por
patrimônio e domínio público no início da colonização brasileira.
As ordenações do reino vigoraram por tempo suficiente no Brasil para indicar, durante longo
período, um determinado olhar sobre o que era público e o que era privado. Nesse sentido, por longos
anos o espaço público, entendidos aí os bens em si e aqueles acessórios que os compunham, foi compreendido como a extensão do espaço privado.
Como narra Medauar (2003, p. 259),
No Brasil, no período colonial havia a seguinte distinção: a) bens reais, pertencentes ao rei; b) bens da coroa, que o rei
administrava; c) bens fiscais, oriundos de impostos, multas, foros, pertencentes ao erário.
No período imperial, sob influência francesa, surgiu a tripartição: domínio do Estado, domínio da Coroa, domínio público.
Assim, é possível perceber que o espaço ou o patrimônio público, ainda que totalmente submetido
à Coroa, passam a ter alguma independência conceitual somente a partir da Constituição Imperial de
1824 e da Lei de Terras de 1850, inclusive tratando das terras devolutas.
Em 1916, com o advento do Código Civil, e com a complexificação das relações estabelecidas no
país, surge a necessidade de se dar tratamento específico aos bens considerados como públicos. Assim,
o Código estabelecerá uma classificação de bens que é seguida até nossos dias, pela manutenção no
Novo Código Civil, dos mesmos dispositivos que definiram concretamente a existência e a regulação
dos bens públicos.
A necessidade de se regular os bens públicos e o espaço público foi amplamente demandada
pelos movimentos de reforma urbana e pela sociedade civil organizada no período da redemocratização, no sentido de se criar melhores condições de vida nas cidades, a partir da construção de uma
esfera pública de bens que propiciasse uma esfera coletiva de decisão sobre aquilo que extrapola os
limites do particular. Ainda que se entenda que os bens em geral apresentam uma dimensão coletiva,
os bens públicos, por excelência, estão voltados à concretização das questões de âmbito coletivo.
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Bens municipais
Bens públicos
O Direito Civil trata dos bens, entendendo-os como objeto das relações jurídicas que ocorrem
entre sujeitos. De acordo com Gonçalves (2003, p. 235), “bens, [...], são coisas materiais, concretas, úteis
aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apropriação, bem como as de existência imaterial
economicamente apreciáveis.”
A titularidade desses bens pode ser, de acordo com o direito brasileiro, pública ou particular, sendo que o Código Civil regula a diferenciação entre essas duas possibilidades.
Assim, a regra geral estabelecida pela Legislação é a de que os bens serão considerados privados
sempre que não estiverem sob o domínio público. Nesse sentido o Código Civil, em seu artigo 98, determina que
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos
os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
A expressão domínio público pode abranger bens que não estão sob a titularidade do Poder Público, mas que por certo tempo estão sob seu domínio por atenderem a uma determinada atividade da
Administração Pública.
De acordo com Bandeira de Mello (2006, p. 867) os “[...] bens particulares quando afetados a uma
atividade pública (enquanto o estiverem) ficam submissos ao mesmo regime jurídico dos bens de propriedade pública. Logo, tem que estar incluídos no conceito de bem público.”
Contrariando tal entendimento, Justen Filho (2005, p. 702) interpreta o artigo 98 do Código Civil
de forma mais restritiva, assim, para o autor
[...] os bens de propriedade de particulares, mesmo que afetados à satisfação de necessidades coletivas e submetidos
parcialmente ao regime de direito público, não se transformam em bens públicos. [...]
Os bens públicos são de titularidade de uma pessoa integrante da Administração Pública estatal.
O que significa dizer que, para o autor, os titulares do bem público somente podem figurar entre
as pessoas jurídicas de direito público interno, a União, os Estados, o Distrito Federal, os municípios, as
Autarquias, as Fundações de direito público.
Considerando as formas apresentadas de se conceituar bens públicos, é possível dizer que os
critérios de diferenciação entre os bens estão relacionados a três elementos: a titularidade, a destinação e a administração. E, para efeitos desse estudo, entender-se-á aqui que uma vez gravado com
uma finalidade pública e administrado por uma pessoa jurídica de direito público interno, o bem será
considerado de domínio público.
Os bens públicos aqui denominados são os que apresentam titularidade pública e seus equivalentes, postos sob o domínio público, que apresentam um regime jurídico diferente daquele estabelecido para a propriedade privada. O vínculo estabelecido nesse caso entre o Poder Público e o bem, obedece a regime de natureza administrativa e a vinculação está relacionada a um dever de manutenção
de continuidade e regularidade no que concerne à sua destinação.
De acordo com o entendimento de Medauar (2003, p. 260)
Os bens públicos devem ter destinação que atenda ao interesse público de modo direto ou indireto. A afetação,
explícita ou tácita, atribui destinação específica ao bem. Sobre tais bens incidem predominantemente preceitos do
direito administrativo, que forma um regime de direito público, diferente do regime aplicado aos bens pertencentes
a particulares.
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Bens municipais
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Pelos motivos apresentados no que se refere às regras que definem e que regem os bens públicos, de atendimento de necessidades que se expressam como públicas e coletivas, pelo regime de
afetação que define destinação específica para o bem, pela titularidade de seu proprietário, pelo regime
jurídico que incide sobre estes, os bens públicos podem ser diferenciados dos bens privados de forma
a se tratar de uma outra categoria que apresenta uma finalidade pública de dimensão necessariamente
e regularmente coletiva.
Classificação dos bens públicos
A partir da consideração de que os bens são públicos ou que estão sob o domínio público
se estabelece uma classificação que trata da destinação dos bens. Assim, mesmo os bens públicos
atendem a interesses de finalidades específicas diversas, havendo, portanto, mais de uma espécie
de bem.
A classificação dos bens públicos foi estabelecida no artigo 99 do Código Civil, como se pode
verificar a seguir:
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal,
estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito
pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas
de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
Essa classificação é realizada de acordo com a destinação do bem. Assim, os bens de uso comum
do povo são aqueles de uso coletivo irrestrito, toda a população pode exercer o direito de utilizar o bem,
desde que observada a sua destinação. São exemplos de bens de uso comum do povo, os apontados
pelo Código Civil como rios (de domínio público, por exemplo, os rios navegáveis), mares, praias, ruas e
demais vias públicas, consideradas também as rodovias, as praças, o meio ambiente.
Ainda, como lembra Justen Filho (2005, p. 710), os bens de uso comum podem apresentar natureza imobiliária e mobiliária. Em regra, o uso é gratuito, mas sua utilização pode vir a ser remunerada
como no caso dos pedágios.
Os bens de uso comum também podem ser utilizados de forma compatibilizada com várias
outras atividades, como chama a atenção Medauar (2003, p. 263), para o uso relativo a atividades de
expressão popular, como as passeatas, os comícios, as festas populares e algumas atividades econômicas, como feiras e bancas de jornal e revistas.
Os bens de uso especial, também denominados de “patrimônio administrativo”, como afirma Meirelles (2006, p. 301), são caracterizados por apresentarem destinação específica relativa ao desempenho
dos serviços públicos. Nesse caso, a utilização dos bens está restrita aos usuários dos serviços demandados nestes locais. São exemplos de bens de uso especial as escolas, os hospitais, os museus, as bibliotecas, os edifícios das repartições públicas, entre outros.
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Bens municipais
Os bens dominiais ou dominicais são entendidos como bens do patrimônio disponível do Estado, pois não apresentam uma destinação que comporte a utilização pública generalizada, como no
caso dos bens de uso comum, nem tampouco de utilização específica, como é o caso dos bens de uso
especial.
Nesse caso o Estado é proprietário tal como o proprietário em geral, ainda que seja mantido
sob o regime de direito público, sem aplicação específica de uso, em que a apropriação e o benefício
da utilização, que pode ser até econômica, ocorrem pelo próprio Poder Público. São exemplos de
imóveis dominiais: imóveis que são entregues em pagamento de dívidas com o Fisco, imóveis que
são abandonados, terras devolutas, que são aquelas terras que não são utilizadas pelo Poder Público,
alguns imóveis que compreendem o patrimônio das autarquias ou de prestadoras de serviço público,
os terrenos de marinha, o dinheiro, os cofres públicos, entre outros.
Por fim, no que se refere à classificação, a destinação dos bens públicos está em grande medida
determinada pela sua afetação, o que significa dizer, pela atribuição específica estabelecida a cada bem
público. Tal instituto, como define Medauar (2003, p. 265), pode ocorrer de forma explícita ou implícita.
Entre os meios de afetação explícita estão a lei, o ato administrativo e o registro de projeto de loteamento (lei 6.766/79,
arts. 17 e 22). Implicitamente a afetação se dá quando o Poder Público passa a utilizar um bem para certa finalidade
sem manifestação formal, pois é uma conduta que mostra o uso do bem. Exemplo: uma casa doada onde foi instalada
uma biblioteca infantil.
A desafetação do bem pode decorrer de lei ou de ato próprio do Poder Executivo. Esse instituto
apresenta por definição a alteração da destinação do bem público.
Regime jurídico dos bens públicos
Quanto ao regime jurídico dos bens públicos, é possível dizer que estes apresentam três características fundamentais: a inalienabilidade, conforme preveem os artigos 100 e 101 do Código Civil; a
impenhorabilidade, conforme artigo 648 do Código de Processo Civil, e a imprescritibilidade, de acordo
com o artigo 102 do Código Civil.
A inalienabilidade é uma regra geral que acompanha os bens públicos, que determina que os
bens sejam indisponíveis, o que significa dizer que estes não podem ser vendidos, doados ou transferidos a qualquer título a terceiros.
Tal regra não pode ser lida de forma absoluta, pois os bens dominiais em regra são disponíveis,
portanto, alienáveis, e os demais bens, uma vez desafetados e modificada a sua destinação, podem vir
a ser alienáveis.
Assim define o Código Civil
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua
qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
De qualquer forma, havendo alienação dos bens públicos esta seguirá rito específico conforme
determina a Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) e desde que justificado o interesse público e procedida à
avaliação do bem.
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A outra característica presente nos bens públicos é a imprescritibilidade, que está disposta no
artigo 102 do Código Civil, que determina que os bens públicos não sejam passíveis de usucapião. Essa
mesma questão figura no texto constitucional, no parágrafo terceiro do artigo 183 e no parágrafo único
do artigo 191, conforme segue:
Art. 183. [...] §3.º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”] Ainda, a Súmula 340 do Supremo Tribunal
Federal confirma esse preceito.
O significado dessa afirmação diz respeito ao não reconhecimento de propriedade de um particular
pelo tempo decorrido de posse, ainda que esta seja considerada como justa, de boa-fé, mansa e pacífica.
Quanto à impenhorabilidade dos bens públicos, significa que ainda que o Poder Público realize
despesas e que estas não sejam cumpridas no prazo estabelecido em contrato, o particular não poderá
requerer a execução forçada, de forma a que se indiquem bens públicos à penhora, pois os bens públicos são impenhoráveis.
Nesse sentido, estabelece o Código de Processo Civil que determina
Art. 648. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
Assim, como os bens públicos são considerados impenhoráveis, e inalienáveis, por extensão, tornam-se também impedidos de serem utilizados como direito real de garantia, a saber, não podem ser
gravados com hipoteca, penhor ou anticrese, conforme define o artigo 1.420 do Código Civil.
Outras duas características dos bens públicos são: o dever de cuidado e fiscalização da Administração Pública sobre tais bens e a imunidade de imposto, tendo em vista que, de acordo com o artigo
150 da Constituição Federal, está vedada a instituição de impostos sobre o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público interno, no que se refere à cobrança de um ente em relação ao outro.
Bens municipais
Os bens municipais se caracterizam por serem espécie do gênero bens públicos. A sua administração compete ao município, tendo em vista a determinação do artigo 30, inciso I, da CF/88, que trata
do interesse local.
Nesse sentido, cabe ao município duas funções essenciais em relação aos seus bens públicos: a
administração, representada no poder de utilização e conservação dos bens, sem a necessária autorização do Poder Legislativo e a disponibilidade, oneração ou aquisição de bens que prescinde de autorização da Câmara de Vereadores, ou seja, da necessidade de lei que autorize e de licitação.
De acordo com Meirelles (2006, p. 306), outra questão que diz respeito aos bens municipais é a
necessidade de seus devidos cadastramentos.
Outro preceito de obrigatória observância na administração dos bens municipais é o cadastramento, assim entendidos
o registro e a identificação de seus móveis e imóveis, bem como as anotações de estoque dos materiais e coisas fungíveis utilizados em suas repartições e serviços.
Para além dessas questões, os bens municipais assumem o mesmo regime jurídico de todos os
demais bens públicos.
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Bens municipais
Utilização de terceiros
Em algumas situações os bens são públicos, mas são aproveitados ou de forma particular, ou o
particular administra a utilização pública. Nesse sentido, Medauar (2003, p. 268) lembra os pressupostos
de utilização de bens públicos por particulares, que deve atender aos seguintes requisitos:
::: compatibilidade com o interesse público, o que significa dizer que o uso exercido pelo particular não poderá contrariar interesse público;
::: deve apresentar o consentimento da Administração Pública;
::: deve observar as condições definidas pela Administração Pública;
::: a cessão poderá ser onerosa;
::: a cessão é, em regra, precária, pois a Administração pode cancelar unilateralmente a cessão do
bem público, ainda que a retomada do bem fora dos prazos e dos requisitos estabelecidos em
contrato possam ensejar o pagamento de indenização.
Os instrumentos utilizados para o aproveitamento dos bens públicos por particulares são a autorização de uso, a permissão de uso, a concessão de uso, a concessão de direito real de uso, o direito de
superfície, a concessão especial de uso para fins de moradia e a cessão de uso.
No caso da autorização de uso e da permissão de uso, tais institutos se configuram como ato
precário e discricionário em que a Administração consente que um particular exerça alguma atividade
temporária aproveitando um bem público. Esses institutos dependem apenas de uma autorização do
prefeito municipal, que pode ser revogada a qualquer tempo sem ônus para o município.
A autorização é ato do prefeito que pode ser dada e retirada a qualquer tempo. No caso da permissão, em regra esta deverá ser precedida de licitação.
No caso da concessão de uso, estabelece-se um contrato administrativo, realizado com um particular que utilizará o bem de forma exclusiva, conforme a destinação e a exploração definida no contrato. Esse instituto apresenta maior estabilidade e pode ser gratuito ou remunerado, por tempo certo ou
indeterminado. Como exemplo, ocorre a concessão de uso para as bancas de jornal.
Por fim, a concessão de uso não deve ser confundida com a locação ou com o comodato, pois
esses institutos são regulados pelo direito privado.
Aquisição de bens
Para que o município realize suas finalidades de atendimento ao interesse público é necessário
que adquira bens que possibilitem a realização de suas atividades e que tais bens sejam devidamente
incorporados ao patrimônio público municipal.
Como lembra Meirelles (2006, p. 333), a aquisição de bens pelo município pode ocorrer de forma
contratual, com a utilização dos institutos jurídicos dispostos no direito privado, como a compra e venda,
a doação, que como lembra Castro (2006, p. 220), não deve apresentar encargos, a dação em pagamento; podem ser adquiridos ainda, por desapropriação, inclusive no caso previsto pela Constituição Federal de descumprimento da função social da propriedade, ou adjudicação; podem ser fruto da divisão
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de gleba em loteamento, no que concerne às áreas públicas, conforme preceitua a Lei 6.766/79 – Lei
Federal de Parcelamento do Solo Urbano; pode se dar pela concessão de domínio de terras devolutas
e, por fim, pode ocorrer pelo recente instituto jurídico da arrecadação de imóveis abandonados, conforme preceitua o artigo 1.276 do Código Civil, com vistas também a fazer cumprir a função social da
propriedade.
A regra geral que se estabelece para aquisição onerosa de imóveis é que se proceda à lei que autorize a aquisição, assim como a avaliação prévia do bem, objeto de compra. Também é necessário que
haja previsão orçamentária para a aquisição de bens.
Alienação de bens municipais
O município poderá em determinadas situações querer se desfazer, alienar os seus imóveis. Para
isso, é necessário que sejam satisfeitas as exigências administrativas referentes à transferência dos bens.
Tais requisitos seguem a mesma lógica da aquisição de bens, ou seja, a lei autorizativa, a licitação e a
avaliação do bem que será objeto da alienação.
A Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) determina em seu artigo 17 os procedimentos referentes aos
bens imóveis e aos bens móveis respectivamente e os institutos passíveis de serem utilizados na alienação de bens, entre eles a venda; a doação; a permuta; a dação em pagamento; a investidura, que é a área
pública que deve ser incorporada ao terreno particular como forma de retificação de alinhamento dos
terrenos; a concessão de domínio e a legitimação de posse, relativamente às terras devolutas.
Os bens públicos que se encontrarem afetados por determinada destinação deverão passar por
processo de desafetação para que sejam devidamente alienados.
Por fim, os instrumentos que formalizam a transmissão dos bens públicos, assim como para os
bens privados são: a escritura pública e o registro imobiliário.
Proteção dos bens municipais
A CF/88, buscando assegurar os meios de a população controlar a utilização e a transmissão dos
bens públicos, garantiu em seu artigo 5.º, inciso LXXIII, a qualquer cidadão a legitimidade para propor
ação que tenha por objetivo impedir ou anular ato lesivo ao patrimônio público. Essa ação é denominada ação popular, conforme segue:
Art. 5.º [...]
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Nesse sentido, a Constituição Federal recepcionou a Lei 4.717/65, que especifica os conteúdos
e os procedimentos da ação popular. Tal legislação define que a ação será proposta contra qualquer
pessoa, pública ou privada e as demais entidades que estão expressas na lei. Poderão configurar ainda,
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Bens municipais
no polo passivo da ação, as autoridades, servidores públicos e administradores que tenham autorizado,
aprovado, ratificado o ato objeto de impugnação, ou que pela sua omissão tenham possibilitado a lesão
ao patrimônio público, incluindo, não sem razão, aqueles que se beneficiaram diretamente das ações ou
omissões referente à lesão ao patrimônio público.
O Ministério Público apresenta papel fundamental nessas ações, tendo em vista que este age no
sentido de acompanhar e de promover a responsabilização civil ou criminal dos agentes causadores
do dano.
Quanto aos resultados da ação, no caso dessa ser julgada procedente, ou seja, havendo verificação de que houve lesão ao patrimônio público, será decretada a invalidade do ato objeto de impugnação e a condenação ainda se voltará ao pagamento de perdas e danos ocorridos em decorrência das
manifestações lesivas. Assim, a parte condenada deverá restituir, quando possível, os bens ou senão os
valores, ficando seu patrimônio sujeito a sequestro ou penhora, a partir do momento em que ocorrer a
prolação da sentença condenatória.
De acordo com o artigo 15 da Lei 4.717/65, a punição poderá ser mais grave:
Art. 15. Se, no curso da ação, ficar provada a infringência da lei penal ou a prática de falta disciplinar a que a lei comine a
pena de demissão ou a de rescisão de contrato de trabalho, o juiz ex officio determinará a remessa de cópia autenticada
das peças necessárias às autoridades ou aos administradores a quem competir aplicar a sanção.
Ainda, caberá a aplicação da Lei 8.429/92, no que concerne à apreciação referente à improbidade administrativa, aplicáveis, quando for o caso, aos agentes públicos nos casos de enriquecimento
ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta
ou fundacional.
O artigo 10 dessa mesma Lei determina que
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou
culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das
entidades referidas no art. 1.º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica,
de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes
do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências,
bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades
referidas no art. 1.º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
Dessa forma, é possível verificar que existe uma preocupação concreta do legislador na manutenção e no cuidado com o patrimônio público, de forma a tentar impedir ou responsabilizar todos aqueles
que hajam de forma contrária ao determinado em lei.
O patrimônio municipal deve ser utilizado de forma útil e conveniente à coletividade. É importante lembrar que o bem público sempre tem como finalidade destinar-se, ainda que mediatamente,
ao interesse público.
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Bens municipais
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Texto complementar
Os muitos centros de uma cidade
(PAULICS, 2000)
[...]
A implantação de uma política de revitalização ou desenvolvimentos dos centros de bairro
permite o aparecimento de novas relações e dinâmicas sociais na vida urbana. A reconfiguração dos
espaços públicos do cotidiano do cidadão possibilita valorizar as identidades locais, estimula a convivência e a integração dos moradores e usuários. No caso dos bairros periféricos, onde houve uma
ocupação recente e na maioria das vezes por migrantes, se integrar na nova realidade, deixando de
ver seu bairro apenas como dormitório.
Outro resultado social importante – e de especial relevância em cidades maiores, onde a estrutura urbana torna penoso o deslocamento até o centro da cidade – é a possibilidade de ampliar o
acesso da população aos serviços públicos.
[...]
As intervenções nos centros de bairro alteram a configuração urbana, estabelecendo novas
relações entre cidades e cidadãos. Tendem a reduzir a necessidade de deslocamentos motorizados
para o trabalho e aquisição de bens e serviços e a aumentar a oferta e a qualidade da infraestrutura,
dos serviços e equipamentos de lazer.
[...]
Atividades
1.
Explique o significado da expressão “domínio público”.
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2.
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Bens municipais
São considerados bens de uso comum do povo, entre outros:
a) os hospitais e as escolas públicas.
b) as praças e as vias públicas.
c) os museus e as bibliotecas.
d) bens arrecadados pelo Poder Público.
3.
Explique sobre quem pode propor a ação popular e contra quem ela pode ser proposta.
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Bens municipais
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Gabarito
1.
Os bens de titularidade das pessoas jurídicas de direito público interno, ou aqueles bens privados
que estejam sob o regime dos bens públicos são considerados bens de domínio público, por
serem regidos por normas de direito público.
2.
B
3.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, qualquer cidadão é parte legítima para propor
esta ação. Em relação ao polo passivo da ação, a Lei 4.717/65 estabelece que essa ação pode ser
proposta contra qualquer pessoa, pública ou privada que por ação ou omissão tenha possibilitado
a lesão ao patrimônio público e contra aquelas pessoas que tenham sido beneficiadas por tais
atos lesivos.
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Bens municipais
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Obras e serviços públicos
municipais
Conceito de serviço público
O conceito de serviço público, entendido de forma ampliada se estende a todas as atividades
realizadas pelos órgãos públicos que compreendem os poderes – Poder Executivo, Poder Legislativo
e Poder Judiciário –, pois todos realizam atividades consideradas de interesse público, esse é pois, o
entendimento do direito comparado, por exemplo, do direito francês.
Para o Direito Administrativo brasileiro, essa expressão deve ser utilizada de forma mais restritiva,
pois deve abarcar somente aquelas obras e serviços que sejam realizadas pela Administração Pública e
pelos seus respectivos órgãos executores, o que significa dizer que se reduz a utilização da expressão ao
âmbito do Poder Executivo.
Outra questão é que nem todas as atividades realizadas na esfera da Administração Pública são
consideradas como serviços públicos. Assim, aquelas atividades consideradas como atividade-meio ou
aquelas que são internas à Administração Pública também não se caracterizam como serviço público.
Como afirma Medauar (2003, p. 338), “[...] o serviço público apresenta-se como uma dentre as
múltiplas atividades desempenhadas pela Administração, que deve utilizar seus poderes, bens e agentes, seus atos e contratos para realizá-lo de modo eficiente”.
Assim, entende-se que muitas das atividades exercidas pelo Poder Público não fazem parte do
conceito de serviço público adotado no Brasil, e o que se quer entender por essa expressão neste estudo é o que conceitua Justen Filho (2005, p. 478):
Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público.
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Obras e serviços públicos municipais
Nesse sentido, entende-se que tais atividades não devem ser relegadas à iniciativa de particulares,
nem tampouco devem estar meramente adstritas ao poder de polícia e fiscalização do Estado, tendo
em vista a sua natureza e o interesse que pretende atender, no caso, o interesse público. Por apresentar
tal característica, os serviços e obras públicas estão embasados no regime jurídico de Direito Público.
De acordo com Bandeira de Mello (2006, p. 646), o serviço público está conformado em dois
elementos: o primeiro diz respeito ao seu substrato material, o que significa dizer que se trata de uma
prestação efetiva demandada ao Estado para a realização de uma prestação de uma atividade essencial
que é fruível pelos administrados. A fruição desse serviço, conforme afirma Justen Filho (2005, p. 479),
ao contrário do que diz Bandeira de Mello, não é necessariamente individual, pois é possível ocorrer
individualmente ou coletivamente. O segundo elemento diz respeito ao seu aspecto formal imprescindível, que se configura em determinado tipo de norma que se caracteriza por ser parte de regime
específico, a saber, do Direito Público, no que concerne ao seu regime jurídico-administrativo, podendo
o Poder Público realizar a prestação do serviço diretamente ou por meio de terceiros, qualificados pelo
próprio Estado para exercer tais atividades.
Por fim, como afirma Justen Filho (2005, p. 480)
Todas as atividades estatais, mesmo as não administrativas, são um meio de promoção dos direitos fundamentais. Mas
o serviço público é o desenvolvimento de atividades de fornecimento de utilidades necessárias, de modo direito e
imediato, à satisfação dos direitos fundamentais. Isso significa que o serviço público é o meio de assegurar a existência
digna ao ser humano. O serviço de atendimento a necessidades fundamentais e essenciais para a sobrevivência material e psicológica dos indivíduos.
Assim, é por meio da prestação do serviço público que o Estado deve garantir a manutenção da
vida num status assegurado constitucionalmente com fundamento na dignidade da pessoa humana.
Princípios do serviço público
O ordenamento jurídico é conformado por princípios que buscam dar unidade, ou ao menos
coerência ao direito, de forma a estabelecer os valores, a orientação e os limites da interpretação das
normas jurídicas.
Nesse sentido, se estabelecem princípios, que são normas, diferentemente das regras, que apresentam um caráter mais abstrato e genérico que acabam por apresentar uma hierarquia de conteúdo
sobre as demais.
São considerados princípios que regem os serviços públicos os princípios da supremacia do interesse público, do dever inescusável do Estado de prestar o serviço, da universalidade ou generalidade,
da permanência ou da continuidade, da eficiência ou mutabilidade, da modicidade das tarifas e da
motivação.
O princípio da supremacia do interesse público está abarcado em todo regime de Direito Público
e expressa a prioridade do Estado em atender o interesse público em detrimento do interesse individual, sempre que ambos se colocarem em contraposição. Não significa dizer com isso, que os interesses
individuais não devam ser sopesados nos momentos em que se apresentar o conflito de interesses,
inclusive a ação da Administração Pública deve considerar o gravame e buscar a saída que cause menos
danos para o particular, ainda que deva preponderar a resposta à coletividade.
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Obras e serviços públicos municipais
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O princípio do dever inescusável do Estado para a prestação do serviço público ou da indisponibilidade do interesse público determina como define Medauar (2003, p. 143), que “[...] é vedado à
autoridade administrativa deixar de tomar providências ou retardar providências que são relevantes ao
atendimento do interesse público, em virtude de qualquer outro motivo”.
Isso significa que o Estado não pode se recusar a exercer o que está estabelecido como sua atribuição no que se refere à prestação de serviços públicos. E, nos casos em que houver omissão, a responsabilidade do Estado e de seus agentes deve ser apurada, assegurada à responsabilidade e consequente
indenização nos casos em que se provar a omissão.
Quanto ao princípio da universalidade ou da generalidade se estabelece que o Estado preste
serviços públicos indistintamente, ou seja, considerando situações equivalentes o atendimento deverá
ser isonômico. Todos que se encontrarem em situações idênticas deverão ser beneficiários de prestação
de serviços similares.
O princípio da permanência ou da continuidade trata da obrigatoriedade da manutenção
constante dos serviços públicos, de forma que o Estado não pode paralisar serviços de caráter essencial.
Nesse caso, a Constituição Federal permitiu o direito à greve dos servidores públicos, com determinadas restrições, de forma à conciliar dois preceitos, o do direito do trabalho e o do princípio da
continuidade, conforme é possível verificar no artigo 37 da CF/88.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;
Será, portanto, necessário atender à legislação no que se refere principalmente à manutenção
mínima de serviços considerados essenciais, a saber, por exemplo, os serviços relativos à saúde.
O princípio da eficiência ou da mutabilidade busca dar agilidade e qualidade ao serviço público
prestado. Assim, o serviço deve ser realizado de forma adequada às condições possíveis, considerando
as possibilidades técnicas, tecnológicas, econômicas e jurídicas da sua realização.
O princípio da modicidade das tarifas trata da correspondência entre a prestação do serviço e a
menor tarifa a ser cobrada pela sua execução. O valor da tarifa não poderá significar a não execução de
serviço essencial por conta da impossibilidade de seu pagamento pelo usuário. Em alguns casos, o Poder Público poderá estabelecer formas de subsidiar os serviços de modo a possibilitar que determinada
parcela da população os aproveite.
O princípio da motivação trata da justificativa legal que explicita a necessidade do exercício da
atividade concernente ao serviço público a ser prestado.
O não cumprimento desse direito, embasado nos princípios expostos, pode dar ensejo à ação
cominatória que é ação individual que não comporta demandas coletivas, ou a mandado de segurança,
que poderá ser individual ou coletivo, sem prejuízo das demais ações possíveis.
Nos casos em que houver prestação de serviço público realizada por terceiro, por meio de delegação ou concessão, o particular poderá se remeter ao próprio concessionário para reclamar o direito
de receber o tratamento adequado, tanto do ponto de vista do atendimento quanto da qualidade do
serviço público prestado.
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Obras e serviços públicos municipais
Conceito de obra pública
A obra pública, conforme descreve Bandeira de Mello (2006, p. 666), “[...] é a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público”.
Nesse sentido, podem ser consideradas como obras públicas, por exemplo, a construção e manutenção de equipamentos urbanos, como ruas, praças, cemitérios, aterro sanitário, linhas de metrô, entre
outros; de equipamento administrativo tal como oficinas e laboratórios; de empreendimentos de utilidade pública como estradas, ferrovias, pontes, aeroportos, usinas hidrelétricas e de edifícios públicos tal
como sedes de governo, fórum, entre tantas outras construções.
As obras públicas podem ser realizadas pelos órgãos da administração pública direta e indireta,
mas em regra são contratadas e executadas por particulares que se submetem ao procedimento licitatório, regulado pela Lei 8.666, de 21/6/1993.
Competência
Várias questões de ordem jurídica, administrativa e técnica determinam qual o ente público que
deve executar um determinado tipo de serviço ou obra pública. Há necessidade de se verificar o interesse e a capacidade dos entes que demandam à execução.
Outra questão concernente à competência diz respeito à distinção entre a competência para
legislar, que pode ser privativa, concorrente ou suplementar, de acordo com os artigos 22, 24 e 30 da
Constituição Federal e, a competência para executar, exposta nos artigos 21 e 23, também de acordo
com o texto constitucional. Assim, em alguns casos, a legislação federal determinará a forma de prestação de serviço público que os entes deverão realizar.
No caso da competência privativa apenas um ente da federação apresenta atribuição para
executar aquele serviço ou obra pública, por exemplo, no caso da competência da União que deve
manter o serviço postal e o correio aéreo nacional, organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia do âmbito nacional.
Com a competência comum, mais de um ente político-administrativo apresenta como atribuição
a realização de determinadas atividades, como proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação
e à ciência; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; cuidar da
saúde e da assistência pública.
A competência do município para apresentação do serviço público está relacionada ao seu
interesse local, considerado este como predominante em relação aos demais entes, mas não necessariamente exclusivo.
Assim, determina o artigo 30 da Constituição Federal:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
[...]
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Obras e serviços públicos municipais
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V - organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local,
incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
Portanto, de acordo com o texto constitucional, havendo predominância de interesse local, este
poderá realizar a prestação de serviço público, dentro dos limites estabelecidos como competência
exclusiva dos demais entes da federação.
Como afirma Meirelles (2006, p. 339), os serviços públicos municipais não são passíveis de exposição taxativa pela legislação em geral, pois além daqueles que habitualmente os municípios prestam,
de acordo com as suas características, este pode prestar serviços de caráter peculiar ao atendimento de
suas necessidades.
Serviços e obras municipais
O município tem como atribuição a prestação de serviços públicos para toda a área de seu território, urbana e rural.
Assim, são considerados serviços públicos municipais, entre outros, os que tratam da questão
viária, ou seja, a estrutura geral de estradas, arruamento, pavimento e calçamento, água e esgotamento
sanitário, galerias de águas pluviais, iluminação pública, trânsito e tráfego, transporte coletivo, mercados e feiras livres, segurança, funerário, segurança urbana, educação, saúde, assistência social, utilização
das vias, limpeza pública e utilização das vias públicas, esporte e lazer.
Várias legislações municipais tratam da orientação geral e das especificidades da regulação de
todos esses serviços, entre elas está a Lei do Sistema Viário Municipal, que regula a hierarquização das
vias municipais, a articulação entre as vias e as estradas que tangenciam o município, entre outros detalhamentos.
A Lei do Sistema Viário confere um determinado desenho à cidade, que serve de orientação, inclusive, para os parcelamentos de terrenos. Assim, o projeto de parcelamento deve se adequar ao que
está estabelecido na Lei de Parcelamento do Solo Municipal e na legislação que trata do sistema viário.
Outra legislação fundamental à realização dos serviços públicos, principalmente, dos serviços
urbanos é o Código de Posturas Municipais, que vai tratar da utilização do espaço público e das atribuições do Poder Público na manutenção e conservação desse espaço, bem como de seu papel na
regulação de seu uso por particulares.
São questões concernentes ao Código de Posturas Municipais aquelas referentes à disposição de
espaços para a utilização por particulares, como feiras, mercados, bancas e demais atividades econômicas exercidas no espaço público, em ruas, praças, parques etc. Nesses casos, o município poderá ter a
responsabilidade pela definição dos usos, limpeza pública, entre outros serviços. Também, o Código de
Posturas Municipais regulará as questões referentes à poluição visual e sonora, bem como as questões
atinentes aos cemitérios públicos e outros serviços considerados essenciais.
Para além dessas legislações, a Lei Orgânica do Município estabelece uma série de serviços que
são de responsabilidade do município, definindo a forma de sua organização, como é o caso, por exemplo, da proteção do patrimônio público municipal. Para os demais casos existem legislações específicas
que definem a forma de realização e os objetivos a serem alcançados com a prestação de serviços.
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Obras e serviços públicos municipais
Por fim, a prestação de serviços deverá ser prevista e compatibilizada com a legislação orçamentária municipal, de modo a definir as prioridades referentes à sua execução.
Espécies de serviço público
Várias são as classificações de serviço público, mas quanto à sua natureza é importante ressaltar
que existem serviços que são considerados essenciais e serviços que são considerados como convenientes.
A primeira espécie diz respeito aos serviços públicos propriamente ditos, que estão relacionados
aos serviços que são essencialmente realizados pelo Estado e que apresentam como objetivo a satisfação de necessidades da população. Nesse caso, tais serviços não podem ter sua execução delegada a particulares, ainda que esses estejam estritamente vinculados às determinações do contrato
público, da legislação ou do Poder Público, sendo exemplo desse tipo de atividade a segurança
pública.
A segunda espécie de serviço público é aquela que pode ser designada como “serviço de utilidade pública”, que como define Meirelles (2006, p. 341)
[...] são os que o Poder Público, reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os indivíduos componentes da sociedade, presta-os diretamente ou delega sua prestação a terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), mediante condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos prestadores, a serem remunerados pelos usuários. São exemplos característicos dessa modalidade os serviços de transporte
coletivo, os de fornecimento de energia elétrica, água, gás, telefone e outros mais.
No caso desses serviços de utilidade pública, a forma de remuneração do serviço realizado se dá
por meio do pagamento de tarifas ou também de preços públicos.
Para a execução dos serviços públicos propriamente ditos, os beneficiários deverão pagar as respectivas tarifas que devem ser diferenciadas em razão do interesse social, conforme determina o Estatuto da Cidade.
Para além dessa classificação, os serviços públicos podem ser entendidos, ainda que seguindo
uma lógica parecida com a classificação anterior, como próprios ou impróprios.
Os serviços próprios são aqueles de atribuição do Poder Público, e pela sua importância à manutenção de vida da população podem ser gratuitos ou apresentarem valores bastante acessíveis.
No caso dos serviços impróprios, esses são considerados importantes mas não absolutamente
relevantes, o que torna a sua execução possibilitada por meio de remuneração, podendo inclusive ser
considerado serviço rendoso. Como define Meirelles (2006, p. 343), “[...] a Administração os presta remuneradamente, por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais), ou delega sua prestação a concessionários,
permissionários ou autorizatários.”
Como se pode notar as classificações são bastante próximas, tendo em vista que adotam critérios
referentes ao grau de relevância da espécie de serviço a ser prestada e a atribuição, no que se refere à
execução das atividades.
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Obras e serviços públicos municipais
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Cabe ressaltar que ainda que o exercício das atividades referentes à prestação dos serviços
públicos seja realizado por particulares, o Poder Público permanece com a responsabilidade pelo seu
controle e regulação.
Havendo problemas na efetivação dos serviços públicos por particulares, podem ser tomadas as
medidas referentes à exigência sobre a regular prestação do serviço ou, quando não for possível a concretização dessa medida, caberá a retirada da prestação do serviço.
Nesse sentido, os contratos realizados com a Administração Pública preveem a possibilidade de
modificação unilateral das cláusulas regulamentadoras da prestação de serviço, conforme determina a
lei de licitações, desde que o interesse público assim o exija.
A execução dos serviços públicos por particulares
Como foi visto, em determinados casos, a execução dos serviços públicos pode ser realizada por
particulares. É o caso daqueles serviços que não são considerados essenciais.
Nesse sentido, a CF/88 buscou regular tal possibilidade, como se pode verificar em seu artigo 175
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e
de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV ‑ a obrigação de manter serviço adequado.
Assim, determina o texto constitucional que as formas de se permitir que particulares realizem o
serviço público podem se dar por: concessão, permissão ou autorização.
A Lei Federal 8.987, de 1995, veio regulamentar o artigo 175 da Constituição Federal, no que
concerne à prestação de serviços públicos por particulares, estabelecendo as regras orientadoras para
as atividades.
A concessão é definida por Bandeira de Mello (2006, p. 672) como
[...] o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome
próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteradas unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia
contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e
basicamente por tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.
Assim, o concedente – União, Estados, municípios ou Distrito Federal – que apresentar competência para outorgar o serviço a terceiro procederá à concorrência, uma vez fixadas as condições
estabelecidas previamente e, posteriormente, de acordo com os preceitos estabelecidos pelo contrato
administrativo.
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Obras e serviços públicos municipais
Quanto ao instituto jurídico da permissão, a diferença que se estabelece em relação ao instituto
da concessão, como demonstra Medauar (2003, p. 352), é a seguinte:
Ante a Lei 8.987/95 a diferença entre a concessão e a permissão de serviço público situa-se em dois aspectos: a) a
concessão é atribuída à pessoa jurídica ou consórcio de empresas, enquanto a permissão é atribuída à pessoa física ou
jurídica; b) a concessão destinar-se-ia a serviços de longa duração, inclusive para propiciar retorno de altos investimentos da concessionária: a permissão supõe média ou curta duração.
Por fim, a autorização decorre de ato administrativo e apresenta como principais características
a precariedade, tendo em vista que a autorização poderá ser retirada a qualquer momento pelo Poder
Público e a discricionaridade que dá maior possibilidade da Poder Público de agir, ainda que a formalidade para as autorizações sejam mantidas.
Texto complementar
As tarifas de ônibus
(MORALES, 2000)
A maioria dos municípios não tem estrutura técnica para calcular a tarifa de ônibus. Pedem ao
proprietário da empresa uma justificativa e a prefeitura, em geral, faz um cálculo de custo a partir
dos dados que o proprietário fornece, sem ter como verificar as informações. Complementando ou
substituindo este “cálculo”, o prefeito, ou seu assessor liga para as cidades vizinhas para descobrir
o preço por elas adotado. A consequência desses procedimentos pode ser uma tarifa maior do que
os custos reais dos serviços, prejudicando os passageiros; ou menor, reduzindo a receita esperada
pelos empresários.
Quando os custos dos serviços de transporte aumentam com muita frequência e intensidade, colocam os prefeitos diante da desagradável obrigação de aumentar as tarifas num ritmo
próximo ao da desvalorização da moeda. Se não fizerem isso, correm o risco de provocarem
uma crise no serviço.
Para evitar que os usuários paguem mais do que custa o serviço ou que os empresários, por
exemplo, reduzam o número de ônibus em circulação para manter a margem de ganho, a prefeitura
deve partir de dados concretos para estimar o custo da tarifa. Ainda que ao final não venha a adotá-lo, por motivos que transcendam o plano econômico da prestação de serviço (afinal, a tarifa é um
preço público, determinado também por razões políticas sociais e culturais), esse custo básico é um
parâmetro importante no processo de negociação da tarifa.
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Obras e serviços públicos municipais
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Atividades
1.
Explique os dois elementos que conformam a definição de serviços públicos.
2.
Quanto à competência para a execução dos serviços e obras públicas é correto afirmar:
a) é privativa da União.
b) é privativa dos municípios.
c) é sempre comum.
d) pode ser comum ou privativa.
3.
O Poder Público pode ceder a execução de serviços públicos a particulares. Quais são os institutos
jurídicos utilizados para que isso ocorra?
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Obras e serviços públicos municipais
Gabarito
1.
Os serviços públicos apresentam um substrato material e uma base formal. No primeiro caso, a
noção de serviço público se aplica à necessidade deste se apresentar de forma concreta como a
prestação de um serviço de caráter essencial. O segundo elemento diz respeito à necessidade de
tal atividade estar adstrita a um regime de direito público, que se configura em regime próprio e
diferente em natureza do direito privado.
2.
D
3.
O Poder Público poderá ceder à execução de suas atividades consideradas não essenciais ao
Estado a particulares por meio dos institutos da concessão ou da permissão.
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Direito urbanístico:
fundamentos e normas gerais
José Ricardo Vargas de Faria*
Daniele Regina Pontes
Direito e sociedade
A primeira questão a ser tratada sobre o direito urbanístico diz respeito à forma como se constrói
não somente esse direito, mas todo o direito.
Assim, há necessidade de se reconhecer que não há direito com uma origem natural, mas se constrói o direito em cada época da história, consideradas as condições materiais e culturais da sociedade
ou comunidade. O direito responde às demandas que lhe são dirigidas e, por esse motivo, as feições do
direito responderão àqueles que tiverem mais condições de propor e fazer realizar as suas convicções
e seus interesses.
No Direito Moderno, quem fez valer seus interesses foi a classe denominada burguesia, que conseguiu, em determinado período da história da Europa, superar a antiga aristocracia que desde muito
ditava as regras de organização geral daquela sociedade.
Quando isso ocorreu, os interesses dessa classe viriam a se fazer legitimar por meio do direito e,
na esteira da definição das novas regras do regime de produção, denominado como sistema capitalista,
algumas questões que eram absolutamente necessárias para a manutenção desse novo sistema deveriam ser inauguradas.
Três elementos fundamentais são inseridos: a igualdade e a liberdade formais e o direito de propriedade. Assim, o direito passaria a legitimar os novos interesses daquela classe social.
* Doutorando em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Mestre em Administração pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
A constatação de que a liberdade e a igualdade seriam somente formais passa pela compreensão
de que o sistema de produção adotado é um sistema essencialmente de acumulação, ou seja, é da sua
natureza a desigualdade material. Quanto à liberdade, esta fica restrita às possibilidades que se afiguram
diante das condições materiais existentes, quanto menos condições, mais restrita se afigura a liberdade.
Além disso, é possível partir também da constatação de que a liberdade e a igualdade materiais
nunca vieram a se concretizar, assim o que temos até hoje é uma suposição de que existe liberdade
e igualdade entre pessoas, por isso, estas são visualizadas somente formalmente, legalmente. É necessário se reconhecer que a sociedade está conformada em grupos e classes que dispõem de meios
completamente díspares para fazer valer os seus interesses. Assim, não é possível se falar em liberdade
e igualdade quando as condições reais de disputa de interesses são completamente desiguais.
O direito afirmou a existência da liberdade e da igualdade como se estas de fato existissem, e não
tratou dos meios de fazer valer tais afirmativas. Ao contrário, ao afirmar essa condição sem criar meios
que a concretizasse, foi responsável também pela agudização das distâncias econômicas e sociais.
Assim, “o direito pode ser considerado como um reflexo das condições materiais de organização econômica, social e política de uma dada sociedade em certo período histórico. Ao mesmo tempo
em que influencia diretamente a organização e as relações travadas nessa mesma sociedade” (PONTES,
2004, p. 60).
Essa afirmação faz referência à característica dinâmica do direito, em que este se modifica no
rumo da pressão que recebe e que, também ele, é responsável pela consolidação de determinadas leituras e interpretações da realidade.
Não foi diferente, nesse caso, com o direito de propriedade. Tal direito foi afirmado e reafirmado em toda a legislação brasileira e criou, com isso, uma espécie de verdade, ou seja, o proprietário,
independentemente da forma como adquiriu a propriedade não poderia ter esta questionada, nem a
propriedade em si nem o seu uso.
Mas como o direito é suscetível às pressões, entrando na história brasileira, no período da redemocratização havia um grande apelo da sociedade civil em mudar questões, que além de evidentes,
pois a desigualdade e a pobreza se faziam absolutamente visíveis, estavam sendo pautadas de forma
organizada.
Houve, nesse sentido, o apontamento da necessidade de se tratar das desigualdades, de enfrentar
a realidade e de buscar meios de concretizar materialmente aquelas velhas afirmativas vazias. Falar de
igualdade e de liberdade sem buscar meios de concretizá-las não era suficiente. Construir uma ideia
de propriedade que significava o impedimento da manutenção da vida de uma parte considerável da
população também não era possível.
Com isso, a construção do texto constitucional de 1988 foi pautada pelas disputas entre os velhos
interesses das elites brasileiras que desejavam a manutenção do status até então existente e pelos novos
rumos que a sociedade civil, com seus movimentos e organizações, demandavam.
O resultado dessas disputas apresentou como marco jurídico, portanto, a Constituição Federal,
que tratou de contrapor ao direito individual da propriedade, os direitos sociais, coletivos e difusos à
moradia, ao ambiente saudável, ao trabalho, à cultura, ao lazer, entre outros.
Com isso, sem diminuir a importância do direito de propriedade, houve uma reformulação em
seu conceito e a partir daí se entendeu convencionar que as propriedades deveriam cumprir uma função social.
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
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Essa questão é de fundamental importância para se entender que as normas que tratam do
direito urbanístico, por exemplo, são em regra bastante recentes. Nascem, como a função social da
propriedade, de uma tentativa de regular os direitos concernentes às propriedades e de fazer valer
as possibilidades de produção de cidades mais justas nas quais sejam também garantidos os direitos
sociais e coletivos e, ainda, nas quais existe maior equidade na distribuição dos benefícios e dos ônus
da urbanização.
Isso quer dizer que as normas de direito urbanístico não são pautadas apenas pelos detentores
das propriedades, mas também por aqueles que, em regra, não as detêm e que possuem poucas perspectivas de vir a mudar de situação. Em outras palavras, enquanto o direito à propriedade é exercido
apenas pelo proprietário, que é uma pequena parcela da população, o direito urbanístico, ao tratar da
função social, refere-se ao exercício do direito à cidade e, portanto, o direito que deve ser exercido pelo
citadino de modo geral.
Produção da ilegalidade nas cidades brasileiras
Ainda que a cidade seja um fenômeno social muito antigo, nos moldes que nós conhecemos
hoje deve ser considerada como um fenômeno moderno. A cada momento da história a cidade concentrou atividades distintas, próprias da formação econômica e política de cada sociedade. Se antigamente a cidade concentrava o comércio, as atividades culturais e as atividades político-administrativas
(os governos, a administração da justiça etc.); na modernidade a cidade passou a concentrar também
as atividades produtivas industriais. Ou melhor, a própria característica da atividade industrial demandava a concentração populacional e, por esse motivo, reconfigurou a forma das cidades.
Na história do Brasil, o primeiro momento de formação das cidades está relacionada à forma de
ocupação do território brasileiro no Brasil Colônia como território de exploração estrangeira. As principais
atividades econômicas se destinavam, principalmente, ao mercado externo e algumas poucas ao consumo interno. Nesse sentido, as principais cidades se desenvolveram ao longo da costa brasileira, como
centros de exportação e de comércio local. Em 1872, as maiores e mais importantes cidades eram Rio de
Janeiro com 274 972 habitantes, Salvador com 129 109 habitantes, Recife com 116 671 habitantes e Belém com 61 997 habitantes. Todas essas cidades detinham portos de exportação de matéria-prima como
cana-de-açúcar, borracha e minérios, por exemplo. Por volta do ano de 1900, com o início ainda tímido da
industrialização, algumas cidades como São Paulo e Porto Alegre passam a figurar entre as maiores.
Dessa forma, pode-se dizer que as cidades brasileiras estão absolutamente relacionadas com os
ciclos econômicos, como afirma Silva (2006, p. 22):
Enfim, as cidades brasileiras desenvolveram-se basicamente ao longo da costa marítima sob a influência da economia
voltada para o exterior. Algumas malhas urbanas firmaram-se por influência da mineração (Minas e Goiás), outras sob
a influência da cana-de-açúcar no Nordeste e das vacarias do Sul.
Considerando as questões afeitas à forma de ocupação do território brasileiro, é importante compreender que ela foi fundamental na caracterização da configuração do desenho da ocupação das cidades
brasileiras, mas as cidades modificaram a sua feição, ao longo da história. Assim descreve Silva (2006, p. 23):
Resta lembrar que a cidade vem sofrendo profunda transformação qualitativa, de modo que, hoje, ela não é meramente uma versão maior da cidade tradicional, mas uma nova e diferente forma de assentamento humano, [...]
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
Essa megalópole, no Brasil, formou-se por via de uma ocupação caótica do solo urbano; caótica, irracional e ilegal. Foi,
de fato, o loteamento ilegal, combinado à autoconstrução parcelada da moradia durante vários anos, a principal alternativa de habitação para a população migrante instalar-se em algumas das principais cidades brasileiras.
Assim, falar em urbanismo, atualmente, é tratar das cidades que temos e das grandes questões
que as afetam. A intensificação da urbanização, mais evidente a partir da década de 1940, traz um conjunto de novas questões para compreensão do urbano.
Em primeiro lugar, o aumento da atividade industrial demanda um outro tipo de trabalhador e
de concentração populacional; o surgimento de vilas operárias e bairros de imigrantes que vinham ao
Brasil para servir de mão de obra para a indústria é um exemplo desse fenômeno. Outro aspecto é a mecanização da atividade agrícola, que desloca grandes contingentes populacionais do meio rural para o
meio urbano. O terceiro ponto importante é a valorização do solo urbano que passa a se constituir não
só como bem escasso, mas principalmente como depositário das possibilidades de acesso a serviços e
infraestrutura, que interessam não só ao morador como também ao desenvolvimento das empresas.
Em outras palavras, certas localizações passam a ser cada vez mais valorizadas, pois concentram infraestrutura e serviços que permitem melhor desenvolvimento do comércio, maior qualidade de moradia,
mais facilidades de escoamento da produção, entre outros fatores.
Um dos resultados importantes desse processo, e que constitui hoje uma das grandes preocupações do direito urbanístico, é que a terra valorizada restringiu o acesso de todos à moradia. Dessa forma
surgem as ocupações em áreas irregulares e sujeitas aos riscos ambientais, como única alternativa de
moradia para uma grande parcela da população. A necessidade da regularização fundiária, por exemplo, nada mais é do que uma possível solução para um problema originado na forma de se produzir as
cidades contemporâneas.
Então, como o direito, a cidade também é resultado do confronto das lutas sociais das classes,
é produzida nessa tensão de disputas dos melhores espaços e da melhor qualidade. Assim como a
sociedade é hierarquizada, o espaço da cidade também o é, restando que as elites detêm os melhores
lugares e as melhores soluções urbanísticas e sobrando para os demais aquilo que menos interessa.
É neste sentido que Maricato (2002) aponta a necessidade de se verificar que o Brasil está conformado
por cidades que existem formalmente, e que, portanto, serão reconhecidas pelo direito e serão legitimadas
e tratadas nessa esfera, também de poder, e de cidades informais, em que o Estado praticamente não chega.
Por esse motivo que tem-se a impressão de ver “diversas cidades em uma”. As cidades comportam diferentes
espaços que estão atrelados à condição de se impor um determinado status aos locais ocupados.
Muitas vezes, o direito sequer esbarra na porta de um desses lugares, assim, lembra Maricato
(2002, p. 157):
À frequente ilegalidade na ocupação do solo, soma-se a ilegalidade das relações de trabalho e na resolução dos
conflitos. A polícia age ilegalmente; os tribunais, juízes e advogados estão ausentes das disputas que ali têm lugar.
Trata-se enfim de um ambiente de ilegalidade generalizada.
Tal fato já seria necessariamente grave, independentemente da abrangência, mas, considerando
a diferença existente entre cidade formal e cidade informal, entende-se a pressão no sentido de se
alterar as normas que estavam até então vigentes (até o ano de 1988). Nesse sentido, afirma Maricato
(2002, p. 155)
[...] o processo de urbanização no Brasil é uma máquina de produção de favelas e cortiços. A população moradora de
favelas cresce mais do que a população urbana brasileira, especialmente nas periferias das metrópoles, como demonstra o Censo do IBGE de 1991. [...]
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Os dados mostram que a invasão de terras é quase mais regra do que exceção nas grandes cidades. Se somarmos os
moradores de favelas aos moradores de loteamentos ilegais temos quase metade da população dos municípios do
Rio de Janeiro e de São Paulo. Estudo realizado sobre o mercado residencial na cidade de São Paulo mostrou que, nos
últimos 15 anos, a oferta de lotes ilegais suplantou a soma de todas as formas de unidades habitacionais oferecidas
pelo mercado privado legal. [...]
Essas reflexões e observações indicam a necessidade de transformação do urbanismo. Enquanto,
tradicionalmente, o urbanismo tratou de apenas uma parcela da cidade – a cidade formal – outra parcela significativa foi desconsiderada. Dessa forma, esse urbanismo, por um lado, reduz as suas preocupações aos padrões estéticos e atendimento de certo tipo de necessidades, mas por outro lado colabora
com a acentuação dos problemas existentes no que se refere à segregação espacial e à ilegalidade.
O urbanismo atual deve ampliar suas perspectivas de atuação e considerar os processos de produção das cidades de forma global, incorporando às suas preocupações também os problemas de ilegalidade que a muito deixaram de ser ilhas, para se constituir em mares de segregação espacial.
Cidade, urbano e urbanismo
Os termos “cidade”, “urbano” e “urbanismo” remetem, no senso comum, a uma mesma ideia, porém são conceitos que procuram explicar diferentes fenômenos.
A cidade é uma forma de ocupação do território que pode ser conceituada ou identificada a
partir da consideração de diferentes elementos. Em geral, os aspectos que definem a cidade como tal
estão relacionados: (i) à maior densidade demográfica; (ii) à disponibilidade de certos serviços e infraestrutura; (iii) à diversificação de atividades, entre outros.
Mas é importante compreender que nem todo núcleo urbano pode ser considerado cidade. Em
alguns casos esses núcleos podem ser distritos ou subdistritos. A cidade, no Brasil, é assim configurada
quando o seu território é elevado à categoria de município. Como descreve Silva (2006, p. 26):
Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativos, econômico
não agrícola, familiar e simbólico com sede de governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica
marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal.
Outras definições conferem ênfase especial na questão populacional e consideram que uma cidade é um núcleo urbano com uma população mínima, por exemplo, vinte mil habitantes. No Brasil
esse tipo de definição não é considerado oficialmente na determinação da condição de um núcleo urbano como cidade, por outro lado, orienta políticas públicas e programas de governo que promovem
ações diferenciadas para municípios menores e, em alguns casos, considerando-os como essencialmente rurais.
Assim, a cidade, apesar de suas diferentes formas de definição, não é sinônimo de urbano, até
porque este pode se concentrar em apenas uma parte da cidade. Enquanto a cidade é uma forma, o urbano é um conteúdo; conteúdo de relações, de experiências e de vivências. O urbano supõe um modo
de vida que se opõe ao modo de vida rural. Pode ser considerado um fenômeno moderno, na medida
em que implica em um conjunto de relações próprias da industrialização, da extensão da vida mercantil
e das relações de troca e consumo. A cidade por sua vez existiu em diferentes momentos históricos e em
diferentes sociedades, carregando conteúdos e modos de vida também diferentes. Em outras palavras,
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
a cidade grega do século V a.C. é diferente da metrópole moderna, não apenas em tamanho, mas principalmente no modo de vida social que contém. Como lembra Lefebvre (2001, p. 49):
Talvez devêssemos introduzir aqui uma distinção entre a cidade, realidade presente, imediata, dado prático-sensível,
arquitetônico – e por outro lado o “urbano”, realidade social composta de relações a serem concebidas, construídas ou
reconstruídas pelo pensamento.
Atualmente esse conteúdo, esse modo de vida, remete ao consumo, ou seja, a vida urbana é a
vida de consumo de determinados “produtos urbanos”.
Nesse sentido, Lefebvre (2001, p. 12) faz a sua crítica:
[...] os núcleos urbanos não desaparecem roídos pelo tecido invasor ou integrados na sua trama. Esses núcleos resistem
ao se transformarem. Continuam a ser centros de interesse da vida urbana (em Paris, o Quartier Latin). As qualidades
estéticas desses antigos núcleos desempenham um grande papel na sua manutenção. Não contêm apenas monumentos, sedes de instituições, mas também espaços apropriados para as festas, os desfiles, passeios, diversões. O núcleo
urbano torna-se, assim, produto de consumo de uma alta qualidade para estrangeiros, turistas, pessoas oriundas da
periferia, suburbanos. Sobrevive graças a este duplo papel: lugar de consumo e consumo do lugar. [...]
No Brasil, a revitalização dos centros pode ser qualificada na descrição de Lefebvre, aliás, lembrando da forma como se urbanizou o Brasil, podemos dizer que as cidades que tinham seus velhos
centros foram readaptadas com as reformas sanitaristas, de modo a se retirar a população pobre dos
centros, reformular os espaços e conferir-lhes novos usos – adequados à lógica do lugar de consumo e
consumo do lugar.
O urbanismo, nesse contexto, surge inicialmente na lógica sanitarista – de higienização dos espaços insalubres para prevenir pestes, epidemias e outras doenças – mas progressivamente se constitui
cada vez mais como ideologia da organização e da racionalização do espaço. Desse modo, o que difere
os conceitos de urbano e de urbanismo é que este último se refere a um determinado modo de conceber e produzir (ou intervir na produção) as cidades.
Esta ideologia [a do urbanismo] tem dois aspectos solidários: o aspecto mental, o aspecto social. Mentalmente, ela
implica uma teoria da racionalidade e da organização [...]. Socialmente, é então a noção de espaço que passa para
o primeiro plano, relegando para a penumbra o tempo e o devenir. O urbanismo como ideologia formula todos os
problemas da sociedade em questões de espaço e transpõe para termos espaciais tudo que provém de história, da
consciência [...]. (LEFEBVRE, 2001, p. 43)
Assim, pode-se dizer que na história brasileira daquilo que se convencionava denominar cidade,
o urbanismo entrou e retirou a população de baixa renda, sendo possível dizer que no Brasil o urbanismo também “ocupa” lugar e, dessa forma, retira quem não está apto a se manter no padrão a ser
estabelecido.
Um dos problemas dessa questão é que não é pela lógica do urbanismo que toda a cidade se
constrói. Aliás, o próprio urbanismo segrega, produzindo a cidade “urbanizada” que é acessada por uma
parcela da população, enquanto outra parcela, alienada dessa possibilidade, produz outra cidade, a cidade possível, informal, ilegal e sem urbanização. Nesse contexto, uma nova concepção de urbanismo
começa a se constituir; na aproximação entre individual e social, na intenção de uma abordagem integral da cidade, na ação de redução das desigualdades de apropriação dos benefícios da urbanização.
Acompanhando a lógica do lócus do urbanismo, o direito urbanístico foi, em primeiro lugar, tratado como parte do direito público, tendo em vista os direitos que são objeto dessa questão. Em segundo
momento, acompanhando as transformações do urbano e do urbanismo – mas também as mudanças
sofridas no instituto da propriedade – modificou-se e atenuou-se a fronteira entre direito público e
direito privado.
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
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Estatuto da Cidade e instrumentos urbanísticos
A principal legislação de direito urbanístico no Brasil é o Estatuto da Cidade que, seguindo a orientação principiológica da CF/88, fez constar em seu texto a necessidade de ressignificar o conceito de
propriedade, atribuindo a esta uma função social. É no conceito de Função Social da Propriedade que
se fundem o direito público e o direito privado, pois o exercício do direito de um particular – a fruição
da propriedade – pressupõe o atendimento de direitos da coletividade. Nesse sentido, determinou a
observância de princípios que em conjunto devem ser verificados, para efetivamente modificar o status
da propriedade.
Entre eles, podem ser considerados de absoluta relevância os seguintes preceitos: justiça social; justa distribuição dos ônus e bônus decorrentes do processo de produção dos espaços públicos e privados;
sustentabilidade ambiental; garantia do direito à utilização dos serviços e equipamentos públicos de qualidade; desfragmentação das atividades desenvolvidas nos municípios e compreensão do planejamento
regional, nos casos em que a comunicação das atividades de mais de um município apresentar interferência direta sobre a existência do outro município, como é o caso, por exemplo, das regiões metropolitanas;
gestão democrática e participação da sociedade na definição, implementação e controle das políticas
públicas e de ações de impacto social, como a instalação de empreendimentos de grande porte.
Com vistas à implementação desse projeto político que manifesta a intencionalidade de valorização
da posse, ou seja, do uso, do aproveitamento coletivo do bem aí considerado (a terra e todos os demais elementos que constituem), o Estatuto da Cidade previu como principal instrumento de planejamento dos municípios o plano diretor. É nele que se definem critérios objetivos específicos para a concretização da função
social, observadas as características, a dinâmica e as singularidades existentes em cada município.
A observação relativa à tutela do direito de propriedade somente deveria ocorrer àquelas
que efetivamente cumprissem a sua função social, que já havia sido determinada desde 1988, pela
Constituição Federal. Porém, no que se refere às alegações concernentes à necessidade de regulamentação desse princípio, a partir da definição de critérios no plano diretor, deve-se ter claro que a
própria Constituição já definia o significado dos pressupostos necessários à concretização da função
social, o que seria suficiente para que o Poder Público exigisse a obrigação imposta ao proprietário
que mantivesse ociosa à propriedade. O plano diretor viria complementar e detalhar o sentido de
função social nos municípios e não defini-la, pois, ao contrário da função social, o instrumento não
é obrigatório para todos os municípios.
Em vista da importância dessa legislação para aqueles municípios que o elaboram, se previu a
necessidade da participação ampliada da sociedade na sua elaboração, de modo que haja efetiva apropriação do processo de planejamento do município por todos os munícipes, principalmente daqueles
grupos historicamente afastados dos processos decisórios do município. O resultado desse processo,
configurado no plano diretor, orienta a ação da sociedade sobre o objeto em questão, seja a ação dos
grupos organizados que a constituem, seja a ação de cada indivíduo particular.
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
O plano diretor nos municípios brasileiros
A pesquisa sobre o perfil dos municípios brasileiros, realizada em 2005 pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), aborda a implementação e utilização de instrumentos de planejamento
nos municípios brasileiros, em especial aqueles previstos no Estatuto da Cidade.
Com essa pesquisa é possível analisar, em parte, os resultados do movimento municipalista
que culminou, na CF/88, na elevação do município a ente federativo. Esse fator, além de permitir que
o município legislasse sobre assuntos de interesse local, contribui para o fortalecimento do governo
municipal no sentido de implementação de políticas públicas e ações governamentais. Por outro lado,
amplia também a necessidade de aprimoramento da gestão, seja pela modernização dos processos
administrativos, seja pela adoção de instrumentos de planejamento e controle.
O plano diretor, um dos principais instrumentos de planejamento e regulação do uso do solo,
é obrigatório, entre outros, para municípios: (i) com mais de vinte mil habitantes; (ii) que fazem parte
de regiões metropolitanas. Em 2005, os municípios com essas características totalizavam 1 963, e 71,4%
destes (1 402 municípios) não possuíam plano diretor. Daqueles 561 municípios que possuíam planos,
45,2% tinham a lei aprovada há mais de dez anos, ou seja, deveriam revisá-lo de acordo com o que determina o Estatuto da Cidade no seu art. 40, §3.º.
Critério de
obrigatoriedade
Total
Apenas com mais de
20 000 habitantes
Apenas em
aglomeração urbano
Ambos
Com obrigatoriedade de
existência de plano diretor
Municípios
Que necessitam elaborar até outubro de 2006
Total
Percentual (%)
1 963
1 402
71,4
1 244
974
70,3
369
333
90,2
350
195
55,7
(IBGE, 2005)
Total de municípios com obrigatoriedade de existência de plano diretor e municípios que
necessitam elaborar o plano diretor até 10 de outubro de 2006, total e percentual, segundo critérios de obrigatoriedade – Brasil – 2005
Apesar do relativamente baixo número de municípios que possuíam planos diretores ou que haviam feito a revisão nos últimos 10 anos, a pesquisa mostra também que 2 555 municípios estão elaborando ou revisando seus planos diretores. Essa é uma indicação de que os instrumentos legais de direito
urbanístico, formulados com base nas indicações mais recentes do Estatuto da Cidade, podem estar
efetivamente se disseminando nos municípios brasileiros. Conclui-se, portanto, que essa nova disciplina
do direito tende a ganhar cada vez mais importância no quadro das administrações municipais e no
estudo do direito de modo geral.
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
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Texto complementar
Carta Mundial pelo Direito à Cidade
Fórum Social das Américas – Quito – Julho 2004
Fórum Mundial Urbano – Barcelona – Setembro 2004
V Fórum Social Mundial – Porto Alegre – Janeiro 2005
Preâmbulo
Iniciamos este novo milênio com a metade da população vivendo nas cidades. Segundo as
previsões, em 2050 a taxa de urbanização no mundo chegará a 65%. As cidades são, potencialmente, territórios com grande riqueza e diversidade econômica, ambiental, política e cultural. O modo
de vida urbano interfere diretamente sobre o modo em que estabelecemos vínculos com nossos
semelhantes e com o território.
Entretanto, no sentido contrário a tais potenciais, os modelos de desenvolvimento implementados na maioria dos países empobrecidos se caracterizam por estabelecer níveis de concentração
de renda e poder que geram pobreza e exclusão, contribuem para a depredação do meio ambiente,
aceleram os processos migratórios e de urbanização, a segregação social e espacial e a privatização
dos bens comuns e do espaço público. Esses processos favorecem a proliferação de grandes áreas
urbanas em condições de pobreza, precariedade e vulnerabilidade diante dos riscos naturais.
As cidades estão distantes de oferecerem condições e oportunidades equitativas aos seus habitantes. A população urbana, em sua maioria, está privada ou limitada – em virtude de suas características econômicas, sociais, culturais, étnicas, de gênero e idade – de satisfazer suas necessidades
básicas. Contribuem para isso as políticas públicas que, ao desconhecer os aportes dos processos
de produção popular para a construção das cidades e da cidadania, violentam a vida urbana. Graves
consequências resultam desse processo, como os despejos massivos, a segregação e a consequente
deterioração da convivência social. Esse contexto favorece o surgimento de lutas urbanas que, devido a seu significado social e político, ainda são fragmentadas e incapazes de produzir mudanças
significativas no modelo de desenvolvimento vigente.
Frente a essa realidade e à necessidade de fazer frente a essas tendências, organizações e movimentos articulados, desde o Fórum Social Mundial de 2001, têm discutido e assumido o desafio
de construir um modelo sustentável de sociedade e vida urbana, baseado nos princípios da solidariedade, liberdade, igualdade, dignidade e justiça social, e fundamentado no respeito às diferenças
culturais urbanas e ao equilíbrio entre o urbano e o rural. Desde então, um conjunto de movimentos
populares, organizações não governamentais, associações de profissionais, fóruns e redes nacionais
e internacionais da sociedade civil comprometidas com as lutas sociais por cidades mais justas, democráticas, humanas e sustentáveis vêm construindo uma Carta Mundial pelo Direito à Cidade que
estabeleça os compromissos e medidas que devem ser assumidos pela sociedade civil, pelos governos locais e nacionais, parlamentares e pelos organismos internacionais para que todas as pessoas
vivam com dignidade em nossas cidades.
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
O Direito à Cidade amplia o tradicional enfoque sobre a melhora da qualidade de vida das
pessoas centrado na moradia e no bairro até abarcar a qualidade de vida à escala da cidade e de
seu entorno rural, como um mecanismo de proteção da população que vive nas cidades ou regiões
em acelerado processo de urbanização. Isso implica em enfatizar uma nova maneira de promoção,
respeito, defesa e realização dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais
garantidos nos instrumentos regionais e internacionais de direitos humanos.
Na cidade e em seu entorno rural, a correlação entre esses direitos e a necessária contrapartida de deveres é exigível de acordo com as diferentes responsabilidades e situações socioeconômicas de seus habitantes, como forma de promover a justa distribuição dos benefícios e responsabilidades resultantes do processo de urbanização; o cumprimento das funções sociais da cidade e
da propriedade; a distribuição da renda urbana; a democratização do acesso à terra e aos serviços
públicos para todos os cidadãos, especialmente àqueles com menos recursos econômicos ou em
situação de vulnerabilidade.
Por sua origem e significado social, a Carta Mundial do Direito à Cidade é, antes de tudo, um
instrumento dirigido ao fortalecimento dos processos, reivindicações e lutas urbanas. Está chamado a constituir-se em plataforma capaz de articular os esforços de todos aqueles atores – públicos,
sociais e privados – interessados em dar plena vigência e efetividade a esse novo direito humano
mediante sua promoção, reconhecimento legal, implementação, regulação e prática. [sic]
Atividades
1.
A partir de que questões o direito é concebido?
2.
O principal objetivo do Estatuto da Cidade era o de
a) estabelecer normas de direito ambiental.
b) dar autonomia aos municípios.
c) ressignificar o conceito de propriedade.
d) definir a competência municipal.
3.
Qual era a concepção de liberdade e igualdade que estava presente nos ideais do Direito
Moderno?
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
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Gabarito
1.
O direito é um reflexo da sociedade, pois dá respostas às demandas daqueles grupos que
conseguem fazer sistematizar e propor suas questões.
2.
C
3.
O Direito Moderno tinha como concepções a igualdade e a liberdade meramente formais,
desprovidas de conteúdo que de fato as efetivassem.
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Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais
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Planejamento municipal
e plano diretor
Daniele Regina Pontes
Planejamento e desenvolvimento
Até determinado período da história brasileira não havia obrigatoriedade para que os municípios
realizassem seus planejamentos e convertessem estes em lei, ficando a critério do administrador público
a decisão referente à necessidade e conveniência de sua elaboração. De acordo com Silva (2006, p. 90),
houve uma mudança significativa na forma de gestão da administração pública, e tal alteração determinou a necessidade de se planejar ações a curto, médio e longo prazo na Administração Pública.
Atualmente a questão tomou outros rumos e sofreu radical transformação, porque o processo de planejamento
passou a ser um mecanismo jurídico por meio do qual o administrador deverá executar sua atividade governamental na busca da realização das mudanças necessárias à consecução do desenvolvimento econômico-social.
Assim, a forma definida para a elaboração e execução do planejamento municipal não pressupunha a necessidade de sua conversão em lei, o que é modificado, principalmente pela necessidade
de se iniciar os processos de elaboração dos planos diretores, ainda que as cidades já procedessem
à organização de seus planos urbanísticos desde o final do século XIX, e que estes apresentassem
características sanitaristas ou de melhoramentos pontuais na malha viária neste período, e posteriormente regulassem o uso e a ocupação do solo. Como lembra Fernandes (2007, p. 257)
Os planos diretores municipais já foram necessários em fases anteriores. Eram exigidos por diversos órgãos federais e estaduais como condição de acesso do município a linhas de financiamento criadas para fomentar grandes
obras e renovações administrativas, nos anos 1960. Em princípio, a resposta dos municípios foi simplesmente
burocrática.
Nesse sentido, devem ser consideradas algumas mudanças significativas no planejamento pós-Constituição Federal de 1988 (CF/88). Em primeiro lugar, a obrigatoriedade das gestões agirem de forma estruturada em planos, programas, projetos e ações, principalmente no que diz respeito às questões
orçamentárias; em segundo lugar, a necessidade de convergência entre os planos e programas dos
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Planejamento municipal e plano diretor
diversos entes político-administrativos, como no caso da exigência de se coordenarem as diretrizes gerais do desenvolvimento urbano estabelecidas pela União, com as políticas e programas estaduais e
com os planos diretores municipais.
Tal obrigatoriedade referente aos processos de planejamento pode ser verificada em várias passagens do próprio texto constitucional como no artigo 21, inciso IX, que determina que compete à
União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”, como no artigo 48, inciso IV, que trata das atribuições do Congresso Nacional
dispor sobre “planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento” e, entre outros,
por fim, no artigo 174, parágrafo primeiro, também da Constituição Federal que determina que “a lei
estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual
incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”.
Como está definido na Constituição, a União, os Estados e os Municípios apresentam papéis diferentes, convergentes e integrados na consecução do desenvolvimento, tanto urbano como nas demais
áreas do planejamento, de forma que a responsabilidade pelo apontamento norteador das ações parte
da esfera federal, mas é assumido nos estados e nos municípios considerando as suas características e
peculiaridades.
Planejamento municipal
O tema “planejamento municipal” suscita um questionamento referente à forma de condução do
crescimento e desenvolvimento das cidades brasileiras e da orientação destes, buscando verificar em
que medida se pode dizer que as cidades brasileiras foram ou não planejadas e sob quais modelos de
planejamento.
A demanda referente ao planejamento municipal ressurge no cenário brasileiro, de forma bastante objetiva, quando a CF/88 determina que os municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes
passam a ser obrigados a elaborar seus planos diretores e que, posteriormente à Carta Constitucional,
a Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, veio regulamentar o Capítulo da Política Urbana,
estabelecendo com mais precisão os objetivos, o atingimento e os termos em que deveriam ser elaborados os novos planejamentos municipais.
Além dessa concretização de planejamentos municipais em planos diretores, principalmente, outros instrumentos foram pensados de forma a compor o rol de previsões dos municípios, como foi o
caso das legislações orçamentárias e tributárias e de outros planos com caráter também territorial.
Para atribuir maior importância a esse planejamento, então denominado plano diretor, a lei estabeleceu que a utilização de determinados instrumentos jurídico-urbanísticos somente poderia ocorrer
se constassem do texto desses planos.
Essas novidades não se constituíram em uma revolução para as cidades, porque vários municípios, principalmente aqueles considerados de grande porte, já definiam seus planejamentos, ainda que
a forma de sua execução e o trato de novas questões tenham sido inseridos nestes planos atuais com
novas vestes.
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Planejamento municipal e plano diretor
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Ainda assim, é possível verificar algumas mudanças significativas na legislação, que acabou por
refletir o período de demandas organizadas pela sociedade civil que antecederam a entrada em vigor
do Estatuto da Cidade. Entre estas, três questões podem ser pontuadas.
A primeira diz respeito à mudança de perspectiva e, portanto, de conteúdo dos planos diretores.
Assim, planos diretores que se configuravam em mera carta de princípios e diretrizes gerais passam a
objetivar questões que possibilitam a efetivação das políticas públicas e a definição de função social da
propriedade. Nesse sentido, são definidos parâmetros e limites ao uso dos bens.
O tratamento dos planos diretores das grandes e médias cidades brasileiras busca também, além
de tratar do desenvolvimento das cidades, diminuir a desigualdade social instalada por processos contínuos de exclusão sócio-territorial.
Nesse sentido, o planejamento das cidades está condicionado a um olhar sobre as mazelas das
cidades brasileiras, considerados os padrões adotados nos planejamentos anteriores que acabaram por
agudizar ainda mais os problemas socioeconômicos da população brasileira.
As metrópoles brasileiras, no período da década de 1980, constituíram malhas urbanas que extrapolaram a linha divisória de seus territórios e adentraram nos municípios limítrofes, legando a estes
várias das consequências da urbanização, inclusive, na maioria das situações, atribuindo a estes municípios os ônus da urbanização periférica. Como afirma Maricato (2002, p. 25)
É preciso considerar ainda que as periferias das metrópoles cresceram mais do que os núcleos centrais, o que implica
em um aumento relativo das regiões pobres. Das 12 regiões metropolitanas, os municípios centrais cresceram em média 3,1% entre 1991 e 1996 enquanto que os municípios periféricos cresceram 14,7%. Dessas metrópoles, as periferias
que mais se expandiram, no período, foram: Belém (157,9%), Curitiba (28,2%), Belo Horizonte (20,9%), Salvador (18,1%)
e São Paulo (16,3%). Em algumas metrópoles a diminuição do crescimento dos centros transformou-se em crescimento
negativo dos bairros centrais.
Questões como essas ensejaram uma mudança de perspectiva sobre o rumo do planejamento
das cidades, assim, o tratamento dos principais aspectos do planejamento das cidades no Brasil passou a considerar o rumo das políticas públicas das outras esferas governamentais, desmistificando dois
grandes elementos legitimadores dos planejamentos anteriores, a falsa ideia de neutralidade política e
a supremacia tecnicista do planejamento. Ambos os elementos foram, em grande medida, responsáveis
pela desarticulação entre a melhoria da qualidade de vida nas cidades e uma proposta de democratização de acesso aos benefícios da cidade.
As saídas meramente técnicas para as cidades, ao invés de impedirem a degradação da vida
urbana nos municípios e em seus entornos e de frearem os processos de exclusão e periferização,
acabaram por eleger uma forma de planejamento que era, em regra, excludente. Assim, somente uma
parte da população poderia ter acesso aos benefícios da urbanização, o que significa dizer que uma
parte considerável da população foi privada do acesso a obras e serviços públicos de qualidade.
Plano diretor no Pós-Constituição Federal de 1988
Diante das questões apresentadas é possível verificar que os municípios brasileiros foram em
certa medida planejados, mas que essa forma de planejar não deu conta de questões fundamentais
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Planejamento municipal e plano diretor
para o desenvolvimento das cidades. Ainda que as questões econômicas fossem mais complexas e dependessem de outros elementos para além do planejamento dos municípios, as escolhas na produção
da cidade que foram realizadas acabaram por comprometer, de forma mais aguda e generalizada, a vida
nas cidades. As populações de baixa renda foram as que mais sofreram os reflexos desse planejamento,
como é possível notar principalmente nas grandes metrópoles brasileiras.
A CF/88 buscou modificar as diretrizes de planejamento das cidades, determinando mais uma
vez a realização de planos diretores municipais, mas estabeleceu uma matriz diferente para a realização
desses planos. Houve, nesse sentido, uma mudança de perspectiva, o que significou na prática um redimensionamento das esferas públicas e coletivas e da esfera individual de ação nas cidades. A dimensão
coletiva ganhou relevância com a constatação de que a falta de parâmetros e limites para o uso individual dos bens acarretou graves problemas às cidades, entre eles um dos mais graves foi a especulação
imobiliária.
Entendido nesta nova perspectiva, que busca atender os princípios e os objetivos definidos
na Constituição Federal, o plano diretor é um instrumento de planejamento dos municípios, que se
caracteriza por tratar, de forma integrada, todas as questões que são relevantes ao desenvolvimento
do município e, ao mesmo tempo, ordenar mais detalhada e especificamente a questão territorial.
Meirelles (2006, p. 538) define plano diretor como
[...] o complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local. Deve ser
a expressão das aspirações dos municípios quanto ao progresso do território municipal no seu conjunto
campo/cidade.
Assim, a CF/88 definiu, no capítulo II, que trata da Política Urbana, que o município seria o ente
político-administrativo responsável por elaborar o seu planejamento, nos moldes descritos no artigo
182, parágrafo primeiro. “Art. 182. [...] §1.º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório
para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento
e de expansão urbana.”
No ano de 2001, o Estatuto da Cidade tratou de forma mais pormenorizada do plano diretor,
definindo os princípios gerais que orientam a sua elaboração e fez constar em seu texto uma série de
instrumentos jurídico-urbanísticos que possibilitariam a sua efetiva implementação.
Características do plano diretor
Muitos autores entendem que o plano diretor forma, em conjunto com a Lei Orgânica, o principal
arcabouço legislativo do município. Nesse sentido, registra Oliveira (2005, p. 129): “A lei mais forte que
deve ter o Município, ao lado da Lei Orgânica, é a lei que institui o plano diretor. Ela dirigirá os destinos
do Município”.
O autor Meirelles (2006, p. 538) também se manifesta dessa mesma forma concluindo que o plano diretor
[...] é o instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada municipalidade, e por isso mesmo com supremacia
sobre os outros, para orientar toda atividade da Administração e dos administrados nas realizações públicas e particulares que interessem ou afetem a coletividade.
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Planejamento municipal e plano diretor
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Assim, o plano diretor é uma legislação que orienta todas as demais questões nos municípios
e, por esse motivo, apresenta relevância material em relação às demais leis, ainda que o processo
de aprovação previsto seja equiparado ao de outras legislações de conteúdos vinculados ao plano
diretor.
Com vistas às suas características, o plano diretor tem por atribuição orientar o desenvolvimento
da cidade e, por esse motivo, prescinde sua elaboração de uma leitura das condições do município,
assim como das relações estabelecidas em seu território, das relações travadas entre o município e sua
população e os demais municípios de seu entorno e região e, por fim, do município com os demais entes federativos – Estado e União.
O plano diretor apresenta, assim, duas características simultâneas que aparentemente são contraditórias. Por um lado, o plano diretor é rígido no sentido de estabelecer uma série de princípios e
diretrizes gerais que não podem ser alterados ou contrariados em seu próprio texto ou nas demais legislações correlatas sob pena de não serem consideradas válidas. Nesse caso, qualquer alteração suscitaria
novo processo de elaboração da lei, similar ao existente no período de sua elaboração. Por outro lado,
o plano diretor deve atuar diretamente sobre as condições estabelecidas em seu território, e, tendo em
vista, que a produção das cidades é dinâmica, o plano diretor deve apresentar a capacidade de rearticular seus instrumentos conforme as demandas e novas questões que surgem e que não foram previstas
no período de sua elaboração. Tudo isso sem perder de vista seus fundamentos, princípios, objetivos e
coerência.
Ainda, é importante consignar que o plano diretor não deve ser confundido com uma lei que
trata de projetos executivos, como chama a atenção o autor Meirelles (2006, p. 538-539) “[...] o plano
diretor não é um projeto executivo de obras e serviços públicos, mas sim um instrumento norteador dos
futuros empreendimentos da Prefeitura, para o racional e satisfatório atendimento das necessidades da
comunidade.”
Isso não significa que o plano diretor não apresente questões e determinações de caráter objetivo. O estabelecimento de parâmetros gerais de desenvolvimento, crescimento, uso e ocupação do
solo na cidade, assim como a definição das principais políticas públicas e os meios de sua concretização
devem estar presentes no texto dos planos diretores.
Elaboração, aprovação e implementação
Os planos diretores abarcam questões que são objetos de diferentes disciplinas. Há, nesse sentido, necessidade de se integrar diversos conhecimentos, a fim de se poder melhor ler a realidade dos
municípios, de forma contextualizada e integrada e de forma a se propor questões que levem em conta
os vários aspectos que conformam a realidade municipal (aspectos econômicos, sociais, territoriais,
legislativos, ambientais, culturais etc.).
A elaboração dos planos e, principalmente, a sua sistematização é realizada por órgãos da Prefeitura Municipal ou por consultorias contratadas pela Administração Pública que trabalham na interlocução com a Prefeitura e sob sua supervisão. Ao final de seu período de elaboração, o plano diretor deverá
ser convertido em projeto de lei, e tal projeto deverá ser encaminhado pelo Poder Executivo à Câmara
de Vereadores para que esta proceda a sua votação e aprovação.
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Planejamento municipal e plano diretor
De acordo com Meirelles (2006, p. 540), em virtude da importância desta lei
A aprovação do plano diretor deve ser por lei, e lei com supremacia sobre as demais, para dar preeminência e maior
estabilidade às regras e diretrizes do planejamento. Daí porque os municípios podem estabelecer em sua legislação
quórum qualificado para a aprovação ou modificação da lei do plano diretor, infundindo, assim, maior segurança e
perenidade a essa legislação. Toda cautela que vise resguardar o plano diretor de levianas e impensadas modificações é
aconselhável, podendo a própria Câmara estabelecer regimentalmente um procedimento especial, com maior número
de discussões ou votação em duas ou mais sessões legislativas, para evitar a aprovação inicial e suas alterações por
maiorias ocasionais.
Além disso, as modificações no projeto de lei do plano diretor realizadas pela Câmara devem ser
submetidas ao mesmo processo realizado pelo Poder Executivo de participação popular.
A implementação dos planos diretores é de responsabilidade da Administração Pública, mas as
determinações dos planos alcançam restrições aos particulares que deverão seguir as determinações
do plano, no que concerne ao tratamento de suas propriedades e posses.
Obrigatoriedade de elaboração
A Constituição Federal determinou, no parágrafo primeiro do artigo 182, que os municípios com
população superior a vinte mil habitantes deveriam elaborar e aprovar seus planos diretores. Reforçando essa previsão e criando novas obrigatoriedades, o Estatuto da Cidade em seu artigo 41 determinou
que estão obrigados a fazer seus planos diretores os seguintes municípios:
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
I - com mais de vinte mil habitantes;
II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no §4.º do art. 182 da Constituição
Federal;
IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito
regional ou nacional.
No caso dos municípios que estão obrigados a elaborar os planos diretores, e dessa forma não
foram realizados, cabe sanção ao administrador público (prefeito municipal) que não enviar à Câmara o
projeto de lei em conformidade com o que a legislação federal determinar, e uma vez encaminhado o
projeto à Câmara e se este não for aprovado no tempo e na forma estabelecida em lei também caberá
sanção aos vereadores, conforme afirma Meirelles (2006, p. 542)
[...] o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001) acarreta a responsabilidade do prefeito por improbidade administrativa,
nos termos da Lei 8.429, de 2.6.1992, sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de
outras sanções cabíveis, se impedir ou deixar de garantir os requisitos relativos à gestão democrática e à transparência
da fiscalização e implementação do plano diretor, bem como se não aprovar o plano diretor no prazo de cinco anos ou,
para os municípios que já o tiverem, se não fizer revisar a lei instituidora do plano diretor a cada 10 anos [...]
Assim, o legislador buscou garantir o planejamento municipal, mas embasado nas questões
referidas no Estatuto da Cidade. Aqueles municípios que não estão obrigados a realizar seus planos
diretores podem, se assim entenderem, também elaborar e aprovar seus planos.
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Planejamento municipal e plano diretor
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Conteúdos do plano diretor
O conteúdo do plano diretor passa pelo cumprimento de duas funções: estabelecer as diretrizes
gerais, consubstanciada em princípios, fundamentos e objetivos do desenvolvimento dos municípios e
determinar instrumentos para que a função social da cidade e da propriedade seja cumprida de forma
bastante objetiva.
O plano diretor trata, sem prejuízo de outras questões, principalmente, da política de desenvolvimento urbano do município, devendo estabelecer diretrizes que possam ser objetivamente observadas
pela população.
Seu principal papel é o de determinar o conteúdo da função social da cidade como estabelece a
CF/88, em seu artigo 182, conforme segue:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais
fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar
de seus habitantes.
De forma mais detalhada, o Estatuto da Cidade, em seu artigo 42, determina os conteúdos mínimos que devem estar presentes nas legislações referentes ao plano diretor:
Art. 42. O Plano Diretor deve conter no mínimo:
I - a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios,
considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5.º desta Lei;
II - disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;
III - sistema de acompanhamento e controle.
Os artigos referidos no inciso II, do artigo 42, determinam que os planos diretores deverão definir
no mínimo os parâmetros, localização e forma de utilização dos instrumentos referentes ao direito de
preempção, da outorga onerosa do direito de construir, das operações urbanas consorciadas e da transferência do direito de construir.
Como lembra Saule Junior (2002, p. 99), sobre as cidades com mais de 500 mil habitantes no que
diz respeito ao transporte urbano.
O município neste caso em decorrência da obrigatoriedade pode instituir um plano de transporte urbano próprio mediante uma lei municipal específica ou pode estabelecer o plano como uma parte integrante do plano diretor.
[...]
O critério da densidade populacional que gera a obrigatoriedade do plano de transporte urbano integrado, deve ser
aplicado para gerar a obrigatoriedade do transporte urbano ser tratado de forma articulada e integradas pelos Municípios agrupados nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas em seus planos diretores.
Todas essas questões demonstram uma preocupação do legislador com os temas referentes à
dimensão coletiva das cidades e significarão, em regra, a submissão da propriedade privada e pública a
uma determinação do cumprimento de sua função social, no sentido de fazer valer a cidadania, a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, CF/88) e de propiciar a construção de uma sociedade livre e, ao mesmo
tempo, mais justa e solidária, com vistas à erradicação da pobreza e à redução drástica das desigualdades econômicas e sociais, conforme determina o artigo 3.º da Constituição Federal.
A função social da cidade será realizada quando toda a população tiver acesso aos benefícios da urbanização, ou seja, quando os serviços públicos estiverem à disposição da população de forma equitativa.
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Planejamento municipal e plano diretor
O complexo de direitos que conforma o direito à cidade está relacionado à observação simultânea
dos direitos à moradia, ao saneamento básico, à água tratada, à energia elétrica, ao transporte público, a
espaços verdes e a espaços de lazer, aos equipamentos públicos de saúde e de educação, entre outros.
É importante ressaltar que para além das questões urbanas, os municípios também devem tratar
da área rural, tendo em vista que não há como se falar em planejamento se houver tratamento fragmentado entre as áreas urbana e rural.
O plano diretor poderá estabelecer regras de desenvolvimento para a área rural, desde que isso
se configure como seu interesse local, conforme o próprio Estatuto da Cidade estabelece em seu artigo
2.º, que determina
Art. 2.º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
VII - integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;
[...]
O município pode estabelecer regra mais rígida sobre o uso e a ocupação da área rural, principalmente quando estas forem fundamentais para a manutenção das áreas urbanas, como é o caso das áreas
de preservação de mananciais, no que concerne também aos equipamentos públicos e às atividades que
possam significar risco à população urbana e rural do município ou considerável impacto ambiental.
Ainda, a elaboração dos conteúdos do plano diretor deve levar em consideração o orçamento municipal, conforme determina o parágrafo primeiro do artigo 40 do Estatuto da Cidade que estabelece:
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana.
§1.º O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e prioridades nele contidas.
O plano diretor indica, portanto, à legislação orçamentária, as prioridades definidas nas políticas
públicas inseridas em seu texto.
Por fim, o Estatuto da Cidade, no inciso II, do seu artigo 2.º, determinou que a construção do conteúdo das políticas e das estratégias de implementação do plano diretor devem ser discutidas com a
população.
Há, a partir da entrada em vigor desta lei, uma mudança significativa na forma de tratar a política
pública e a construção legislativa nos municípios. Mais do que mera apresentação de decisões à população, o planejamento participativo abre espaço para que a população compartilhe a responsabilidade
e tenha garantido o direito de se manifestar sobre as grandes questões de sua cidade.
Legislações urbanísticas
Em conjunto com a elaboração do plano diretor, os municípios normalmente revisam ou iniciam
a elaboração de suas legislações urbanísticas que complementam o plano diretor e que dão a ele maior
efetividade.
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Planejamento municipal e plano diretor
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Para tanto há um processo de decisão sobre o estabelecimento do perímetro urbano dos municípios, conformado na lei que leva o mesmo nome, Lei do Perímetro Urbano.
Ainda são de absoluta relevância as leis que tratam de forma bem específica do uso e da ocupação do solo, também denominadas leis de zoneamento, a lei de parcelamento do solo, que trata das
formas de divisão do solo urbano municipal, a lei de sistema viário, os códigos de obras e de posturas.
Outras legislações como os códigos ambientais e os códigos tributários também interferem de
forma direta na implementação das políticas públicas municipais. No caso da legislação ambiental, muitas vezes o Poder Executivo opta por tratar a matéria no corpo do próprio texto da lei do plano diretor.
Outra possibilidade é a de o plano diretor abarcar todas estas legislações em um corpo único
legislativo, nesses casos os municípios denominam essa lei como Código Urbanístico Municipal e reservam a primeira parte às disposições do plano diretor, determinando a prevalência de sua matéria sobre
as demais, no sentido de que esta orienta a coerência a ser empreendida na definição de parâmetros e
na aplicação dos instrumentos.
Texto complementar
Planejamento municipal
(VARGAS DE FARIA, 2006)
O que é planejamento?
Em uma passagem clássica da fábula de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, ao encontrar
o Gato, Alice pergunta: “O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho devo tomar para sair
daqui?” O Gato responde: “Isso depende muito de para onde você quer ir”. Alice retruca: “Não me
importo muito para onde...” e o Gato prontamente afirma: “Então não importa o caminho que você
escolha”. O dilema de Alice é o mesmo dilema do planejamento: qual o caminho se deve tomar?
Para responder a esta questão é necessário, antes de tudo, saber aonde se quer chegar.
Dessa forma, planejar é estabelecer um processo racional de definição de objetivos (fins) determinando: (i) formas, ações e instrumentos (meios) e (ii) modos de organização (métodos) para
atingi-los de forma eficiente e eficaz. Nesse processo não se pode admitir qualquer meio para atingir os fins estabelecidos. Todo o planejamento municipal deve constituir-se a partir de uma práxis
que permita viabilizar as transformações necessárias, ou seja, um de seus fundamentos é e está na
transformação da realidade.
Em outras palavras, o que se quer dizer é que o agente público não pode realizar qualquer
ação e nem usar qualquer meio para atingir os fins estabelecidos. Ou seja, os fins não justificam os
meios, pois o ato de planejar está delimitado por uma ética que contém: 1) os princípios de uma
sociedade desejada, 2) as explicações (teoria) sobre o funcionamento desta sociedade e 3) um
projeto de sociedade (DUSSEL, 2002).
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Planejamento municipal e plano diretor
Tipos e teorias de planejamento
Ao administrador público cabe ainda reconhecer as diferenças entre metodologias e teorias de
maneira que sua opção seja consciente em relação a tal ou qual forma de condução e execução do
planejamento. De acordo com Danilo Gandin (1994), existem pelo menos três grandes linhas que
caracterizam essas metodologias e teorias:
::: O gerenciamento da qualidade total: tem um caráter eminentemente conservador, pois
não pretende uma transformação do atual estado de coisas. Via de regra é extremante técnico, ou seja, trata apenas dos “melhores meios” ou dos meios mais eficientes para alcançar
metas preestabelecidas. Os fins desejados não são definidos na esfera do planejamento,
mas apenas as ações a serem desenvolvidas, pois se entende o planejamento como uma
atividade “técnica” e não “política”.
::: O planejamento estratégico: ao contrário do anterior, as definições políticas sobre os fins
desejados fazem parte do planejamento, porém, são estabelecidas pela “Direção”, ou seja,
pelo grupo político que detém o poder de definição. Os conflitos e contradições internas
são desconsiderados ou reprimidos para efeito do direcionamento político da instituição
que planeja. Quando admite a participação, restringe-se às decisões operacionais ou aos
aspectos executivos. [...]
::: O planejamento participativo: nesse caso a participação não se restringe à execução, mas
à definição de prioridades segundo as demandas percebidas por todos os segmentos da
população. Esta participação ocorre na definição de objetivos compartilhados pelos sujeitos sociais envolvidos e na leitura da realidade existente de modo que todos possam
conhecer os diferentes aspectos da sociedade em que vivem e escolher os melhores meios
de ação. Requer, por isso, a criação de espaços e oportunidades de diálogo que garantam:
(i) que os diferentes segmentos sociais tenham real condição de defesa dos seus interesses
específicos e (ii) que todos os participantes se comprometam com o processo estabelecido
sendo corresponsáveis sobre suas definições e resultados. Finalmente, cabe ressaltar que
ao entender o planejamento como um processo, é necessário definir também as formas
democráticas de avaliação e monitoramento do plano, como conselhos municipais, audiências, consultas e conferências públicas.
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Planejamento municipal e plano diretor
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Atividades
1.
Explique o significado da expressão definida na Constituição Federal de 1988 como “direito à
cidade”.
2.
É obrigatória a elaboração de planos de transporte integrado, para os municípios que:
a) fazem parte de aglomerações urbanas.
b) tem população maior de 500 mil habitantes.
c) apresentam problemas no sistema viário.
d) não têm ciclovias e demais vias alternativas para pedestres.
3.
A partir de que momento se dá início aos processos de planejamento municipal no Brasil e quais
são as suas características?
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Planejamento municipal e plano diretor
Gabarito
1.
A expressão direito à cidade significa o olhar coletivo sobre as questões da cidade. Assim, todos
devem ter direito a usufruir dos benefícios do processo de urbanização e a cidade deve oferecer
qualidade de vida aos seus habitantes. Assim, são considerados direitos à cidade os direitos à
moradia, ao saneamento, ao lazer, à cultura, ao transporte público etc.
2.
B
3.
O processo de planejamento municipal tem início no Brasil no final do século XIX, e se caracteriza
por tratar de questões mais específicas da cidade, como o sistema viário ou a moradia. Ainda,
apresentou um perfil bastante excludente e higienista.
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Propriedade e posse
Breves apontamentos históricos sobre
a posse e a propriedade no Brasil
Um dos grandes pilares do Direito Moderno é o direito de propriedade. E o direito brasileiro assumiu em sua legislação, principalmente a partir da Lei de Terras de 1850, o compromisso de regular
a validade e a legitimidade da apropriação dos bens, a partir dessa categoria abstrata e socialmente
construída que é a propriedade.
Dessa forma, houve uma mudança de valores: a apropriação dos bens não era mais legitimada
pela necessidade de utilização, ou seja, pela posse do bem, mas por uma titulação reconhecida por um
determinado estado de direito. A partir daí, as regras criadas pelo Direito brasileiro favoreciam o reconhecimento de títulos de propriedade para aqueles que mantinham relações estreitas com a Coroa e,
posteriormente, também com as oligarquias1 locais e nacionais.
Assim, é importante lembrar que a história da apropriação de terras no Brasil iniciou com a espoliação da colonização, de um território que foi obtido violentamente, à custa da morte e da completa
extinção de muitos dos povos que aqui habitavam. Para, além disso, a forma de divisão do território pela
Coroa Portuguesa, em capitanias hereditárias, sesmarias e enfiteuses colaborou para a concentração
das terras nas mãos de poucas pessoas, o que acabou por gerar um problema histórico de concentração
fundiária no Brasil.
Aliada à questão do reconhecimento das terras pelo Estado brasileiro há poucos proprietários,
considerando-se o tamanho da população – ou seja, posseiros, migrantes, população indígena e a população negra – a manutenção da mesma, tendo em vista as suas dimensões, foi possibilitada pelo
modelo de regulação do trabalho adotado no Brasil. Assim, o trabalho escravo e a falta completa de
regulação sobre as demais formas de trabalho da época da Colônia e, posteriormente do período do
Império, propiciaram a manutenção da concentração de terras e acumulação de bens, tendo em vista
que o acesso aos bens era absolutamente restrito a uma pequena camada da população.
1
Preponderância de um pequeno grupo no poder, esp. para praticar corrupção e governar em interesse próprio.
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Propriedade e posse
Posteriormente, ainda que tenha havido a abolição da escravatura, é importante lembrar que
esta não foi acompanhada, novamente, da distribuição de bens, ou seja, um enorme contingente da
população brasileira ficou mais uma vez desamparado, no que diz respeito ao direito de se adquirir bens
considerados essenciais à manutenção de vida. Isso vai gerar consequências do ponto de vista social e
econômico até os dias atuais.
Ainda que o instituto da usucapião já existisse para possibilitar a aquisição de terras por possuidores que desde muito tempo estivessem utilizando determinados bens como se proprietários fossem, a
regra não era a utilização desse instituto jurídico. Também é importante lembrar que o Poder Judiciário
era vinculado às oligarquias rurais, o que não propiciava, necessariamente, julgamentos isentos.
Todas essas questões são importantes para se compreender que a aquisição e manutenção de
grandes extensões de terras no Brasil não se deu à custa nem da ocupação de um território sem população, como também não apresentou como causa o esforço dos proprietários no sentido da sua própria
labuta para a aquisição e manutenção dos bens, ou seja, a acumulação de bens ocorreu porque houve
trabalho, mas entenda-se esse trabalho como exploração de trabalho alheio, escravo ou migrante, que
em regra se dava em condições precárias.
No final do século XIX, início do século XX, inicia-se uma outra fase no direito brasileiro, ainda
que as marcas da antiga regulação permaneçam presentes, há uma construção jurídica abundante do
direito privado, que marcará os desígnios da propriedade privada no Brasil.
Na fase de elaboração do Código Civil de 1916, foram propostos alguns projetos que contemplavam questões sociais, mas não houve acolhimento de tais propostas, como afirma Gomes (2003, p. 34):
Assim o exame da análise dos legisladores durante o período de elaboração do Código Civil revela que, a despeito de
manifestações entusiásticas do movimento de renovação do direito, iniciado no fim do século, a submissão aos princípios vigentes durante a fase de apogeu do liberalismo foi atitude firmemente mantida pelos codificadores.
A ideia era a de promover a estrutura produtiva no rumo do sistema capitalista. Para isso, era
necessário retirar todas as possibilidades de entrave à livre-iniciativa, principalmente aquelas que de
alguma forma visassem à proteção dos trabalhadores.
Assim, apesar da importância do Código Civil para a substituição das legislações existentes
à época, este foi pouco representativo de mudanças para a maioria da população brasileira. Como
descreve Wolkmer (1998, p. 89),
[...] em que pesem seus reconhecidos méritos de rigor metodológico, sistematização técnico-formal e avanços sobre a
obsoleta legislação portuguesa anterior, era avesso às grandes inovações sociais que já se infiltravam na legislação dos
países mais avançados do Ocidente, refletindo a mentalidade patriarcal, individualista e machista de uma sociedade
agrária preconceituosa, presa aos interesses dos grandes fazendeiros de café, dos proprietários de terra e de uma gananciosa burguesia mercantil.
Ocorrendo, dessa forma, que relativamente aos interesses da elite, o Código Civil de 1916, propiciou a cristalização de algumas mudanças que foram transformadas em institutos jurídicos.
Também como afirma Gomes (2003, p. 22), devido a essa contenção, o Código Civil, sem embargo
de ter aproveitado frutos da experiência jurídica de outros povos, não se liberta daquela preocupação
com o círculo social da família, que o distingue, incorporando à disciplina das instituições básicas, como a
propriedade, a família, a herança e a produção (contrato de trabalho), a filosofia e os sentimentos da classe
senhorial. Suas concepções a respeito dessas instituições transfundem-se tranquilamente no Código. Não
obstante, desenvolveu-se, à larga, a propensão da elite letrada para elaborar um Código Civil à sua imagem e semelhança, isto é, de acordo com a representação que, no seu idealismo, fazia da sociedade.
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Propriedade e posse
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Além da legislação, a elite dominante ainda podia contar com o trabalho do “bacharelismo”.
Assim, Wolkmer (1998, p. 99) lembra que é preciso reconhecer que o bacharelismo, não obstante
originar-se de camadas sociais com interesses heterogêneos, pois expressava intentos agrários e urbanos, que se faziam presentes nas poucas universidades existentes no Brasil, favorecia, igualmente,
uma formação liberal-conservadora que primava pela autonomia da ação individual sobre a ação coletiva. Não menos verdade, o bacharelismo nascido de uma estrutura agrário-escravista se havia projetado como o melhor corpo profissional preparado para sustentar setores da administração política, do
Judiciário e Legislativo, viabilizando as alianças entre segmentos diversos e a mediação “entre interesses privados e interesses públicos, entre o estamento patrimonial e os grupos sociais locais”.
Alguma mudança no cenário desse perfil liberal-conservador, adotado tanto nas legislações
como na postura do corpo jurídico-político, distante das condições concretas da população e representativo apenas dos interesses das elites dominantes agrárias e urbanas, somente surgiu na Constituição
de 1934, que de forma ainda tímida, admitiu uma parte mínima das reivindicações populares da época, como o voto feminino e a referência a alguns direitos econômicos e sociais. A incorporação de tais
medidas foi resultado também da influência das mudanças políticas internacionais, que resultaram na
Constituição Mexicana e de Weimar.
A partir daí, a legislação brasileira sofre uma série de mudanças de acordo com os cenários
políticos diferenciados que a determinam. Em 1937, a Constituição institui o autoritarismo, em 1946
é restabelecida a democracia formal representativa, em 1967 e 1969 restaura-se a centralização do
poder. Nesse sentido, afirma Wolkmer (1998, p. 114):
As diretrizes que alimentam o Direito Público, na década de 60, foram geradas pelas cartas constitucionais centralizadoras, arbitrárias e antidemocráticas (1967 e 1969), cuja particularidade foi reproduzir a aliança conservadora da
burguesia agrária/industrial com parcelas emergentes de uma tecnoburocracia civil e militar.
Verificadas as questões definidoras do direito moderno, pode-se dizer que o direito brasileiro refletiu e condicionou a sua prática econômica, social e política. E que este mesmo direito serviu desde a
colonização como instrumento realizador e legitimador dos interesses das classes dominantes. Desde a
clássica formação da classe latifundiária até a mais recente formação da burguesia industrial.
Novo perfil do direito de propriedade
a partir da Constituição Federal de 1988
Todas as questões apresentadas moldaram o perfil socioeconômico e jurídico da ocupação do
território brasileiro e das condições dessa ocupação. Assim, em 1988, a pressão popular, sobre uma mudança significativa de parâmetros para a titulação e ocupação da terra, foi determinante para a mudança de orientação do direito brasileiro e da interpretação de toda a sua legislação infraconstitucional.
Assim, não havia mais como manter o padrão de apropriação dos bens definidos nos moldes
anteriores de conceituação do direito de propriedade. Aquele proprietário que mantinha um direito,
representado em um superpoder absoluto, eternizado, inquestionável de decisão sobre a utilização ou
não de suas propriedades, assim como a definição sobre o tipo de exploração do bem, fosse essa irracional ou não, tanto do ponto de vista da acumulação como de seu próprio uso, foram afastados pela
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Propriedade e posse
Constituição, que transformou um direito-poder em um direito tutelado a partir da observação de um
dever.
Ganhou a propriedade, pública ou privada, uma dimensão coletiva, o que significa dizer que se
compreendeu que a utilização, a não utilização ou a má utilização dos bens têm em regra uma repercussão que excede os limites da propriedade. Os ônus da utilização ou não utilização de um determinado
bem vinham sendo, ao longo da história brasileira, absorvidos por toda a coletividade, enquanto os
benefícios eram apropriados individualmente.
Esses ônus estão presentes de forma absolutamente visível nas grandes cidades brasileiras. Os
fenômenos da favelização, dos danos ambientais, do caos viário e de transporte público, da água, entre
tantos outros, estão relacionados à forma como se entendeu o direito proprietário até então.
Além disso, a clareza de que uma grande parte da população não acessaria, em curto prazo, o
direito de propriedade, pela condição material imposta por um histórico de apropriação e não apropriação de bens demonstrou que seria necessário modificar consideravelmente a leitura sobre o direito de
propriedade e mais ainda sobre as estruturas valorativas do direito.
É nesse contexto, de pressão popular, de grande visibilidade das mazelas do modelo adotado, de
óbvia desigualdade social que se constrói o texto constitucional de 1988. Esse texto vai eleger o princípio da dignidade humana como norteador da leitura de todo o direito brasileiro, fundamentado no
direito à vida e nas possibilidades de sua manutenção.
Esse momento se apresenta como uma mudança do cenário patrimonialista que até então dominava toda a leitura do direito para uma ideia de repersonalização. Ou seja, a base do direito não se fundaria
mais na tutela do patrimônio de sujeitos de direito que assim se qualificavam em uma alusão genérica, para
passar a tratar das pessoas e da manutenção de suas vidas de forma bastante concreta e coexistencial.
Nesse sentido afirma Fachin (2001, p. 49):
A pessoa, e não o patrimônio é o centro do sistema jurídico, de modo que se possibilite a mais ampla tutela da pessoa,
em uma perspectiva solidarista que se afasta do individualismo que condena o homem à abstração.
Nessa esteira, não há, pois, direito subjetivo arbitrário, mas sempre limitado pela dimensão coexistencial do ser humano.
O patrimônio, [...] não só deixa de ser o centro do Direito, mas também a propriedade sobre os bens é funcionalizada ao
homem, em sua dimensão coexistencial.
Assim, é possível concluir que: a tutela da pessoa supera a concepção da tutela do patrimônio;
que o direito deve ser entendido em uma dimensão coexistencial, portanto, as questões que perpassam
o direito patrimonial afetam de forma geral a coletividade. E, por fim, na perspectiva adotada a partir
da Constituição Federal de 1988, a tutela patrimonial estará relacionada com a concretude de sua funcionalização.
A função da propriedade na Constituição Federal de 1988
Uma vez definidos os fundamentos, os princípios e os objetivos da República, a Constituição Federal de 1988 fez constar em vários momentos o tratamento que deveria ser dado ao direito de propriedade. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que assegura esse direito tal como expõe em seu artigo 5.º,
define que a tutela desse direito está adstrita à realização de sua função social.
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Propriedade e posse
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Assim, vejamos algumas passagens da Constituição Federal que tratam dessa questão de forma
explícita:
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
[...]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]
Posteriormente, é possível verificar a mesma consideração no capítulo da Constituição Federal de
1988 que trata da ordem econômica, que determina:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
Ainda, no decorrer da Constituição é possível verificar em várias passagens a determinação sobre
o cumprimento da função social, quer no capítulo que trata da Política Urbana, que define que o plano
diretor será o instrumento adequado a definir o cumprimento da função social da propriedade urbana,
no §2.º, do artigo 182 que determina: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende
às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. E no capítulo que trata
da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária que define:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus
de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Além dessas passagens no Texto Constitucional, existe uma série de outros momentos em que a
Constituição faz referência à função social, quando trata, por exemplo, da questão ambiental, dos direitos
sociais, mais especificamente quando se refere ao direito à moradia, quando trata do patrimônio cultural,
dos índios e dos quilombolas.
A funcionalização no Código Civil
Ainda que o Código Civil de 2002 tenha mantido, em grande medida, a estrutura do Código Civil
anterior, de 1916, este seguiu as premissas expostas na Constituição Federal, no que diz respeito às possibilidade de sua interpretação com vistas ao cumprimento da função social da propriedade.
Nesse sentido, o Código define em seu artigo 1.228 que
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha.
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Propriedade e posse
§1.º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de
modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais,
o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§2.º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela
intenção de prejudicar outrem.
Assim, o Código Civil confirma as premissas constitucionais e passa a ser lido a partir da Constituição Federal. Conforme afirma Fachin (2004, p. 5):
Sobreleva verificar tal sentido ao alcance de hermenêutica crítica e construtiva à luz dos postulados do Direito Civil
contemporâneo. Do código patrimonial imobiliário rumou-se para a “repersonalização” das relações jurídico-civis. Essa
travessia em curso, apanhando como marco histórico a Constituição Federal de 1988, recolhe a contribuição doutrinária crítica que funda as bases do Direito Civil contemporâneo e ancora-se num ponto de partida que não se esgota no
direito posto. Alça voo na centralização da temática jurídica em torno da pessoa. Enfrenta, ainda, as turbulências que
flutuam na interseção do Código e da Constituição, e capta, por aí mesmo, o desenho dos espaços público e privado,
iluminando, nesse cenário, a “funcionalização” das titularidades.
Com vistas à concretização da função social da propriedade e do princípio da dignidade da pessoa
humana, como visto, o Código de 2002 refunda institutos jurídicos já expostos no Código Civil (1916)
anterior, mas com uma nova interação com a novel ordem jurídica imposta pela Constituição; é o caso,
por exemplo, do instituto da usucapião, que é retomado pelo Novo Código, mas atendendo a realidade
exposta no contexto atual, de diminuição dos prazos para o reconhecimento da propriedade, com base
na posse continuada dos possuidores.
Outras novidades trazidas pelo Novo Código Civil estão relacionadas com o surgimento de novos
institutos, até então não constantes em outras legislações brasileiras e que também estão direcionadas
a garantir a segurança jurídica da posse de moradores que se comportem como legítimos possuidores,
em uma figura muito próxima a do direito de propriedade, como é o caso dos parágrafos 4.º e 5.º do artigo 1.228 do Código Civil que determina
§4.º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em
conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§5.º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a
sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
De acordo com a situação apresentada, o juiz poderá determinar a venda compulsória do imóvel,
tendo em vista resguardar o melhor direito em consonância com o cumprimento da função social da
propriedade.
Outra possibilidade exposta no Código Civil foi o surgimento do instituto do abandono, que possibilita ao Poder Público arrecadar os bens que não tenham função no município em virtude da renúncia tácita do proprietário constante da matrícula do imóvel.
A forma como se define o instituto está exposta no artigo 1.176 do Código Civil, conforme segue:
Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio,
e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
§1.º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e
passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
§2.º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o
proprietário de satisfazer os ônus fiscais.
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Propriedade e posse
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Assim, o Novo Código Civil estabeleceu a mudança em institutos já utilizados de forma a adequá-los
no novo contexto e a partir da própria ressignificação do direito civil, com base no Texto Constitucional e
criou novos institutos jurídicos que permitam a efetivação do direito de propriedade a partir de critérios
objetivos que possibilitem a sua implementação.
A posse no Código Civil
O instituto da posse mantém a estrutura definida no Código Civil anterior, mas apresenta algumas
mudanças do ponto de vista de sua revalorização, ainda que o Novo Código demonstre que a leitura do
instituto da posse continue a estar vinculado ao que se estabelece para o direito de propriedade.
Tal afirmativa é possível de ser verificada a partir da leitura do conceito de posse estabelecida no
artigo 1.196 do Código Civil, conforme segue:
“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.”
Assim, é considerado possuidor aquele que, em nome próprio dispõe, utiliza ou frui o bem.
Diferentemente dessa situação, é aquela definida para os detentores, que são pessoas que aparentam ser proprietários, mas não dispõem dos mesmos atributos porque a utilização do bem por tais
pessoas decorre de direito alheio sobre o bem.
Como demonstra Gomes (2004, p. 47):
Embora se conceda a posse àquele que, por força de obrigação ou direito, detém temporariamente a coisa, alguns há
que se encontram nessa situação e, sem embargo disso, não são considerados possuidores. Tais os que estão em situação
de dependência para com outrem. Entende-se, que, nesses casos, os que detêm a coisa conservam a posse em nome dos
que a entregaram. São, portanto, detentores, razão por que lhes não assiste o direito de invocar a proteção possessória.
Como se pode verificar, a diferença principal entre a condição reservada aos possuidores e aquela
deferida aos detentores é que somente aos primeiros é possível entrar com as ações possessórias, lembrando que estas são consideradas um dos principais efeitos da posse.
Entre os efeitos da posse, pode-se dizer que além dos frutos e benfeitorias que podem ser realizados e aproveitados em conjunto com a posse, os meios de defesa aparecem como uma das questões
mais importantes. Assim, diante de qualquer ameaça de perda da posse, o possuidor, seja ele proprietário ou não, poderá invocar a sua proteção possessória, incluindo a possibilidade do possuidor utilizar
a proteção possessória contra o proprietário naqueles casos em que este ameaça a retirada do possuidor da posse que vem utilizando.
As ações possessórias são as seguintes: a reintegração de posse, nos casos em que houver esbulho,
ou seja, perda do bem; manutenção de posse, nos casos em que a posse for turbada, o que significa dizer,
dificultado o seu uso pelo possuidor e, por fim; o interdito proibitório, que diante de fundada ameaça
de se perder a posse, aquele que for seu possuidor poderá entrar com uma medida preventiva para que
esta não se perca. No caso do interdito proibitório, é necessário que se comprove ameaça iminente e
concreta.
O modo de aquisição da posse está expresso no artigo 1.204 do Código Civil que determina:
“Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer
dos poderes inerentes à propriedade.”
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Propriedade e posse
A perda da posse ocorre a partir do momento em que o possuidor perde o poder sobre o bem, ainda
que tal situação ocorra sem que haja concorrência da vontade do possuidor para que tal situação ocorra.
Por fim, sobre a posse, é importante lembrar que ela pode ser compartilhada por mais de um
possuidor e, nesse caso, temos o instituto da composse que regula tal situação.
Aquisição e perda da propriedade
A aquisição da propriedade pode ser originária ou derivada. Será originária quando não houver
transmissão de um proprietário a outro, como é o caso da usucapião e da acessão e será derivada sempre que houver transmissão, por exemplo, na transcrição e na sucessão hereditária. Nas palavras de
Diniz (2007, p. 128):
Tem-se a aquisição originária quando o indivíduo faz seu o bem sem que este lhe tenha sido transmitido por alguém,
não havendo qualquer relação entre o domínio atual e o anterior [...].
Diz-se derivada a aquisição quando houver transmissibilidade de domínio, por ato causa mortis ou inter vivos.
A forma de aquisição da propriedade que resulta de negócio jurídico como a compra e venda, a
doação, a troca, a dação em pagamento denomina-se transcrição. Nesses casos, o meio de se transmitir
a propriedade não será o negócio jurídico em si. Nesses casos, o legislador determina que o reconhecimento da transmissão se dará somente com a transcrição do imóvel no Registro Imobiliário, conforme
preceitua o artigo 1.245 do Código Civil
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§1.º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§2.º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
Nesse caso a lei que regulará o funcionamento do Registro de Imóveis, de forma inclusive a estabelecer os requisitos e os principais elementos que conformam a questão registral, inclusive com os
seus princípios, é a Lei 6.015/73.
Sendo considerados como princípios do registro imobiliário a publicidade, como manifestação
visível para terceiros, a legalidade, a fé pública, a continuidade, a obrigatoriedade, a historicidade, pois
o registro também tem como objetivo o registro histórico dos imóveis.
Quanto às formas de perda da propriedade, é possível identificar aquelas relativas à transmissão
do imóvel, as relacionadas às desapropriações e aquelas que implicadas pelo descumprimento da função social, quer seja o abandono, a desapropriação ou o instituto dos parágrafos 4.º e 5.º do artigo 1.128
do Código Civil, deram ensejo a sua perda.
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Propriedade e posse
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Texto complementar
A função social da terra
(MARÉS, 2003)
Para combinar com os compromissos de eliminar desigualdades sociais e regionais, a Constituição não poderia repetir a velha propriedade privada do Código de Napoleão, absoluta e acima de
todos os outros direitos. A propriedade privada teria que ser desenhada como uma consequência
dos novos direitos coletivos à vida, ao fim das desigualdades e ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, introduzindo nela uma razão humana de existência, vinculando-a em todos os lugares
que a reconheçam como direito à função social, especialmente em relação à terra. É tão insistente a
Constituição que se pode dizer, fazendo eco ao professor colombiano Guilhermo Benavides Melo,
que no Brasil pós-1988 a propriedade que não cumpre sua função social não está protegida, ou simplesmente, propriedade não é. Na realidade quem cumpre uma função social não é a propriedade,
que é um conceito, uma abstração, mas a terra, mesmo quando não alterada antropicamente, e a
ação humana ao intervir na terra, independentemente do título de propriedade que o Direito ou o
Estado lhe outorgue. Por isso, a função social é relativa ao bem e ao seu uso, e não ao direito. A desfunção ou violação se dá quando há um uso humano, seja pelo proprietário legitimado pelo sistema,
seja por ocupante não legitimado.
[...]
Uma terra cujo uso cumpre estas determinações estará enquadrada dentro de limites favorecedores da vida humana integrada à biodiversidade. Em um sistema que tem a propriedade privada
como sustentáculo, esta qualificação deve ser considerada avançada, porque faz prevalecer a condição à propriedade, à vida, ao direito individual.
Atividades
1.
Em que momento da história do direito brasileiro a propriedade assume uma dimensão
coletiva?
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2.
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Propriedade e posse
A diferença entre o possuidor e o detentor é que este não pode:
a) usar ou fruir o bem.
b) entrar com ações possessórias.
c) utilizar o bem como se seu fosse.
d) administrar o bem.
3.
Quais são as características que o novo direito civil brasileiro assume?
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Propriedade e posse
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Gabarito
1.
As mudanças no direito ocorrem principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, e
seguem com o Estatuto da Cidade e com alguns apontamentos no Novo Código Civil.
2.
B
3.
O direito é repersonalizado, assume uma dimensão coletiva, ocorre a funcionalização do direito
de propriedade e a valorização da posse.
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112
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Propriedade e posse
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Uso, ocupação e
parcelamento do solo
Legislação territorial
Um dos temas mais caros ao direito urbanístico é a definição do uso dos bens. Ainda que houvesse algumas regras, principalmente para os grandes municípios, até a Constituição Federal de 1988 (CF/88), quem
definia que tipo de utilização daria aos bens era o próprio particular titular do direito de propriedade.
Mais recentemente, em virtude das consequências que essa autonomia causou, em relação às
condições na cidade, atribuiu-se ao município a responsabilidade pela elaboração de seu planejamento
e de sua ordenação territorial.
O plano diretor foi definido como o instrumento hábil a sistematizar o conjunto de políticas públicas municipais eleitas como prioritárias e de estabelecer as diretrizes básicas do ordenamento territorial.
Assim, o plano diretor tem por escopo, entre outras questões, definir de forma objetiva os parâmetros
gerais de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano, de forma a atender a sua principal finalidade
que é a de possibilitar a objetivação e a efetivação das funções sociais da cidade e da propriedade.
A característica que permeou a elaboração dos planos diretores no período anterior ao da
Constituição de 1988, foi a de se definir uma carta de princípios e diretrizes gerais que somente viriam a se concretizar nas legislações complementares a este, no caso, as leis de zoneamento ou uso
e ocupação do solo e de parcelamento do solo.
Tais legislações não mantinham, necessariamente, coerência com a lei do plano diretor, e pelo
caráter dinâmico da construção e organização das cidades, eram modificadas pontualmente, conforme
os interesses particularistas que se apresentavam em cada período da história do município. Fosse o
interesse dos grandes proprietários de áreas urbanas ou o entendimento dos técnicos do próprio Poder
Público Municipal, a legislação territorial não foi, em regra, no Brasil, acompanhada da tentativa de se
construir uma cidade para toda a população.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
Assim, a marca das legislações territoriais brasileiras foi a da segregação espacial, com espaços
bem definidos de ocupação das classes sociais. Às classes mais abastadas, a legislação territorial reservou as melhores áreas, mais infraestruturadas, mais próximas dos centros, do transporte, com melhor
sistema viário etc. Enquanto que para as classes com renda mais baixa restou a distância, o tempo de
deslocamento, a precariedade das ruas e da infraestrutura.
Buscando alterar esse cenário, os novos planos diretores foram pensados a partir da lógica estabelecida pela legislação federal – Estatuto da Cidade, que é o de trazer para dentro da mesma lei, os
princípios, as diretrizes gerais, o conjunto de políticas públicas estabelecidas pelo prazo de dez anos e
atrelar a isso os critérios de sua valorização. Os planos diretores passam, então, a estabelecer uma relação direta entre o que se tem como objetivo e os meios de sua concretização. Isso significa a descrição
na lei do plano do desenho da cidade, ou seja, do estabelecimento dos parâmetros gerais de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano.
Nesse novo contexto, as legislações complementares ao plano diretor não deixam de existir, mas
tornam-se apenas um detalhamento, naquilo que de fato pode ser alterado com mais frequência, a
partir de transformações conjunturais da cidade.
A complementação da legislação do plano diretor não garante a coerência entre seus princípios,
objetivos e meios, mas possibilita a melhor avaliação sobre o conteúdo da lei, do ponto de vista, inclusive do controle social, tendo em vista que a lei do plano diretor requer uma elaboração realizada com
a participação da população.
Uso e ocupação dos bens imóveis
O meio de se controlar o cumprimento da função social da propriedade é o de se estabelecer,
para as áreas urbanas dos municípios, parâmetros que criem limites aos intentos particulares, no que se
refere à utilização ou não de seus imóveis.
Assim, como afirma Silva (2006, p. 239):
A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma
estrutura mais orgânica para as cidades, mediante a aplicação de instrumentos legais de controle do uso e da ocupação do solo – com o quê se procura obter uma desejável e adequada densidade populacional e das edificações nos
aglomerados urbanos.
Portanto, a lei de uso e ocupação do solo ou os parâmetros de uso e ocupação do solo que estiverem estabelecidos no plano diretor deverão conformar o imóvel à sua localização, o que está relacionado à sua destinação, considerada a área em que está inserido e a sua compatibilidade em relação ao
tipo de atividade que pretende se instalar naquele determinado local e, a ocupação, que diz respeito à
quantidade, ao volume, a altura das construções, às dimensões da construção, a área de permeabilidade
do solo e aos recuos.
Os parâmetros urbanísticos são responsáveis pela determinação objetiva de cumprimento da
função social da propriedade e da cidade. Para isso, as cidades definem parâmetros mínimos, básicos e
máximos de ocupação do solo urbano.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
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O parâmetro mínimo indica quando o terreno está sendo subutilizado, considerando a infraestrutura que a cidade já apresenta naquela região e a demanda. Considerados esses dois fatores é possível
avaliar se na área existe especulação imobiliária, ou seja, retenção de imóvel que deveria estar sendo
utilizado e que não está.
O critério básico é aquele em que o proprietário poderá construir sem ser onerado pelo Poder Público.
O critério máximo é estabelecido para que o Poder Público controle o adensamento nas cidades,
observando a distribuição de valores e a melhor harmonização da infraestrutura pela aplicação de institutos que estão hoje dispostos no Estatuto da Cidade.
Divisões territoriais
Considerando a necessidade de se ordenar o desenvolvimento das cidades, a primeira divisão
territorial que normalmente ocorre nos municípios se dá com a lei do perímetro urbano. Tal legislação
divide o município em duas grandes áreas: a área rural e a área urbana.
A lei do perímetro urbano pode, ainda, estabelecer zonas intermediárias, consideradas como:
(i) zonas de expansão urbana, dirigidas a condicionar o direcionamento das futuras áreas de abrangência
urbana; (ii) zonas urbanizáveis, que estão fora da área do perímetro urbano, portanto, compreendidas na área
rural, mas que podem estabelecer núcleos urbanizados, sendo normalmente denominadas como distritos
ou subdistritos e; (iii) áreas de amortecimento, que são estabelecidas para diminuir a geração de impactos.
Nos casos dos municípios maiores e mais complexos, se faz, além da lei do perímetro urbano,
que indica a destinação dos imóveis como urbanos ou rurais, uma divisão territorial denominada como
“macrozoneamento”.
O macrozoneamento estabelece parâmetros de uso e ocupação do solo para grandes áreas que
apresentem características mais homogêneas e o zoneamento é mais específico, volta seu olhar para
as pequenas regiões, identificando critérios peculiares àquela determinada área e na relação com o seu
entorno. Assim, o zoneamento é uma subdivisão dentro do macrozoneamento e, por esse motivo, pode
ser mais restritivo que este último, mas o contrário não poderá ocorrer, assim não poderá flexibilizar o macrozoneamento, sob pena de a cidade ficar recortada aleatoriamente por modificações muito pontuais.
Existem, ainda, outras divisões municipais, como é o caso da definição relativa aos bairros, que
estão relacionados, muitas vezes, ao perfil de sua ocupação e das relações sociais que ali se estabelecem. Assim, pode-se dizer que a definição do bairro se ocupa de questões que estão para além da
definição de uso e ocupação do solo, embora guarde estreita relação com esta.
Por fim, outras divisões internas ao município podem ser pensadas com base no atendimento a questões de administração pública, como é o caso das divisões por setores de planejamento, ou do meio ambiente, como se dá com os zoneamentos ambientais, ou da economia, como ocorre, por exemplo, com os
setores turísticos, ou da cultura e da história, como as áreas de preservação de patrimônio histórico. Enfim,
para além das divisões tradicionais, os municípios têm autonomia para pensar em como se pretende fazer a
leitura do seu território e como melhor pode aplicar os instrumentos de ordenação e gestão territorial.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
Leis de zoneamento
As leis de uso e ocupação do solo são muitas vezes denominadas como leis de zoneamento, tendo em vista que as cidades brasileiras, em regra, foram divididas em zonas.
De acordo com Silva (2006, p. 240-241) “[...] o zoneamento, ainda num sentido abrangente,
consiste na repartição do território municipal à vista da destinação da terra, do uso do solo ou das
características arquitetônicas”.
Atualmente, as leis de uso e ocupação têm sofrido uma mudança, assim, o zoneamento tradicional acaba por definir parâmetros a partir de linhas que dividam o território e que impõem uma série de
limites em relação à instalação de atividades.
O modelo tradicional vem abrindo espaço para a ideia de que a diversidade de usos nas áreas que
compõem o mosaico da cidade não deve ser entendida como um problema, mas ao contrário, pode vir
a facilitar a vida urbana. Isso significa dizer que o modelo de uso que estabelecia as áreas como residenciais, comerciais, industriais, institucionais ou mistas pode, mantendo a característica mais marcante da
área, estabelecer uma diversidade de usos compatíveis, sem necessariamente desconfigurar completamente o ambiente já construído.
Assim, a questão não está na atividade em si, mas na sua consequencia, ou seja, no tipo de incômodo ou risco que ela pode gerar. Portanto, mais do que estabelecer de forma exaustiva na legislação
que atividade pode se instalar em que lugar da cidade, as novas leis de uso e ocupação deixam para o
macrozoneamento as linhas gerais de definição de parâmetros e usos e passa a estabelecer uma flexibilização de usos que não sejam incompatíveis.
Esse modelo utilizado mantém a ideia de se estabelecer os usos e ocupações do território, mas, de
certa forma, aquilo que é definido como zoneamento pode vir a perder o sentido de existir.
As novas leis que trabalham com a flexibilização do zoneamento, sem perder o rigor quanto à
compatibilidade de usos, tratam, então, daquilo que vem se convencionando denominar de incomodidades.
Para esses modelos de legislação de uso e ocupação do solo, ao invés de se ter uma lista das atividades que podem ser instaladas em cada região do município, este estabelece, a partir dos efeitos dos
empreendimentos, o local de sua instalação.
É, portanto, a verificação das questões que incomodam ou que criam riscos para a população do
entorno da instalação do bem que vão definir a possibilidade do seu alojamento ou permanência no
local.
Essas leis que criam os padrões de incomodidade apresentam como parâmetro questões referentes
às características ambientais e geológicas das áreas, da sua conformação atual, além da preocupação com
o porte da atividade, com os tipos de poluição que pode gerar (poluição do ar, da água, sonora, visual etc.),
com os tipos de riscos, considerando também as medidas que devem ser tomadas para que a atividade
se instale.
Em algumas situações, a incompatibilidade de usos não permite a instalação de qualquer atividade. Em outras situações, se o empreendimento tomar determinadas precauções ou medidas que
eliminem completamente ou diminuam consideravelmente as questões que não se adequarem à área,
a instalação pode ser permitida.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
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Essa forma de se definir uso e ocupação do solo, a incomodidade, é mais complexa, pois demanda
um controle diferente do Poder Público sobre as atividades que se instalam no município. É uma forma
de fiscalização que abandona a tabela de usos proibidos, permitidos e permissíveis do controle tradicional e parte para a busca mais racional, no sentido de tentar compatibilizar a diversidade de usos nas
cidades.
Para isso, o Poder Público deverá estar apto a avaliar as condicionantes das diversas espécies de
impacto que podem surgir de determinados empreendimentos. Não será o Poder Público o responsável
por realizar o estudo das incompatibilidades, mas será ele responsável por avaliar esses estudos.
Entre outras formas possíveis de pensar o uso e a ocupação do solo, há um modelo que combina
o padrão mais tradicional de zoneamento com o das incomodidades. Assim, se faz uma tabela que não
é exaustiva, quanto aos tipos de empreendimentos que podem ou que não podem se instalar em cada
zona da cidade e define que empreendimentos de determinado tipo deverão passar por avaliação no
que diz respeito aos seus impactos.
Por fim, é relevante ressaltar que a aquisição de uma propriedade não gera qualquer direito adquirido no que se refere ao uso e à ocupação estabelecidos pelo município. Assim, por meio de legislação
municipal, poderá haver mudanças nos parâmetros estabelecidos em lei, de forma a buscar o melhor
cumprimento da função social da propriedade e na busca de se responder ao interesse público.
Por esse motivo, a alteração que se refletirá no direito de propriedade de se restringir ou flexibilizar
mais o uso ou a ocupação do bem não faz gerar qualquer direito à indenização para seus proprietários.
Como aponta Silva (2006, p. 242):
Essa natureza do zoneamento decorre, nos nossos dias, não tanto do poder de polícia, mas da faculdade que se
reconhece ao Poder Público de intervir, por ação direta, na ordem econômica e social e, portanto, na propriedade e no
direito de construir, a fim de restringindo-os no interesse público, conformá-los e condicioná-los à sua função social.
São, por isso mesmo, condicionamentos gerais, não indenizáveis os possíveis prejuízos individuais que daí possam advir – embora seja de ressaltar que, em princípio, condicionamentos deste tipo não geram prejuízo, porque diminuições
de valor que deles eventualmente provenham são altamente compensadas com outras vantagens.
As leis de uso e ocupação buscam orientar o processo de urbanização, mas em atenção às áreas
já consolidadas. Assim, somente em casos extremos haverá a necessidade de readequação total do uso
e da ocupação e, normalmente, isso acontece para se requalificar áreas que estejam degradadas.
Estrutura da lei
A lei de uso e ocupação do solo é composta do texto, que define os conceitos de cada zona ou de
incomodidades, a aplicação dos parâmetros, a tabela com os critérios de edificação, de recuos e demais
considerações atinentes ao uso dos bens. Contém, ainda, mapas que categorizam a cidade.
Os padrões de uso são estabelecidos a partir da verificação de inúmeros elementos, entre eles: as
condicionantes ambientais e geológicas, as características e limites da ocupação original, da largura das
vias existentes, do tráfego de pedestre e de veículos, dos ruídos, da poluição, dos ventos, da iluminação,
da vibração, do acesso, de possíveis riscos e de tantas outras questões que podem condicionar os limites quanto à utilização da propriedade.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
Estudo de Impacto de Vizinhança
Ao mesmo tempo, integra sempre esse tipo de legislação um instrumento definido no Estatuto
da Cidade como Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV. Assim, ainda que as leis de zoneamento tradicionais também devam incorporar esse instrumento jurídico-urbanístico, no caso da legislação que
utiliza os padrões de incomodidade tal instrumento é essencial.
O Estudo de Impacto de Vizinhança tem por objetivo prever os tipos de incômodos que determinadas atividades podem gerar, e, com base nesse estudo, é possível o Poder Público avaliar as medidas
a serem tomadas em relação ao empreendimento.
Nesse sentido, a Lei 10.257/2001, Estatuto da Cidade determina o seguinte:
Art. 36. Lei Municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão
de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção,
ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.
Assim, aqueles empreendimentos que apresentam potencial de modificação da rotina da área
em que se instalam ou que apresentam algum risco devem realizar este estudo. Obrigatória, portanto,
será a sua apresentação sempre que a lei assim determinar, como anota Oliveira (2005, p. 125):
É obrigatória a realização do estudo? Evidente que sim. O início de qualquer construção poderá ser embargado, no caso
de não ter sido ele realizado. É condição de aprovação do empreendimento e exigência formal para a expedição do
alvará de licença. Sem ele há nulidade insanável.
As questões que motivam o estudo podem apresentar naturezas diversas, barulho, trepidação,
problemas no sistema viário, diversos tipos de poluição ou de perigo.
Quanto aos efeitos que o EIV deve apreciar, estes não se restringem aos efeitos negativos. É importante lembrar que o impacto de uma grande atividade deve apresentar aspectos positivos para o
município que justifiquem a sua instalação; tais impactos podem ser, entre outros, a geração de emprego, o embelezamento da cidade, a geração de renda, o aumento de arrecadação para o município.
Em relação aos efeitos gerados pelos empreendimentos, o artigo 37 do Estatuto da Cidade define
que elementos devem ser apreciáveis sem prejuízo de outros que o Poder Público poderá estabelecer.
Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade
quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das
seguintes questões:
I - adensamento populacional;
II - equipamentos urbanos e comunitários;
III - uso e ocupação do solo;
IV - valorização imobiliária;
V - geração de tráfego e demanda por transporte público;
VI - ventilação e iluminação;
VII - paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Essas questões não são taxativas, apenas enumerativas. O município poderá apresentar outras
razões para a exigência de apresentação de EIV, considerando as próprias características do município
e do empreendimento.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
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A responsabilidade pela execução do EIV é do empreendedor, sendo que o Poder Público deverá
acompanhar e avaliar o estudo apresentado. Tendo em vista o interesse público que estas atividades geram pelo seu impacto para além de seus muros, a população deve ser chamada em audiências públicas
para receber informações, oferecer sugestões e se posicionar quanto à instalação da atividade.
Lei de Parcelamento do Solo
Na regulação das questões da cidade, outra lei de fundamental importância é a Lei de Parcelamento do Solo, ou seja, aquela lei que define como se podem realizar as divisões das propriedades
urbanas.
Para regular tais questões a lei municipal deve ter como parâmetro a Lei de Parcelamento do
Solo Federal, que é a Lei 6.766/79 e o registro das novas propriedades deve atender à Lei de Registros
Públicos, Lei 6.015 de 1973.
Assim, as leis municipais deverão seguir as instruções gerais dadas pela legislação federal, no que
diz respeito aos critérios mínimos para se realizar o parcelamento de qualquer área urbana do município.
Isso porque algumas áreas dos municípios não podem ser parceladas como a própria lei estabelece.
Art. 3.º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de
urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. (NR) (Redação dada pela Lei
9.785, 29/1/99)
Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:
I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;
II - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;
III - em terreno com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das
autoridades competentes;
IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua
correção.
Consideradas as áreas em que pode se proceder ao parcelamento, a lei de parcelamento federal
inicia por definir as modalidades de parcelamento do solo urbano, como trata Rizzardo (2007, p. 965).
“Atualmente, duas são as modalidades de parcelar áreas urbanas: pelo loteamento e pelo desmembramento. Em ambas, há venda de terrenos originados da subdivisão de um imóvel, objetivando a colocação de novo aglomeramento urbano.”
Para além dessas formas estabelecidas na lei de parcelamento federal, utiliza-se atualmente,
como meio de dividir o solo, o condomínio edilício horizontal, ainda que a legislação que trata dessa
espécie de propriedade não tenha sido pensada na lógica da divisão territorial, e o loteamento fechado,
não regulado em lei federal, presente apenas em algumas legislações municipais.
Assim, os parágrafos 1.º e 2.º, do artigo 2.º da Lei de Parcelamento do Solo, definem
Art. 2.º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as
disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
§1.º Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de
circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
§2.º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do
sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
Para que o parcelamento do solo seja realizado nas modalidades referidas, loteamento ou desmembramento, há a necessidade de se observar no mínimo dois requisitos: os elementos que a lei impõe
ao parcelador, no que se refere à necessidade de se implantar infraestrutura na área, e o tamanho dos
lotes, que poderão variar de município para município, desde que respeitado o tamanho mínimo estabelecido pela lei federal que é de 125m2 (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5
(cinco) metros.
A lei municipal poderá ser mais restritiva que a legislação federal e para que os lotes apresentem
tamanho inferior ao que está definido na legislação, o loteamento terá que apresentar destinação específica para moradia de interesse social.
Quanto à infraestrutura, o loteador tem responsabilidade sobre a colocação de infraestrutura mínima para a venda de lotes, como determina o artigo 2.º da Lei 6.766/79:
Art. 2.º
§5.º A infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas
pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. (Redação dada pela Lei 11.445, de 2007).
§6.º A infraestrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse
social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)
I - vias de circulação; (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)
II - escoamento das águas pluviais; (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)
III - rede para o abastecimento de água potável; e (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)
IV - soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)
A preocupação do legislador com a forma de se proceder à realização do parcelamento está na
responsabilidade de se garantir o direito à cidade para seus moradores e como esta é uma atividade
econômica, o loteador deve realizar o loteamento conforme as normas, inclusive porque a população
do município não pode ser onerada, com a necessidade do Poder Público prover aquilo que a própria
lei define como encargo do empreendedor imobiliário.
O projeto de loteamento deverá ser aprovado na Prefeitura Municipal e posteriormente registrado
no Registro Imobiliário para a divisão da matrícula “mãe” e da divisão dos lotes em unidades individuais.
Caso isso não ocorra, o loteamento é considerado informal, o que pode vir a gerar uma série de sanções
ao parcelador, conforme prevê o artigo 50 e seguintes da Lei de Parcelamento do Solo Federal. Assim,
entende-se que a não observância das regras de parcelamento do solo pelo parcelador se constituem
em crime contra a Administração Pública e dá ensejo a aplicação das penas de detenção e reclusão,
além de multas e da responsabilidade civil perante os compradores, no âmbito do direito privado.
Atualmente discute-se em projeto de lei, denominado Projeto de Lei de Responsabilidade Territorial, a inclusão das novas questões referentes ao parcelamento do solo, de forma a contemplar inclusive
a questão dos condomínios edilícios.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
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Como demonstra Fernandes (2006, p. 353):
O Projeto de Lei parte do reconhecimento da enorme importância de uma lei federal de parcelamento do solo urbano – que, juntamente com o capítulo constitucional sobre política urbana e o Estatuto da Cidade, de 2001, compõe o
tripé das principais leis urbanísticas no país –, e explicitamente propõe a aprovação de uma “Lei de Responsabilidade
Territorial” a ser obedecida, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, pela sociedade brasileira em especial pelos
Municípios, já que são esses os entes federativos que têm a competência constitucional para aprovação de parcelamentos urbanos e de projetos de regularização. [...]
Assim, é possível verificar que o parcelamento do solo faz o desenho urbano e que muitas das questões das cidades, inclusive os grandes problemas urbanos, também estão relacionadas com a forma de parcelamento e com as irregularidades geradas pela falta de comprometimento de parceladores em cumprir
a legislação, de forma a realizar loteamentos e desmembramentos, inclusive passíveis de regularização.
Texto complementar
Nova Lei do Parcelamento do Solo Urbano e as funções sociais da cidade
(SAULE Junior, 2007)
No final da década de 1970, na periferia dos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio
de Janeiro era emergente a implantação de loteamentos urbanos sem infraestrutura urbana e autorização do Poder Público, o que resultou numa ocupação sem padrões mínimos de qualidade
ambiental de grande parte do território dessas cidades. Com o objetivo de reverter esta situação
de deterioração das áreas urbanas, foi instituída a Lei 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento
do solo urbano; estabelece os padrões urbanísticos mínimos para implantação de loteamento urbano, tais como sistema viário, equipamentos urbanos e comunitários, áreas públicas, bem como
as responsabilidades dos agentes privados (proprietários, loteadores, empreendedores) e do Poder
Público; e tipifica os crimes urbanísticos.
Nestes 20 anos de aplicação desta lei, muitas críticas têm sido levantadas quanto à sua eficácia,
devido ao aumento do número de loteamentos irregulares e clandestinos e principalmente de favelas nas grandes cidades brasileiras, e dos raros casos em que os responsáveis pela prática dos crimes
urbanísticos foram punidos de forma exemplar, seja na esfera Administrativa, civil e penal.
Se de fato a Lei 6.766/79 necessita de uma revisão geral para atender os objetivos da política
urbana preconizada em nossa Constituição, de modo que as funções sociais da cidade e da propriedade urbana sejam cumpridas, através de medidas que reduzam as desigualdades e a exclusão
social e tornem efetivos os direitos inerentes às pessoas que vivem nas cidades, especialmente dos
que vivem nas cidades informais (favelas, cortiços, loteamentos populares na periferia urbana), a
revisão efetuada pelo Congresso Nacional sem garantir a participação dos diversos setores da sociedade que atuam com a questão urbana é extremamente preocupante para todos os cidadãos que
lutam pela existência de cidades justas e sustentáveis com padrões dignos de qualidade de vida.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
A nova lei (Lei 9.785 de 29/01/99) que altera a Lei 6.766/79 atende dois objetivos. O primeiro
diz respeito à regularização do registro público dos parcelamentos populares implantados em áreas
desapropriadas pelo Poder Público destinados à população de baixa. (Além da Lei 6.766/79, também foram alteradas a lei de registros públicos e a lei sobre desapropriações de interesse público).
Essa alteração permite a dispensa do título de propriedade para fins de registro do parcelamento popular de área desapropriada, sendo necessário que o Poder Público já tenha judicialmente
a posse do imóvel. Outra mudança significativa é da lei permitir nos parcelamentos populares a
cessão da posse para as pessoas que adquiriram os lotes do Poder Público por instrumento particular tendo caráter de escritura pública. A cessão de posse deve ser obrigatoriamente aceita como
garantia nos contratos de financiamentos habitacionais.
[...]
Atividades
1.
Em relação ao uso e à ocupação do solo, que modelos vêm sendo adotados pelas cidades
brasileiras?
2.
O Estudo de Impacto de Vizinhança é realizado:
a) pelo município.
b) pelo Estado.
c) pelo empreendedor.
d) em parceria (município/empreendedor).
3.
Quais são as espécies de parcelamento do solo permitidas nas áreas urbanas?
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
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Gabarito
1.
Entre os modelos que vêm sendo utilizados nos municípios brasileiros, dois são mais utilizados:
o modelo tradicional que divide os usos no modelo de lista de atividades que podem ou não
se instalar em cada região da cidade, em que a cidade se divide em zonas; e o outro modelo,
denominado “incomodidade”, que apresenta uma preocupação que não está relacionada à
atividade em si, mas ao seu impacto.
2.
C
3.
São espécies de parcelamento do solo, de acordo com a legislação federal, o loteamento e o
desmembramento, mas pode ser considerado também como uma forma de parcelamento o
condomínio edilício horizontal.
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Uso, ocupação e parcelamento do solo
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto
da Cidade
Política Urbana
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) incluiu em seu texto as demandas provindas dos movimentos de Reforma Urbana que demandavam uma nova leitura e um novo desenho das cidades, com
propostas que buscavam inverter a lógica de crescimento desordenado, caótico e excludente, principalmente nas metrópoles brasileiras. Para tanto, estabeleceu um capítulo específico para determinar os
fins a serem atingidos naquilo que denominou de “Capítulo da Política Urbana”.
Nesse Capítulo, o legislador determinou que a cidade deve cumprir uma função social. Isso significou uma ampliação da definição de cumprimento da função social da propriedade que figura em
tantos outros momentos do texto constitucional.
Para que a cidade e a propriedade cumprissem a sua função social, definiu-se que o instrumento
apto a estabelecer de que forma se daria este processo de mudança seria o plano diretor.
O Estatuto da Cidade – lei que veio regulamentar o Capítulo da Política Urbana da Constituição
Federal de 1988 – buscou tratar do plano diretor, definindo instrumentos jurídico-urbanísticos que viessem fazer valer os princípios expostos na Constituição e no próprio Estatuto da Cidade. Assim, definiu
um rol enumerativo de instrumentos que possibilitassem a efetivação do direito à cidade.
Alguns desses instrumentos já vinham sendo utilizados em cidades que buscaram resolver algumas de suas questões urbanísticas, de regularização fundiária ou mesmo de estabelecer processos
participativos com a população, no sentido de definir democraticamente as questões da cidade. Outros
foram adaptados, repensados ou construídos sem experiências similares anteriores.
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
No fim, o texto do Estatuto da Cidade une uma série de institutos ou instrumentos que vão em
conjunto buscar fazer valer os princípios da Constituição e da Lei 10.257/2001. Esses instrumentos deverão ser utilizados conforme o contexto e as demandas de cada cidade, portanto, nem todas as cidades
vão utilizar todos os instrumentos postos no Estatuto da Cidade, mas aquelas que quiserem aplicar
determinados instrumentos deverão, no mínimo, elaborar o plano diretor.
Por esse motivo, o artigo 42 do Estatuto da Cidade determina os instrumentos que deverão estar
presentes no plano, para serem objeto de utilização no município, conforme segue:
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:
I - a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios,
considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5.º desta Lei;
II - disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;
III - sistema de acompanhamento e controle.
Assim, além do instituto do parcelamento, edificação e utilização compulsória, seguido do IPTU
progressivo e da desapropriação com títulos da dívida pública, explicitados já na própria Constituição
Federal, entendeu-se necessária a obrigatória previsibilidade de outros instrumentos como o direito de
preempção, a outorga onerosa do direito de construir, a outorga onerosa de uso do solo, as operações
urbanas consorciadas e a transferência do direito de construir. Os demais instrumentos poderão ser
utilizados independentemente da previsibilidade no plano diretor, ou mesmo, nas situações em que a
lei não obriga o município a elaborar a lei do plano diretor. Os municípios poderão utilizar desde que
definam a forma e o conteúdo em acordo com os princípios gerais que orientam e conformam o conteúdo do direito à cidade.
Tais instrumentos têm por objetivo precípuo equilibrar os ônus e os benefícios decorrentes de
todo o processo de urbanização, de modo a que não se mantenha a prática de publicização ou coletivização dos ônus e de privatização dos benefícios da cidade.
Parágrafo 4.º do artigo 182 da Constituição Federal
A Constituição Federal previu, além do plano diretor, um único instrumento de efetivação do
cumprimento da função social, complementado posteriormente pelo Estatuto da Cidade – o parcelamento, edificação ou utilização compulsória, seguido do IPTU Progressivo e da Desapropriação (com
títulos da dívida pública). Esse instituto está dividido em três partes, que não são utilizadas simultaneamente, mas, ao contrário, se dão de forma subsequente conforme o não atendimento da fase anterior.
Assim, define a Constituição Federal no parágrafo 4.º do artigo 182:
§4.º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos
termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu
adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
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Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais.
Assim, o Estatuto da Cidade somente complementou a Constituição, no que se refere ao seu inciso
I, determinando que o primeiro instrumento seria ampliado com a expressão “utilização compulsória”.
Então, diante do descumprimento da função social, o proprietário urbano poderá ser obrigado,
de acordo com a situação de seu imóvel, a parcelar, caso seja uma gleba de terra ainda não parcelada;
edificar, ou seja, construir em terreno vazio propício à construção; ou utilizar, caso o imóvel possa ser
utilizado, mas não venha cumprindo com a sua destinação de forma minimamente satisfatória.
Cabe lembrar aqui que nem todos os terrenos e áreas da cidade são propícios à construção ou
utilização. Dessa forma, este instituto somente abrangerá aqueles bens imóveis que tiverem como destinação o uso. Nesse sentido, áreas verdes ou áreas impróprias para a utilização, por apresentarem risco
ou pelas suas características ambientais, geológicas etc., não estarão abrangidas por estes institutos.
Além disso, nas áreas em que não houver demanda para a ocupação e que não forem interessantes para a aplicação do instituto por conta do contexto da cidade também não deverão ter aplicados os
institutos em questão. Como afirma Guimaraens (2002, p. 125):
O instrumento visa, portanto, a incidência sobre vazios urbanos nocivos, como tal entendidas as áreas vazias que nesta
condição não cumprem a função social. Nessa linha, a área vazia para a qual não há disponibilidade de infraestrutura
– ou mesmo localizada em região que se encontre saturada, ou ainda área de preservação ambiental, não deverá ser
objeto de identificação em face de que o planejamento urbano assim o determina, sob pena de prejuízo à cidade.
Nesse sentido, serão atingidas por esse instrumento, normalmente, as áreas mais infraestruturadas da cidade que apresentam uma quantidade de imóveis vazios, permitindo que tais bens encareçam a cidade, tanto do ponto de vista da supervalorização das áreas que estão esperando valorização,
ou seja, busca-se eliminar a especulação imobiliária, como do ponto de vista do crescimento da cidade. Isso significa que, se há demanda por moradia ou outra utilização no local, mas devido à retenção
dos imóveis a cidade é obrigada a espalhar a sua malha urbana, pois as pessoas acabam por ter que
se fixar em áreas mais distantes e com menos infraestrutura, porque tais áreas são mais baratas no
que se refere à capacidade de pagamento da população, então essas áreas sofrerão a intervenção do
instrumento.
Como o instituto é utilizado de forma sequencial, uma vez cumprida a ordem, por exemplo, de
parcelar, não caberá falar mais em IPTU Progressivo ou Desapropriação. Se, uma vez notificado o proprietário para proceder à devida utilização do bem e este não o fizer no prazo estabelecido, começará a
incidir IPTU Progressivo, mas no momento em que este cumprir a determinação cessa a cobrança. Caso,
notificado o proprietário para a edificação e este assim não proceder, se incidente o IPTU Progressivo
por cinco anos e o proprietário ainda assim não edificar, somente a partir daí o Poder Público Municipal
poderá proceder a Desapropriação.
Cabe lembrar aqui que o Poder Público não está obrigado a desapropriar o bem, sendo esta uma
faculdade. No caso do Poder Público entender que não deve comprar o imóvel, este poderá prosseguir
com a cobrança do IPTU Progressivo, dentro do parâmetro estabelecido pelo Estatuto da Cidade de
alíquota máxima fixada em 15%. Os parâmetros da subutilização dos imóveis serão definidos no plano
diretor que deverá estabelecer os parâmetros básicos, mínimos e máximos de utilização dos imóveis,
sendo que o critério mínimo de utilização propiciará a verificação do cumprimento da função social da
propriedade e, no caso de não atingimento, propiciará a aplicação dos institutos aqui referidos. Conforme parágrafo 5.º do Estatuto da Cidade:
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
Art. 5.º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou
a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os
prazos para implementação da referida obrigação.
§1.º Considera-se subutilizado o imóvel:
I - cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente; [...]
Assim, uma vez verificada a incongruência entre o aproveitamento ou não aproveitamento do
imóvel e os parâmetros de uso estabelecidos, podem-se iniciar os procedimentos administrativos de
aplicação do instituto.
O Estatuto da Cidade determina que o Poder Público deverá proceder à notificação ao proprietário,
notificação esta que deverá constar no registro de imóveis, pois a obrigação passa ao adquirente em caso
de transmissão do bem que, em um prazo entre um e dois anos da notificação, deverá proceder à determinação. Como definem os parágrafos 3.º, 4.º e 5.º, do artigo 5.º do Estatuto da Cidade
§3.º A notificação far-se-á:
I - por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser
pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;
II - por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.
§4.º Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;
II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.
§5.º Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput
poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como
um todo.
Havendo descumprimento dessa determinação, o Poder Público poderá passar a cobrança do
IPTU Progressivo na forma estabelecida em lei – artigo 7.º da Lei 10.257/2001.
Art. 7.º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5.º desta Lei, ou não
sendo cumpridas as etapas previstas no §5.º do art. 5.º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de
cinco anos consecutivos.
A majoração da alíquota será no máximo de 15% até o final do período de cinco anos e a sua
majoração anual não poderá exceder a duas vezes a estabelecida no ano anterior. Essa regra deve ser
prevista em lei específica e caso passem cinco anos sem a efetivação do cumprimento da função social,
o Poder Público poderá continuar a cobrança no percentual estabelecido em 15%.
Nesse período, a legislação federal determina que o Poder Público não poderá conceder qualquer
tipo de anistia ou isenção, sob pena de não se efetivar o objetivo do instrumento.
Por fim, se o proprietário, passado o prazo inicial variável entre um ou dois anos da notificação, e,
posteriormente, passado o prazo de incidência do IPTU Progressivo de, no mínimo cinco anos, não cumprir a determinação estabelecida em lei, o Poder Público poderá proceder à desapropriação do imóvel
com títulos da dívida pública resgatáveis no prazo de até dez anos, em prestações anuais e iguais, considerando o valor real e os juros que incidirão no percentual de seis por cento ao ano.
De acordo com o artigo 8.º do Estatuto da Cidade, o valor da indenização terá como parâmetro o
valor venal do imóvel, conforme segue:
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
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§2.º O valor real da indenização:
I - refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo
Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o §2.º do art. 5.º desta Lei;
II - não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.
Pelas características desse tipo de desapropriação esta é também denominada de desapropriação-sanção. De qualquer forma, não prospera tal entendimento, tendo em vista que o proprietário pôde
aproveitar o bem por todo o período entre a notificação e a desapropriação e renunciou a este direito,
ainda recebendo o valor da indenização ao final de todo o processo. O ônus do descumprimento da
função social neste período foi, portanto, assumido pela coletividade.
Direito de preempção/preferência
O direito de preempção é um dos instrumentos obrigatórios do plano diretor e estabelece a preferência do Poder Público Municipal na compra de imóveis em que este tenha justificado interesse em
adquirir.
O Código Civil estabelece em seu artigo 513 a definição desse instituto para o direito privado, mas
este se assemelha à lógica estabelecida pelo instrumento na utilização do Poder Público, como segue:
Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele
vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.
No caso do direito de preempção relacionado ao Poder Público, este definirá no plano diretor as
áreas de seu interesse para a aquisição. Uma vez demarcadas, o município terá a preferência, assemelhada a do vendedor definida no Código Civil, na compra do bem.
Diferentemente da desapropriação, no direito de preferência o Poder Público não retira compulsoriamente o bem do particular. Assim, quando o proprietário apresentar interesse em vender o imóvel,
primeiramente deverá oferecê-lo ao município.
Há justificativa para esse instituto, como lembra Osório e Soso (2002, p. 191):
A necessidade do Poder Público na delimitação do direito de preempção está vinculada à consecução de regularização
fundiária, de programas habitacionais de interesse social, constituição de reserva fundiária, ordenamento e direcionamento da expansão urbana, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação de espaços públicos de
lazer, de áreas verdes, de unidades de conservação ou proteção de áreas de interesse ambiental, histórico, cultural ou
paisagístico, nos termos do artigo 26. Poderá uma única lei municipal delimitar diferentes áreas baseada em necessidades diversas, bastando para isso a enumeração de tais finalidades no corpo da legislação.
Assim, diante dessas justificativas, o município poderá gravar estes bens com a preempção.
O município, durante o prazo de cinco anos, deverá ser avisado pelo proprietário, por meio de
notificação, da intenção de alienar o imóvel. Durante a vigência desse prazo, sempre que o proprietário
tiver a intenção de aliená-lo onerosamente, deverá levar tal fato a conhecimento do município, sendo
que este terá um prazo de trinta dias para se manifestar sobre a aquisição.
De acordo com o parágrafo terceiro do artigo 27 do Estatuto da Cidade, uma vez transcorrido o
prazo sem a manifestação do Poder Público, o proprietário poderá proceder à venda a terceiros, mantido o valor da oferta. No caso do Poder Público adquirir o bem, o valor está estabelecido no parágrafo
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
6.º do mesmo artigo citado, que determina que “ocorrida a hipótese prevista no §5.º o Município poderá
adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta apresentada,
se este for inferior àquele”.
Direito de superfície
O instituto, direito de superfície, como observava Ricardo Lira, antes da entrada em vigor do Estatuto da Cidade, havia sido defendido, no sentido de se manifestar como valioso instrumento de regularização fundiária em áreas públicas.
Esse instituto ocorre por meio da separação entre o direito de construir e o direito de propriedade, realizada aqui pela via negocial com as características de um direito real sobre coisa alheia, ou de
uma propriedade resolúvel.
Mas, sua valia ganha em significado quando, partindo de terras públicas, pode apresentar-se como instrumento de
uma política de regularização fundiária, sobretudo quando articulado com outros instrumentos, como a usucapião especial urbano, que poderia ser utilizado na titulação de áreas de favelas, mocambos, palafitas, loteamentos irregulares
promovidos a non domino etc. (LIRA, 1997, p. 168-169)
A despeito dos resultados esperados com a regulação desse instituto no sentido de se promover
a concretização do direito à moradia, definido no artigo 6.º da Constituição Federal, criou-se mais uma
propriedade, e não como se pretendia a cessão de uma posse com vistas ao atendimento de um direito
social.
A superfície, separada da propriedade do bem imóvel em si, pode ser disponibilizada. Temos assim,
não mais um proprietário do imóvel, mas pelo menos dois, o proprietário do terreno e o superficiário,
que não se apresentam como condôminos porque a cada um corresponde apenas uma titularidade.
Assim, o direito criou mais uma mercadoria que apresenta valor de troca e que hoje aparece
como bastante interessante do ponto de vista do direito imobiliário.
Neste sentido, observa Oliveira (2005, p. 93) que:
[...] o direito de superfície é importante instrumento de alteração urbanística e pode propiciar novo avanço na ocupação dos espaços particulares ainda inaproveitados, eventualmente, por falta de recursos do proprietário. Como não lhe
interessa a venda, mas pode aferir lucro com a construção ou eventualmente com o aproveitamento efetivo e racional
do imóvel, pode dinamizar as relações empresariais e de construção. Uma das grandes vantagens é permitir a plantação sem necessidade de aquisição do terreno ou a construção, independentemente de compra. Caso fosse adquirir
haveria oneração do contrato.
Demonstra-se, a partir da exposição do autor, que o objetivo do direito de superfície foi “reduzido”, do ponto de vista, das diretrizes gerais estabelecidas no artigo 2.º do Estatuto da Cidade, como se
pode verificar, ainda, no decorrer da exposição.
Por fim, pode estimular a construção de fábricas, armazéns, hotéis, sem que haja necessidade de aquisição do terreno.
Para o proprietário também fica cômodo, pois pode alienar o direito de superfície, facilitando a ocupação de seu imóvel,
usufruindo frutos daí decorrentes. Por outro lado, foge das eventuais sanções pela subutilização ou não utilização do
imóvel. (OLIVEIRA, 2005, p. 93)
Nesse caso, o cumprimento da função social da propriedade pode até ocorrer dependendo do
uso que se dê ao bem e ao contexto de sua utilização, mas corre-se o risco de voltarmos a um dos
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
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dilemas da enfiteuse, que é a manutenção de uma titularidade nas mãos de alguém que não aproveita
diretamente o bem, o que provoca maior possibilidade de concentração da propriedade.
Na regulação desse instituto, Estatuto da Cidade e o Código Civil definem suas principais características, tanto no que se refere aos direitos do proprietário, relativos ao recebimento do valor da venda
da superfície e do seu direito de reaver o bem após o período acordado, quanto de seus deveres, no
sentido de não impedir de forma nenhuma a utilização do bem pelo superficiário.
Quanto aos direitos e deveres do superfíciário, no que diz respeito aos seus direitos é possível
elencar a sua possibilidade de utilizar, fruir e dispor do bem pelo prazo determinado em contrato e no
que se refere a sua responsabilidade, este deverá manter o bem e pagar os seus tributos e demais despesas decorrentes da utilização do bem.
Por fim, ambos apresentam direito de preferência, um em relação ao outro para que a propriedade e a superfície se consolidem novamente em um único bem.
Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso
Nas áreas onde houver ampla demanda para construção ou para a alteração de uso, o Poder Público Municipal poderá compensar os benefícios da urbanização que são apropriados de forma privada,
com a utilização desse instrumento.
Assim, a outorga onerosa do direito de construir se apresenta como um instrumento redistributivo, em que o particular aproveita mais um determinado bem já valorizado, e, com isso, portanto, onera
mais a infraestrutura, construindo para além do que a legislação define como parâmetro básico.
O ônus coletivo gerado, pelos investimentos do Poder Público para a valorização do imóvel e para
a superutilização da infraestrutura existente, é mitigado pelo pagamento do particular ao Poder Público
para que se possa construir mais e para que o município invista em outras áreas de menor infraestrutura.
Como define Meirelles (2006, p. 531):
É o exercício do direito de construir acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, segundo dispuser o plano
diretor em determinadas áreas, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. (Lei 10.257, de 2001, art. 28). O
Estatuto da Cidade considera coeficiente de aproveitamento a relação entre a área edificável e a área do terreno.
Esse instituto pode ser denominado também como solo criado, que é na sua conceituação geral
um acréscimo de construção realizado mediante contrapartida do proprietário ao Poder Público, que
concede uma licença nos termos da lei municipal.
O plano diretor deverá estabelecer o coeficiente máximo. Assim, o proprietário poderá construir
até o coeficiente básico sem nenhuma contrapartida ao Poder Público e do básico até o parâmetro máximo estabelecido poderá utilizar a outorga onerosa.
Sempre que o coeficiente básico estipulado for muito alto, o instituto perde a sua possibilidade
de ser utilizado.
Os recursos auferidos pela utilização desse instituto apresentam destinação previamente estabelecida pelo Estatuto da Cidade em seu artigo 26, destinação esta idêntica àquela estabelecida para o
direito de preempção.
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
Transferência do direito de construir
O instrumento da transferência do direito de construir ou da transferência de potencial construtivo vem minorar o problema dos proprietários de imóveis que, por algum motivo, estão impedidos por
lei de aproveitar os seus próprios bens.
Nesse sentido, compreendendo que há um ônus suportado privadamente em benefício da coletividade, o Poder Público Municipal estabelece medidas compensatórias aos proprietários.
Utiliza-se o potencial de construção daquele determinado terreno em outro imóvel. De acordo
com Oliveira (2005, p. 120), “é o solo criado para ser utilizado em outro imóvel”.
Assim, se o imóvel apresenta relevante área verde, ou ambientalmente frágil, ou se trata de construção histórica, entre outras possibilidades, o proprietário poderá transferir o coeficiente de aproveitamento daquele imóvel para outro que seja seu ou de terceiros.
Como afirma Oliveira (2005, p. 120):
Evidente que o direito de construir passa por enormes transformações, passando a ser não o direito de erigir em seu
próprio terreno, mas direito autônomo e destacado do imóvel, podendo ser negociado livremente. Pode, até, deixar
de existir o direito de construção no próprio imóvel, mas pode ser utilizado em outro imóvel, do proprietário ou de
terceiro, negociando-o em bolsa.
O plano diretor deverá estabelecer em que condições pode ser aplicado esse instrumento e em que
locais do município. Também, sempre que for possível, deverá acompanhar a compra e venda dos títulos.
Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público,
a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em
legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:
I - implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
II - preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;
III - servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e
habitação de interesse social.
Assim, como é possível notar, o instrumento apresenta como objetivo retirar dos proprietários
a incidência de todo o ônus referente à propriedade do imóvel sobre o qual há interesse coletivo de
manutenção.
Operação urbana consorciada
A operação urbana consorciada é um instrumento que visa agilizar processos que se estivessem
adstritos às priorizações do Poder Público Municipal demorariam muito tempo para serem realizados e
gerariam, com isso, grande prejuízo aos proprietários interessados na melhor utilização de seus imóveis
e ao próprio Poder Público. Nesse sentido, o Poder Público também deverá manifestar interesse em
realizar os melhoramentos na área objeto da aplicação do instrumento.
Nesses casos, o Poder Público Municipal, por meio do plano diretor, poderá definir em que áreas
do município deve haver melhoramentos consideráveis e se isso deve decorrer da vontade combinada
de particulares e do Poder Público.
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
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Assim, o artigo 32 do Estatuto da Cidade define o objetivo do instrumento:
Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas.
§1.º Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público
Municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.
Na área que for definida como operação urbana consorciada, deverá ser realizado um plano específico de urbanização em que se podem definir parâmetros específicos que contemplem o interesse do
Poder Público e dos particulares de viabilizar a realização da urbanização das áreas.
Todos esses institutos poderão ser utilizados em conjunto ou separadamente. O plano diretor
será o instrumento hábil a definir quais instrumentos e em que termos estes deverão ser utilizados,
além de observadas as características de cada município.
Texto complementar
Instrumentos de Reforma Urbana geram recursos para a política habitacional
Ao instituir uma política de desenvolvimento urbano baseada no “direito de acesso de todo o
cidadão às condições básicas de vida”, a Prefeitura de Porto Alegre adotou um conjunto de instrumentos para facilitar o acesso à terra urbana, gerar recursos para programas habitacionais e estabelecer formas democráticas e transparentes de gestão desses recursos.
A primeira iniciativa da Prefeitura, nessa direção, consistiu no enquadramento constitucional
de suas ações. As Leis Complementares 312/93 e 333/94 definiram as condições para o cumprimento da função social da propriedade urbana, o que possibilitou a aplicação do IPTU progressivo no
tempo, configurando um conjunto articulado com a Permuta e Alienação de índices de construção,
o Banco de Terras Municipais, o Fundo Municipal de Desenvolvimento e o Conselho Municipal de
Acesso à Terra e Habitação.
O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo é um instrumento capaz de
inibir a especulação imobiliária e promover a utilização do solo urbano. Em Porto Alegre, aplica-se
aos imóveis não parcelados, não edificados, ou subutilizados situados em cinco áreas, perimetradas
por lei, consideradas de ocupação prioritária. Nelas foram identificados 120 imóveis não utilizados
pertencentes a 111 proprietários (seis dos quais concentram 59% da área) totalizando uma área de
301ha, aproximadamente metade da área necessária para suprir a carência habitacional estimada
para os próximos dez anos em Porto Alegre. A lei estabelece prazos para viabilizar a edificação ou
parcelamento, vencidos os quais, aplica-se a progressividade do IPTU, com alíquotas também previstas em lei. Os recursos arrecadados serão remetidos ao Fundo Municipal de Desenvolvimento.
[...]
(Disponível em: <www.ibam.org.br/urbanos/assunto3/blt3_2.htm>.)
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
Atividades
1.
Qual é a função dos instrumentos ou institutos jurídicos definidos no Estatuto da Cidade?
2.
Sobre o direito de preempção é correto afirmar:
a) permanece pelo prazo de 10 anos.
b) é similar à desapropriação.
c) equivale ao direito de preferência civil.
d) é sempre compulsório.
3.
Qual era o objetivo da instituição do direito de superfície no Estatuto da Cidade e qual a aplicação
atual do instituto?
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
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Gabarito
1.
A função dos instrumentos é efetivar o cumprimento da função social da propriedade. Assim, o
instrumento deve ser definido de forma objetiva para que seja aplicado nos locais definidos pelo
plano diretor.
2.
C
3.
O direito de superfície havia sido pensado para a aplicação da regularização fundiária, mas hoje é
mais utilizado como instrumento do direito imobiliário.
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Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade
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O direito ambiental
nas cidades
Direitos difusos e coletivos
O direito ambiental, pelas suas características, pelos interesses que tutela e pela propriedade de
se fazer presente na manutenção de toda e qualquer possibilidade de vida, traz em seu escopo a importância de uma considerável mudança de rumo no direito brasileiro, a saber, a necessidade de se tratar
de direitos que tenham uma dimensão coletiva.
Assim, se reconhece que determinadas questões extrapolam em muito os muros que separam as
questões individuais daquelas que têm em si natureza metaindividual. Se a lei que tratou da ação popular – Lei 4.717/1965 – foi importante para o reconhecimento das demandas de interesse coletivo e
difuso, não menos relevante foi a Lei 6.938 de 1981, que reconheceu a necessidade de se estabelecer
uma Política Nacional de Meio Ambiente e, posteriormente, a Lei 7.347/85 que tratou da ação civil pública como meio de defesa de lesão e ameaça de lesão ao meio ambiente, entre outras questões.
Esse conjunto de legislações, fruto das demandas e pressões da sociedade civil organizada em
torno das questões ambientais, culminou no Capítulo da Constituição Federal que trata do Meio Ambiente e que estabelece em seu artigo 225 que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os
presentes e futuras gerações.
Dessa frase do texto constitucional é possível retirar alguns elementos, entre eles algumas das características dos direitos difusos apontadas por Fiorillo (2005, p. 6), como a transindividualidade, quando o artigo se refere a um direito que não está na esfera da subjetividade individual, mas, ao contrário,
aparece como um direito de “todos”, superando, dessa forma, a construção geral do direito brasileiro
que se assentou historicamente sob a perspectiva de assegurar direitos individuais.
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O direito ambiental nas cidades
Para além dessa característica, o direito ambiental é indivisível, ou seja, não é possível assegurá-lo
de forma geral a apenas uma parte da população, pois em regra os seus efeitos são sentidos independentemente da apreensão de suas partes, até porque esse direito pressupõe a ideia de equilíbrio e não
é possível se falar em equilíbrio, nesse caso, em partes. Isso não significa dizer que há o reconhecimento
de que a população de mais baixa renda, em regra, sofrerá mais com os efeitos do desequilíbrio ambiental, pois apresenta menos possibilidade de se proteger individualmente de suas consequências, embora
tal defesa possa se apresentar como paliativa no caso da contenção do problema.
Uma outra característica do direito ambiental é a indeterminação dos titulares, ainda que exista
uma interligação destes pelas próprias circunstâncias relativas ao direito, quando a legislação se refere
às “presentes e futuras gerações”, ou seja, não há que se falar em uma titularidade específica, ainda, que
no caso concreta algumas populações, comunidades ou grupos possam sentir mais de perto as suas
conseqüências, caracterizando assim, uma esfera de titularidade coletiva.
Por fim, o direito ao meio ambiente é considerado direito essencial, o que significa dizer que não
há meio de vida sem considerar a necessidade da manutenção do meio ambiente; ele se perfaz, dessa
forma, em condição de existência.
Princípios de direito ambiental
O direito ambiental está conformado nos princípios que orientam a aplicação de suas regras.
Assim, diferentemente das regras que apresentam caráter mais específico, os princípios são mais generalizantes e irradiam suas possibilidades e limites para todas as regras.
Dessa forma, o direito ambiental convive com os princípios estabelecidos na Constituição Federal de
1988 (CF/88) e com princípios que são específicos do direito ambiental. Assim, ao mesmo tempo, estão presentes no direito ambiental: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da função social da propriedade, o princípio da supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente, o princípio da indisponibilidade do meio ambiente, o princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente.
Quanto aos princípios que informam o direito ambiental, são estes: princípio da sustentabilidade
ambiental, princípio do poluidor-pagador, princípio da prevenção, princípio da participação e princípio
da ubiqüidade.
Princípio da sustentabilidade ambiental
No que se refere à sustentabilidade ambiental, essa expressão foi utilizada pela primeira vez, oficialmente, na Conferência Mundial de Meio Ambiente em Estocolmo, no ano de 1972.
O princípio da sustentabilidade sustentável busca um equilíbrio entre as atividades econômicas, às
questões sociais e a própria manutenção do meio ambiente. Nesse sentido aponta Fiorillo (2005, p. 27):
[...] o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com
o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que
temos à nossa disposição.
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O direito ambiental nas cidades
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Assim, o princípio da sustentabilidade ambiental determina a verificação da tríade: econômico,
social e ambiental para a realização das atividades nas cidades.
Importa aqui uma mudança no padrão de consumo e na forma de produção, pois esses são absolutamente responsáveis pela destruição ambiental. Dessa forma, muitos autores defendem que as
medidas de controle e de aproveitamento de resíduos são absolutamente insuficientes para conter o
acelerado avanço de degradação ambiental.
O controle sobre a atividade econômica é necessário na medida em que a falta deste, durante
muito tempo, gerou os problemas que são o centro de enfrentamento atual. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, quando tratou da ordem econômica definiu que:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional 42, de
19/12/2003)
Nesse sentido, também o Estatuto da Cidade se manifestou determinando que
Art. 2.º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações;
IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas
do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano
e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
[...]
g) a poluição e a degradação ambiental;
VIII - adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites
da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;
XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e arqueológico.
Como se pode verificar, o legislador fez uma opção por uma determinada produção de cidade, o
que não significa dizer que as atividades econômicas poluidoras estão absolutamente impedidas de se
instalar em qualquer município brasileiro, mas que toda e qualquer atividade poluidora deverá, obrigatoriamente, procurar meios de mitigar os efeitos da poluição que causa.
Princípio do poluidor-pagador
O princípio do poluidor-pagador não traz em si a ideia de que o poluidor pode poluir, porque
paga. Ao contrário, busca punir aqueles que dessa forma agem.
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O direito ambiental nas cidades
Nesse sentido, estabelece a responsabilidade objetiva do causador do dano, pelo tipo de atividade que executa, o que significa dizer que, independentemente da verificação e comprovação de sua
culpa, o empreendedor responsável pela atividade poluidora deverá arcar com os ônus da atividade,
sempre que desta resultar qualquer dano ao meio ambiente.
Assim, como demonstra Fiorillo (2005, p. 30), “podemos identificar no princípio do poluidor-pagador duas órbitas de alcance: a) busca evitar a ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); e b)
ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo).”
O empreendedor deve, precipuamente, utilizar todos os meios e tecnologias que impeçam a
ocorrência de danos ambientais e, nesse sentido, agir preventivamente à ocorrência de qualquer tipo
de dano e, em um segundo momento, havendo ocorrência de dano, ainda que não seja apurada a sua
culpa, cabe ao empreendedor, por assumir o risco da atividade, arcar com os possíveis ônus que ela
possa vir a gerar e, assim, apurado o dano, cabe ao empreendedor a sua reparação posterior.
Esse princípio está exposto no parágrafo 3.º, do artigo 225 da Constituição Federal que determina que
[...] §2.º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com
solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
Como se pode notar no texto não se trata de provocar o dano, mas de se assumir o risco de exercer
determinada atividade potencialmente poluidora.
A forma referente ao ressarcimento do dano, se possível se refletirá na sua contenção, mas tendo
em vista que normalmente a esta fica absolutamente prejudicada, o ressarcimento poderá ser realizado
com a indenização, ainda que deva se dar prioridade absoluta à possibilidade de reparação do dano, no
caso dessa possibilidade existir.
Princípio da prevenção
Alguns autores sustentam que esse deve ser o princípio norteador de todos os princípios de direito
ambiental, pois tendo em vista que a reparação do dano ambiental é extremamente difícil de se verificar
na prática, o estabelecimento desse princípio consiste na busca mais efetiva da prevenção.
Conforme demonstra Fiorillo (2005, p. 39):
De fato, a prevenção é preceito fundamental, uma vez que os danos são irreversíveis e irreparáveis. Para tanto, basta
pensar: como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar os efeitos de Chernobyl? Ou, de que forma restituir uma
floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de ecossistemas diferentes, cada um com o seu essencial papel
na natureza?
Dessa forma é possível verificar que a prevenção se constitui na possibilidade de se falar em meio
ambiente e que, nesse sentido, o papel do Estádio na fiscalização e na aplicação de sanções é de fundamental importância no desestímulo às práticas que agridam o meio ambiente.
Princípio da participação
Tendo em vista que o meio ambiente é assunto de interesse geral, considerada a sua relevância,
toda a população está chamada pela Constituição Federal a contribuir no que se refere à proteção e
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O direito ambiental nas cidades
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preservação ambiental e, ainda, a fiscalizar e fazer valer os preceitos constitucionais atinentes ao meio
ambiente. Pois, como lembra Fiorillo (2005, p. 41):
Outrossim, oportuno considerar que o resultado dessa omissão participativa é um prejuízo a ser suportado pela própria coletividade, porquanto o direito ao meio ambiente possui natureza difusa. Além disso, o fato de a administração desse bem ficar
sob a custódia do Poder Público não elide o dever de o povo atuar na conservação e preservação do direito do qual é titular.
Nesse sentido, devem-se observar três questões fundamentais à realização de tal princípio. A primeira diz respeito à necessidade de conscientização sobre as questões ambientais, por esse motivo
desenvolvem-se programas de educação ambiental que visam esclarecer à população sobre o papel do
meio ambiente. Assim Fiorillo (2005, p. 43) descreve o significado da educação ambiental:
Educar ambientalmente significa: a) reduzir os custos ambientais, à medida que a população atuará como guardiã do
meio ambiente; b) efetivar o princípio da prevenção; c) fixar a ideia de consciência ecológica, que buscará sempre a utilização de tecnologias limpas; d) incentivar a realização do princípio da solidariedade, no exato sentido que perceberá
que o meio ambiente é único, indivisível e de titulares indetermináveis devendo ser justa e distributivamente acessível
a todos; e) efetivar o princípio da participação, entre outras finalidades.
Para além dessa questão referente à educação fundamental, outros dois elementos são fundamentais à efetividade das ações de preservação ao meio ambiente, quais sejam a necessidade de se
afirmar a educação ambiental, não em ações pontuais, mas em uma política nacional de educação ambiental e o acesso às informações ambientais, como estabelece o parágrafo 1.º, do artigo 225, do texto
constitucional que determina que
[...] §1.º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...]
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do
meio ambiente; [...]
Princípio da ubiquidade
Esse princípio tem por objetivo fazer valer as pretensões do direito ambiental, no sentido de se
entender que o meio ambiente está presente em todas as questões. Assim, toda a produção da cidade
demanda uma reflexão sobre como se deve atuar em relação ao meio ambiente, que prejuízos podem
ser causados e que tipo de prevenção deve ser adotada.
Esse princípio faz valer a regra de que há a necessidade de se inserir a questão ambiental como
pauta de toda atividade econômica e das ações de ocupação e de uso dos espaços urbano e rural.
Estatuto da Cidade
Na esteira dos princípios constitucionais, o Estatuto da Cidade veio disciplinar a construção do
espaço urbano e o controle do uso e da ocupação do solo, a partir do disciplinamento das atividades no
que concerne às questões ambientais.
Nesse sentido, há que se considerar como bens ambientais o patrimônio natural e também o
ambiente construído.
Com isso, não quis, o Estatuto, tratar de questões diretamente ambientais, assim, não está contido
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O direito ambiental nas cidades
no seu texto a forma de proceder, nem foram inseridos instrumentos de direito ambiental. Mas, em
seu artigo 2.º, fica demarcada a opção principiológica de se tratar da produção das cidades a partir da
ótica de que se devem considerar as questões ambientais em todas as suas formas na construção das
cidades.
Por esse motivo, inclusive, determinou que as cidades “inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional”,
conforme determinou o artigo 41, inciso V, do Estatuto da Cidade devem realizar, ou seja, são obrigadas
a elaborar seus planos diretores.
Também, como foi visto, no estabelecimento de seus princípios definiu uma forma de se produzir
cidade que estará adstrita a observação das questões ambientais, como demonstra Oliveira (2005, p. 25):
O objetivo primeiro é ter uma cidade sustentável, ou seja, apropriada a fornecer a seus habitantes as condições mínimas
de bem-estar, segurança, vida saudável etc. De outro lado, deve ter infraestrutura urbana, ou seja, transporte, trabalho,
lazer e, em geral, serviços públicos, tais como ensino e saúde. Isso para preservar as presentes e futuras gerações [...]
Nesse sentido, no que concerne ao meio ambiente, as fronteiras entre urbano e rural são desfeitas, assim como a preocupação quanto à titularidade dos bens, a responsabilidade pela sustentabilidade da cidade e da conservação do patrimônio incide tanto sobre a propriedade quanto sobre a posse
e tanto sobre os bens particulares quanto em relação aos bens públicos. Assim, é possível observar o
rompimento de diversas categorizações tanto do direito público como do direito privado, ainda que tais
designações já não apresentem fundamental importância.
Meios de defesa do patrimônio ambiental
Existem inúmeros meios de se proteger o meio ambiente, entre eles pode se citar a ação popular,
a ação civil pública, a concessão de incentivos fiscais e a transferência do direito de construir, o tombamento, a instituição de Unidades de Conservação.
A ação popular é uma ação judicial que tem como objetivo anular um ato ou um contrato da
Administração Pública que atente contra a moralidade pública e que lese o patrimônio público, o meio
ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Qualquer pessoa pode propor a ação popular com isenção
do pagamento das custas judiciais e dos ônus de sucumbência, o que significa perda da ação, a não ser
que se comprove má-fé do titular da ação.
A ação civil pública é uma ação judicial que tem como objetivo proteger os interesses difusos
e coletivos da sociedade, considerando os interesses referentes ao meio ambiente e a bens de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Apurada a responsabilidade pelos danos causados,
poderá haver condenação em dinheiro ou a necessidade de se fazer algo que repare o dano ocorrido.
Qualquer pessoa pode provocar a iniciativa do Ministério Público para que este proponha a ação,
prestando informações sobre os danos causados. Podem também propor a ação: a União, os Estados
e os municípios; as autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista e, ainda, as
associações e fundações que tenham mais de um ano e que tenham por finalidade proteger o meio
ambiente e o patrimônio histórico.
Quanto aos incentivos fiscais, estes apresentam como finalidade o auxílio na promoção do desenvolvimento ambiental, socioeconômico e cultural da sociedade. Esses incentivos consistem em
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O direito ambiental nas cidades
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dedução/redução dos valores devidos ao Estado. Normalmente esses incentivos são realizados com a
isenção parcial ou total do imposto devido, ou com o repasse de recursos de um ente da federação ao
outro para que este se beneficie com a preservação do meio ambiente.
Alguns municípios, pelas suas características físicas, geológicas, ambientais não podem suportar
grande impacto de atividades poluidoras em seus territórios. Isso é entendido em diversas situações como
uma pena a tais municípios, no que concerne a divisão do repasse dos recursos ao conjunto de municípios.
Nesse sentido, existe, por exemplo, uma crítica em relação à regra de repasse do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para os municípios, pois a forma de repasse é
absolutamente concentradora de riquezas. Assim, o município que mais produz, independentemente
de suas condições, tem retorno proporcional à sua produção, o que obviamente prejudica aqueles municípios que não podem se industrializar, inclusive porque são meios de manutenção dos municípios
que se industrializam, como acontece com os municípios que são a fonte de água limpa, daqueles industrializados.
Mas, o Estado dispõe de uma autonomia sobre 25% do valor que deve voltar aos municípios sobre a regra que entender melhor criar.
Assim, diante desta margem de autonomia, o Estado do Paraná, por exemplo, utiliza o ICMS Ecológico, pela Lei 59/91, que destinou parte do recurso aos municípios que possuam ou mantenham unidades de conservação e mananciais de abastecimento de água em seus limites territoriais. Por conta
disso, houve um aumento significativo de áreas protegidas e conservadas no Estado.
Quanto ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), também foi possível buscar um
meio de incentivar a preservação ambiental. Esse imposto, a partir do Decreto Federal 4.382/2002, excluiu da sua base de cálculo as áreas de preservação permanente, como os fundos de vale; as áreas de
reserva legal, as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN, as áreas de servidão florestal, as
áreas de interesse ecológico para a proteção de ecossistema e as áreas imprestáveis para a atividade
rural, declaradas de interesse ecológico.
Outro imposto que também vêm servindo como meio de incentivo à preservação é o Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU), que assumiu as vestes de IPTU Ecológico e que iniciou em Porto Alegre com características similares ao sistema implantado para o ITR.
Ainda, a transferência do direito de construir também se apresenta como um instrumento de
incentivo à preservação, pois tem como característica o caráter de instrumento jurídico compensatório
que transfere o direito de construir de um lote para outro para além do que o segundo lote poderia ter
de construção (considerando o tamanho da área construída). A transferência do direito de construir
pode constar na Lei do plano diretor ou em legislação específica que trate do tema. O Poder Executivo
deve encaminhar à Câmara de Vereadores projeto que contemple essa questão, estabelecendo os lugares de sua aplicação. Assim, se o proprietário de uma área não pode utilizá-la por conta da questão
ambiental, este pode transferir o potencial construtivo desta área para outra, sem recolher os valores
referentes à diferença entre os padrões básico e máximo da ocupação dos bens.
Quanto ao tombamento, o Poder Público, com base no Decreto Lei 25/37, poderá proteger bens
que apresentem valor paisagístico, histórico, cultural no que se refere ao meio ambiente construído.
Como lembra Torres (2005, p. 104), no que se refere às Unidades de Conservação:
[...] com esse instituto o Poder Público poderá criar áreas para preservação do meio ambiente, divididas em dois grupos
distintos: Unidades de Proteção Integral, que têm o objetivo de preservar a natureza, admitindo apenas o uso indireto
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O direito ambiental nas cidades
de seus recursos naturais, e as Unidades de Uso Sustentável, para compatibilização da conservação da natureza com o
uso sustentável de parte dos seus recursos naturais.
Ainda, para além de todos esses institutos, existem aqueles relativos ao próprio direito ambiental como o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental) e para o meio
ambiente construído e natural o exposto no Estatuto da Cidade como EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança).
Outra possibilidade de controle das ações referentes ao meio ambiente e que pode ser realizada
pelo município é o zoneamento ambiental, que extrapola as linhas que separam área urbana e área
rural para se determinar ações de preservação ambiental nas áreas consideradas mais frágeis e mais
relevantes do ponto de vista ambiental.
Competência municipal
O meio ambiente nas cidades está constituído no princípio da subsidiariedade, em que o município apresenta duas competências em relação à matéria ambiental: a legislativa e a material, para além
das competências estabelecidas para os demais entes federativos.
Como afirma Mukai (2005, p. 50):
O Município exercerá essas atribuições com base no seu poder de polícia em matéria ambiental (art. 30, I e II, da Constituição Federal), sendo que, em face do art. 23 da Constituição (competências comuns), o Município somente atuará
(assim como os demais membros da Federação) em termos e em caráter de cooperação (através de convênios) com
outros entes, em virtude dos dizeres do parágrafo único do referido art. 23. Não lhe é dado, nem a ele, Município, nem
ao Estado-membro, nem à União, em termos de licenciamento e aplicação de sanções, agir isoladamente com fulcro
no art. 23 da Constituição Federal.
Assim, os municípios apresentam competência concorrente quando legislam sempre que consideradas as diretrizes gerais estabelecidas pela legislação federal. Mas, cabe ao município determinar
regras específicas ambientais que decorram de seu interesse local, desde que não contrariem as normas
federais, conforme estabelece o artigo 24 da Constituição Federal. Também apresentam competência
executiva comum em relação à execução das atividades relativas à preservação e conservação do meio
ambiente, o que também está explicitado no artigo 23 da Constituição Federal de 1988.
Nesse caso, não importa a titularidade do bem (público ou particular ou público de outro ente
federativo), a competência para a fiscalização e a aplicação de medidas que visam mitigar os impactos
devem ser aplicadas por todos os entes da federação.
Assim, o órgão local possui poder de polícia ambiental, conforme a Lei 6.938/81 que instituiu o
Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA).
Além de todas as justificativas próprias do direito ambiental para o controle relativo à sua proteção, o município, com base no interesse local, deverá resguardar e legitimar a sua conduta no sentido
de legislar, fazer o controle, a fiscalização e aplicar sanções referente ao descumprimento de norma ambiental, pois deve tratar de assuntos que por sua natureza afetem diretamente o seu interesse e, neste
sentido, as questões ambientais sempre estão presentes nas políticas públicas municipais.
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O direito ambiental nas cidades
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Texto complementar
Preservação ambiental ou moradia: um falso conflito
(FERNANDES, 2006)
[...]
Mas, haveria mesmo um conflito entre preservação ambiental e moradia? Trata-se de uma falsa
questão: os dois são valores e direitos sociais constitucionalmente protegidos, tendo a mesma raiz
conceitual, qual seja, o princípio da função socioambiental da propriedade. O desafio, então, é compatibilizar esses dois valores e direitos, o que somente pode ser feito através da construção não de
cenários ideais inadmissíveis, mas de cenários possíveis.
A grande novidade da ordem jurídica brasileira, mas que ainda não foi totalmente compreendida, é que onde valores constitucionais forem incompatíveis e um tiver que prevalecer sobre o
outro, medidas concretas tem que ser tomadas para mitigar ou compensar o valor afetado. É esse
o espírito da mencionada MP 2.220/2001: se o direito de moradia dos ocupantes de assentamentos
informais em terras públicas não puder ser exercido no mesmo local, devido às razões ambientais,
o direito de moradia continua prevalecendo, devendo ser exercido em outro local adequado. São
muitos os exemplos no Brasil de programas locais que têm tentado construir esses cenários possíveis em que preservação e moradia são associados; talvez o melhor exemplo seja o dos “Bairros
Ecológicos” de São Bernardo do Campo, para as ocupações consolidadas na margem da Represa
Billings, onde uma ampla articulação coordenada pelo Ministério Público local levou à assinatura de
Termos de Ajuste de Conduta envolvendo diversos atores – moradores, loteadores, Prefeitura etc.
Dado o grau de participação comunitária, novas ocupações têm sido impedidas; remoções foram
promovidas em certas áreas, bem como reflorestamento e plantio de calçadas ecológicas e outras
medidas mitigadoras e compensatórias. A própria comunidade local pagou pela instalação de uma
estação de tratamento de esgotos e, como resultado, a água da represa é hoje melhor que a água
nas origens da represa, poluída por agrotóxicos ou despejos industriais.
[...]
Atividades
1.
Explique as características do direito difuso ambiental, a partir da Constituição Federal de 1988.
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146
2.
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O direito ambiental nas cidades
A respeito da competência sobre meio ambiente é correto afirmar:
a) somente a União poderá estabelecer regras de direito ambiental.
b) o município poderá agir isoladamente no que concerne ao seu território.
c) somente a competência para a fiscalização recairá sobre o município.
d) a ação do município está fundada no seu interesse local.
3.
Sobre o princípio do poluidor-pagador que tipo de responsabilidade é atribuída ao empreendedor
e por que o legislador optou por essa escolha?
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O direito ambiental nas cidades
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Gabarito
1.
O direito ambiental se caracteriza por ser direito metaindividual que tem por características a
transindividualidade, a indivisibilidade e a indeterminação de seus titulares que estão ligados por
circunstâncias de fato.
2.
D
3.
A responsabilidade civil, nesse caso, é responsabilidade objetiva, pois o empreendedor assume
com a atividade, a possibilidade dos seus riscos. Assim, independentemente da comprovação de
sua culpa arcará com a responsabilidade da reparação dos prejuízos causados.
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O direito ambiental nas cidades
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Regularização fundiária
Moradia
Com vistas ao reconhecimento e ao enfrentamento dos graves problemas vivenciados nas cidades brasileiras, no que diz respeito à questão da moradia, a Constituição Federal de 1988 (CF/88)
recebeu um acréscimo naquilo que é considerado direito social. Assim, além da saúde, do trabalho, da
educação, entre outros direitos, a Emenda Constitucional 26, de 14/02/2002 inseriu o direito à moradia
na ordem dos direitos sociais, a saber:
Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
A justificativa dessa inserção no texto constitucional pode ser verificada nas palavras do autor
Alfonsín (2003, p. 20)
Admitindo-se que o pão e a casa são meios indispensáveis de vida para a pessoa humana, a satisfação concreta de tais
necessidades, passe o óbvio, é indispensável à mesma vida.
Se é esse o sentido, portanto, de todos os direitos humanos correspondentes à tal satisfação, a sua referência quanto
aos sujeitos somente pode ser universal, e a sua referência ao objeto terra somente pode ser a de suficiência de espaço
para todo(a)s.
Diante dessas considerações, percebe-se que não há como se fazer valer o inciso terceiro do artigo primeiro da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que postula como fundamento do Estado brasileiro a “dignidade da pessoa humana”, se for negada a possibilidade de manutenção dos meios de vida,
entre eles, a alimentação e o abrigo.
Mas se trata aqui de qualificar o significado de abrigo, tendo em vista as possibilidades materiais
que se afiguram na concretude do direito de morar. Significa dizer que o homem produziu uma série de
qualificações relativas a tal direito, assim, o direito de morar não se afigura meramente na disposição de
um “teto”, de uma habitação, mas para além desta, ainda que sem habitação não seja possível se falar
em moradia, de uma série de condições que propiciem qualidade de vida, dignidade e cidadania.
Morar, a partir dos fundamentos expostos, significa acesso: à habitação de qualidade, com posse
juridicamente assegurada; ao saneamento básico e à água tratada; à acessibilidade física ao local da
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Regularização fundiária
habitação; a iluminação, aquecimento e ventilação apropriados, observadas as condições locais; à infraestrutura, como vias e calçamento; à disponibilidade de serviços públicos, como educação e saúde;
acesso ao transporte público; à qualidade ambiental; à possibilidade de acesso ao trabalho; aos espaços
de cultura e lazer, entre outras questões que caracterizam o significado da expressão moradia.
A legislação federal de parcelamento do solo, Lei 6.766/79, determina as condições mínimas de
infraestrutura para que sejam realizados os loteamentos, conforme o artigo 2.º e define, ainda, no artigo
3.º, as restrições referentes aos locais em que se pode estabelecer as moradias, considerando os riscos
existentes.
Assim, é possível dizer que do ponto de vista jurídico é reconhecido o direito à moradia e o Estado
deve assegurar as condições para que tal direito seja devidamente viabilizado.
Cenários da moradia no Brasil
Ainda que a Constituição Federal reconheça o direito à moradia, a ordem jurídica brasileira levou
bastante tempo para iniciar a instrumentalização desse direito, de modo a fazer valer tal premissa.
De acordo com Maricato (2002, p. 17)
As reformas urbanas, realizadas em diversas cidades brasileiras entre o final do século XIX e início do século XX, lançaram as bases de um urbanismo moderno “à moda” da periferia. Realizavam-se obras de saneamento básico para a
eliminação das epidemias, ao mesmo tempo em que se promovia o embelezamento paisagístico e eram implantadas
as bases legais para um mercado imobiliário de corte capitalista. A população excluída desse processo era expulsa
para os morros e franjas da cidade. Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife, São Paulo e especialmente o
Rio de Janeiro são cidades que passaram por mudanças que conjugaram saneamento ambiental, embelezamento e
segregação territorial, nesse período.
Assim, como afirma a autora, os cenários das cidades brasileiras demonstram as enormes distâncias que separam a “cidade formal da cidade informal”. Na mesma malha urbana, a cidade é capaz de
conceder toda possibilidade de benefícios a uma parte da população e deixar para o restante um mar
de precarização, informalidade e favelização.
Essa cidade informal é construída sobre as áreas sobrantes, ou seja, pelas áreas que não apresentam valorização econômica, que não possuem, ou que apresentam restrição de uso e, por isso, insignificante valor de troca. Resta, assim, a população pobre das cidades habitar os morros, as áreas de
preservação ambiental, as áreas de difícil acesso, os terrenos distantes dos centros. Em contrapartida,
a cidade formal mantém espaços vazios propícios à ocupação para a moradia, sem uso, aguardando
maior valorização que signifique apropriação privada dos benefícios da urbanização.
Assim, a lógica da especulação imobiliária e da supervalorização das áreas mais infraestruturadas
da cidade aliada a uma política pública habitacional incapaz de criar mecanismos de inclusão territorial
gerou o cenário caótico de ocupação das cidades.
Nesse sentido, Maricato (2002, p. 20) se refere à política habitacional que criou o Banco Nacional
de Habitação (BNH), integrado ao Sistema Nacional de Habitação na década de 1960, contando que
tal política mudou de fato o padrão habitacional nas cidades brasileiras, mas critica o modelo adotado
lembrando que
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Regularização fundiária
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[...] Infelizmente o financiamento imobiliário não impulsionou a democratização do acesso à terra via instituição da
função social da propriedade. [...] A atividade produtiva imobiliária nas cidades brasileiras não subjugou as atividades
especulativas, como ocorreu nos países centrais do capitalismo. Para a maior parte da população que buscava moradia
nas cidades o mercado não se abriu. O acesso das classes médias e altas foi priorizado.
Ainda, os programas públicos para a população de baixa renda foram marcados pela padronização e pelo distanciamento da vida das cidades.
Por outro lado, as iniciativas de promoção pública, os conhecidos conjuntos habitacionais populares, também não
enfrentaram a questão fundiária urbana [...] [...]. Os governos municipais e estaduais desviaram sua atenção dos vazios
urbanos (que, como se sabe, se valorizam com os investimentos públicos e privados feitos nos arredores) para jogar a
população em áreas completamente inadequadas ao desenvolvimento urbano racional, penalizando seus moradores
e também todos os contribuintes que tiveram que arcar com a extensão da infraestrutura [...]. (MARICATO, 2002, p. 21)
Diante desse cenário, formaram-se os movimentos urbanos de moradia, reivindicando acesso à
cidade e à moradia. O período da redemocratização inseriu a pauta dos movimentos sociais de reforma
urbana na CF/88, onde se previu um capítulo específico referente à política urbana e ao cumprimento
da função social das propriedades nas cidades.
Tais determinações no texto constitucional foram relevantes à abertura do debate institucional
relativo às condições de vida da população nas cidades, mas era insuficiente à concreta viabilização de
uma política habitacional de âmbito nacional. Assim, o projeto de lei – Estatuto da Cidade, elaborado
pelos movimentos sociais, viria buscar instrumentos de efetivação do acesso à moradia.
Informalidades
O Estatuto da Cidade tem por objetivo o enfrentamento aos principais obstáculos de efetivação
do direito à cidade. A partir daí, estabeleceu uma série de princípios que norteariam as ações em todas
as esferas de governo, no que se refere à produção das cidades e tratou da efetivação desses direitos a
partir do estabelecimento de mecanismos jurídico-urbanísticos que objetivassem as ações de inclusão
territorial, denominando-os de forma generalizada de instrumentos de regularização fundiária.
Os tipos de informalidade gerados pela segregação territorial são inúmeros, mas entre eles é possível chamar a atenção para algumas formas de “irregularidade” que foram objeto da busca de soluções
pela lei; entre elas está a ocupação da população em favelas ou assentamentos precários; em loteamentos clandestinos e irregulares, muitas vezes provocados pelos próprios loteadores, e os cortiços.
Outro ponto importante é que as irregularidades não atingem apenas a população de baixa renda, mas é essa população que mais sofre com os processos de irregularidade, pela falta absoluta de
segurança, inclusive jurídica sobre as suas moradias. Por isso, há um olhar voltado à resolução desses
problemas que são considerados mais graves.
Outra questão diz respeito à impossibilidade de acesso da população de baixa renda às áreas
formais, não exclusivamente pela impossibilidade econômica, mas pela ausência de meios, ou seja, pela
falta de condições de comprovar os inúmeros requisitos formais exigidos para se entrar no universo da
formalidade, por exemplo, a comprovação de renda, a conta em banco, o comprovante de endereço, as
certidões etc. Nesse sentido é possível perceber que a informalidade em uma situação pode ser a fonte
das demais sujeições à informalidade.
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Regularização fundiária
Por fim, o tratamento da informalidade, no sentido de se buscar a efetivação do direito à moradia
pelos programas de regularização fundiária, requer a observância dos seguintes elementos: jurídicos,
urbanísticos e políticos.
Valorização da posse
A forma que a Constituição encontrou para tratar desse problema, de uma moradia sem a segurança jurídica da posse, foi se voltar à situação de fato e reconhecer que o direito à moradia não está
necessariamente consubstanciado em uma situação de titulação. O que significa dizer de propriedade, a priori, ou seja, uma grande parte da população brasileira não consegue acessar o direito de propriedade, mas nem por isso pode ser privada do direito de morar. Volta-se, então, ao entendimento de
que o direito à moradia deve ser reconhecido a partir do momento que este assume o status de direito
fundamental de manutenção de vida, e que, dessa forma, pode se configurar apenas como posse.
Assim, se dá a revalorização da posse como forma de propiciar por meio do direito a legitimação
concreta do direito de morar.
A CF/88, ao diminuir os prazos da usucapião, incentivar a manutenção daqueles que já têm posse
e reconhecer o direito à moradia tinha como objetivo a valorização da posse em detrimento da titularidade da propriedade. Assim, fez constar em seu texto, em vários momentos, como no artigo 5.º, que o
direito de propriedade somente será tutelado se este observar o cumprimento da função social.
Assim, o direito à moradia, garantido no artigo 6.º da CF/88 poderia vir a ser efetivado, pois de
outra forma, quer dizer, sem a superação dos velhos fundamentos do direito de propriedade seria inevitável a manutenção do status quo.
Aspectos da regularização fundiária
A regularização fundiária deve ser entendida como uma forma de resolver ou de mitigar problemas já existentes. Portanto, trata-se de uma medida de caráter curativo, diferente daquelas políticas
realizadas preventivamente. Nesse sentido, ela pode ser parte de uma política habitacional, mas não
deve se configurar como a forma, por excelência, de se pensar tal política.
Em conjunto com essa medida é necessário estabelecer uma série de políticas públicas que não
produzam mais irregularidade, como a ampliação do mercado formal de habitação e a revisão dos modelos tradicionais de urbanização.
Outra questão relevante para os programas de regularização fundiária é assegurar a possibilidade
de permanência da população nos próprios locais onde se realiza o programa ou em locais próximos,
tendo em vista a preservação da construção das relações sociais da população e a manutenção de seus
vínculos sociais e afetivos.
É importante lembrar que a regularização fundiária não se configura como um programa de
distribuição de títulos de propriedade. A sua finalidade é agregar instrumentos que reconheçam a
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Regularização fundiária
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segurança jurídica das áreas ocupadas, como é o caso da usucapião ou da concessão de direito real
de uso, por exemplo, e de instrumentos que melhorem significativamente a qualidade urbanística
das áreas, como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) que estabelecem a realização dos planos
urbanísticos.
A primeira pergunta para se resolver a questão fundiária é a de se descobrir se a área ocupada é
pública ou se é privada, a partir daí é possível estabelecer os procedimentos que serão adotados para a
regularização e a definição dos instrumentos passíveis de utilização, lembrando que o tratamento das
áreas públicas é diferenciado daquele definido para as áreas privadas.
Assim, iniciaremos o estudo acerca dos instrumentos jurídico-urbanísticos que buscam a efetivação da regularização fundiária.
Concessão de Direito Real de Uso – CDRU
A concessão de direito real de uso foi instituída pelo Decreto-lei 271/67. De acordo com o Decreto, ao Poder Público é permitido ceder bens públicos a particulares para que estes utilizem o imóvel de
acordo com as seguintes destinações: urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra
utilização de interesse social.
Conforme explica Costa (2002, p. 115)
Se as terras forem do Município, a Administração Municipal deve apresentar um projeto de lei para a Câmara Municipal.
Recomenda-se que a lei que reconhece as ZEIS contenha uma autorização para implementar a CDRU.
Tanto para as favelas como para os conjuntos habitacionais, a autorização da CDRU gratuita ou paga está condicionada
à avaliação prévia à licitação na forma de concorrência. É possível a constituição de um processo de dispensa de licitação, uma vez que a avaliação e a concorrência pública já ficam dispensadas nas concessões destinadas à habitação
popular, quando se busca regularizar uma situação preexistente.
Particulares também podem utilizar esse instituto para ceder suas áreas a outros particulares.
Configura-se como um direito temporário, pois, apresenta finalidade previamente definida sendo
que alterada a finalidade o concedente pode, a qualquer tempo, cancelar a concessão.
Quanto à forma, a sua validade não está condicionada à forma solene, mas a Lei de Registros Públicos determina o registro imobiliário.
Concessão de uso especial para moradia
Sobre a instituição desse instrumento e sobre a sua aplicação, afirma Prestes (2004, p. 213)
[...] a concessão de uso para fins de moradia decorre do direito à moradia expressamente consagrado na Constituição
Federal como direito social e constitucionalmente previsto no capítulo da política urbana por intermédio do art. 183 e
seus parágrafos. O Estatuto da Cidade, legislação complementar a Constituição Federal que é, apenas regulamentou o
direito previsto, cabendo aos entes federativos, União, Estados e Municípios, cada qual no âmbito de sua competência,
a sua aplicação, para o fim de atribuir consecução prática à Carta Magna.
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Regularização fundiária
Assim, a concessão de uso especial para fins de moradia foi instituída pela Medida Provisória
2.220/2001, e tem por objetivo assegurar juridicamente a posse dos ocupantes de áreas públicas, desde
que comprovados os seguintes requisitos: somar cinco anos de posse sobre o terreno público urbano
de até 250m², até a data de 30 de junho de 2001; utilizar o terreno apenas para fins de moradia, sem
serem proprietários de outro imóvel urbano ou rural; não haver sofrido ação judicial por parte do Poder
Público pedindo a desocupação da área.
Como se pode verificar esse instituto é similar à usucapião que se dá em terras particulares, pois
apresenta requisitos similares àquele instituto, porém se configura em cessão da posse e não da propriedade.
Nesse caso, então, não há transmissibilidade da titularidade do bem, o que significa dizer que o
Poder Público continua a ser proprietário do bem, enquanto o particular mantém a posse juridicamente
assegurada sobre o imóvel. Esse instituto pode ser utilizado de forma individual ou de forma coletiva.
Usucapião
A posse direta em áreas privadas é passível de assumir a qualidade concomitante de propriedade
sempre que o possuidor demonstrar os requisitos fundamentais – posse contínua e tempo –, que permitam o reconhecimento referente à titularidade do bem.
No caso de bens particulares, a forma de aquisição da propriedade, por meio da posse, é, por
excelência, a do instituto referente à usucapião. Assim, sem embargo dos demais meios aquisitivos da
propriedade, como a transcrição, a acessão, a sucessão hereditária e a desapropriação, a usucapião é um
modo originário de aquisição da propriedade, que possibilita o reconhecimento oficial da titulação de
um bem, a partir, basicamente, da verificação dos elementos anteriormente citados (posse e tempo).
Ainda, é importante ressaltar, que a aplicação desse instituto está restrita a áreas privadas, conforme
determinam o artigo 102 do Código Civil.
Tal instituto jurídico encontra-se presente na legislação brasileira desde o Código Civil de 1916
e foi mantido no atual Código Civil, apresentando algumas mudanças significativas, tais como: (i) a
valorização do instituto da posse, observada pela diminuição do tempo necessário à aquisição do
direito de propriedade, que culminou não só na diminuição dos prazos de espécies de usucapião já
existentes, mas também em uma nova categoria do instituto; (ii) a mudança de perspectiva do instituto que esteve sempre voltado à resolução de questões individuais e que, apesar de não perder tal
característica, somou a esta possibilidade a utilização da usucapião a partir da perspectiva de demandas coletivas e, por fim; (iii) a preocupação com uma questão concreta que diz respeito à realidade da
condição de moradia no país, o que significa dizer, do deficit habitacional e da forma de ocupação do
território das cidades brasileiras que impulsionaram a valorização da posse relacionada à moradia e
ao trabalho, expressada tal preocupação na criação de possibilidades de diminuição de prazos, desde
que comprovados tais usos.
As mudanças no Código Civil atual foram impulsionadas pela perspectiva e pelos moldes da
descrição do instituto na CF/88, que fez constar expressamente em seu texto as novas espécies de
usucapião.
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Assim, é possível dizer que atualmente existem três grandes espécies de usucapião que podem
ser utilizadas sob as perspectivas individual ou coletiva, sendo que esta última é descrita pormenorizadamente em uma das espécies de usucapião, que hoje é denominada de usucapião coletiva. São,
portanto, espécies de usucapião as seguintes: (i) usucapião extraordinária; (ii) usucapião ordinária e; (iii)
usucapião especial (individual ou coletiva).
A lógica que perpassa a utilização de cada uma das espécies está relacionada ao tempo da posse,
o que significa dizer que, quanto mais tempo de posse ininterrupta, há a necessidade de se comprovar
menos requisitos.
A primeira espécie de usucapião, a usucapião extraordinária, está descrita no artigo 1.238 do
Código Civil:
Art. 1.238. Aquele que, por 15 (quinze) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe
a propriedade, independentemente de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a
qual servirá de título para o registro no Cartório de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no
imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Na situação descrita por este artigo, passados 15 anos de utilização de um imóvel particular,
agindo o possuidor como se tal bem fosse seu, o que significa dizer, sem vínculo precedente e mantido
durante esse período (por exemplo: aluguel, comodato, arrendamento etc.) com o proprietário constante na matrícula do imóvel, este poderá ser reivindicado como propriedade do possuidor, sem que
este tenha que comprovar boa-fé ou justo título.
Ainda, de acordo com o parágrafo único, esse tempo poderá ser reduzido para dez anos, também
considerados independentemente de justo título e boa-fé, se o possuidor comprovar que a utilização
do imóvel é pessoal e que se destina, portanto, à sua moradia ou ao seu trabalho, consideradas às
acessões e benfeitorias realizadas no imóvel que possibilitem a atividade laborativa do possuidor. Tal
disposição alia e considera a relevância social e pessoal do uso do bem.
A segunda espécie de usucapião, a usucapião ordinária, está descrita no artigo 1.239 do Código
Civil:
Art. 1242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e
boa-fé, o possuir por 10 (dez) anos.
Parágrafo único. Será de 5 (cinco) anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente,
com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele
tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social ou econômico.
Nessa espécie de usucapião, os requisitos posse e tempo permanecem presentes, mas há necessidade de o possuidor demonstrar no mínimo mais dois requisitos: boa-fé e justo título.
A boa-fé é entendida aqui como o desconhecimento do possuidor acerca de qualquer vício (clandestinidade, precariedade ou violência) que decorra da posse. Tal requisito deve ser demonstrado de
acordo com a situação concreta vivenciada pelo autor da ação, que faz demonstrar que naquela situação poderia, de fato, desconhecer vício, tendo em vista a natureza e as circunstâncias da aquisição da
sua posse. Nesse caso, uma vez questionada a boa-fé demonstrada pelo possuidor, cabe ao réu da ação
de usucapião a alegação e comprovação do conhecimento do vício do autor.
Quanto ao justo título, também exigido nessa espécie de usucapião, o possuidor deve demonstrar, por meio de um documento, a aquisição do bem. Esse título deve parecer hábil ao registro do bem,
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Regularização fundiária
mas, por haver algum defeito de origem, inviabiliza-se o seu registro. Tal título pode se configurar, por
exemplo, em um compromisso de compra e venda.
Como no caso da usucapião extraordinária, para a usucapião ordinária o prazo também poderá
ser diminuído para cinco anos, se comprovar-se a aquisição onerosa do bem e se a utilização do imóvel
for considerada como socialmente relevante, se o possuidor usar o bem para a sua moradia, para as suas
atividades laborativas ou para atividades de interesse social.
A terceira espécie de usucapião, denominada usucapião especial urbana ou usucapião especial
rural, de acordo com a localização da área, foi instituída com o objetivo de regularizar áreas privadas
ocupadas e consolidadas com moradia e geração de renda pela população de baixa renda, com o
intuito de efetivar os fundamentos e princípios da CF/88, notadamente aquele que diz respeito à
dignidade da pessoa humana e à sua concretização, estabelecidos nos artigos 5.º e 6.º da CF/88, que
tratam dos direitos e garantias fundamentais e dos direitos sociais.
Nesse sentido, a CF/88 fez constar em seu texto tal instituto como se pode verificar.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde
que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1.º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§2.º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§3.º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Com a regulamentação do Capítulo da Política Urbana da Constituição Federal, o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, fez constar também em seu texto os termos da aplicação desse instituto.
Art. 9.º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1.º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§2.º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§3.º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já
resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Seguindo a mesma orientação da CF/88 e do Estatuto da Cidade, o Novo Código Civil também
tratou dessa nova espécie de usucapião, agregando às espécies anteriormente existentes mais essa
possibilidade prevista nas demais legislações citadas.
Art. 1.240. Aquele que possuir como sua, área urbana de até 250 (duzentos e cinquenta) metros quadrados, por 5 (cinco) anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1.º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§2.º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
A diferença dessa forma de usucapião para as demais espécies inicia com o objetivo do instituto
que é dirigido, como foi dito anteriormente, à população de baixa renda. Nesse sentido, os requisitos
são adequados ao interesse que busca ser protegido com a aplicação da usucapião especial.
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Assim, para que o possuidor requeira a declaração de propriedade da área que é objeto dessa
espécie de usucapião é necessário demonstrar o cumprimento dos seguintes requisitos: (i) posse ininterrupta pelo prazo de 5 (cinco) anos; (ii) a área deve ser igual ou menor que 250m², seja ela referente a
terreno ou edificação, no caso de área urbana, ou deve ser igual ou menor que 50 hectares se a área for
considerada rural; (iii) o imóvel deve ser utilizado para moradia do possuidor ou de sua família; (iv) o requerente não pode ter a titularidade de outro imóvel urbano ou rural; (v) o requerente não pode ter sido
beneficiado anteriormente por essa mesma forma de usucapião, ou seja, não pode ter sido beneficiado
com outra sentença declaratória, transitada em julgado, de usucapião especial.
Cabe ressaltar que nessa espécie de usucapião, o registro do imóvel deve ser realizado em nome
dos ocupantes, o que significa dizer que caso o imóvel seja ocupado por um casal, este deverá ser registrado em nome de ambos.
Quanto ao requisito tempo, o parágrafo 3.º do artigo 9.º do Estatuto da Cidade também indica a
possibilidade de se somar o tempo das posses antecedentes para o fim de se contar o tempo necessário
para a usucapião especial, sendo que tal soma poderá ocorrer nos casos de sucessão hereditária ou de
transmissão da posse entre terceiros, conforme determina o artigo 1.243 do Código Civil.
Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir
sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse
a dos seus antecessores (artigo 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do artigo 1.242, com
justo título e de boa-fé.
Por fim, o legislador, reconhecendo a necessidade de solucionar questões referentes à legitimidade da posse da população de baixa renda em extensas áreas, ampliou a aplicação do instituto da usucapião especial, possibilitando a sua utilização de forma individual ou coletiva. Nesse sentido, os possuidores que estiverem em áreas com tamanho superior a 250m² em que as condições para a identificação
dos lotes ocupados sejam difíceis, o grupo de possuidores que estiver sobre a área pode demandar o
usucapião coletivo, conforme estabelece o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, conforme segue.
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos
ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não
sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§1.º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor,
contanto que ambas sejam contínuas.
§2.º A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título
para registro no cartório de registro de imóveis.
§3.º Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do
terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§4.º O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por,
no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
§5.º As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.
No caso dos possuidores demandarem a usucapião coletiva, o resultado da demanda, se atendidos os requisitos, será a de um condomínio de propriedade dos copossuidores. Esse condomínio poderá ser estabelecido de duas formas, na primeira situação, os condôminos não apresentam a proporção
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Regularização fundiária
de seus lotes em relação a toda área e o juiz estabelece frações ideais idênticas a todos os condôminos,
independentemente do tamanho real de cada lote ocupado. No segundo caso, os possuidores apresentam a proporção de cada um em relação à área total, definindo-se de forma diferenciada a fração ideal
de cada condômino.
A segunda situação apresenta uma dificuldade que diz respeito à ordem normalmente estabelecida nos processos de regularização fundiária. Muitas vezes, o projeto urbanístico das áreas não antecede às demandas judiciais de reconhecimento da propriedade, isso significa que: (i) há uma dificuldade
em se estabelecer a unidade de cada lote (localização e tamanho) antes do projeto de urbanização; (ii)
possíveis alterações na disposição dos lotes podem vir a ser realizadas posteriormente ao reconhecimento da titulação, o que altera a proporcionalidade estabelecida a priori.
É importante ressaltar que os condôminos, uma vez reconhecida a propriedade dos demandantes da ação de usucapião coletiva, poderão extinguir posteriormente o condomínio, mediante a decisão
de dois terços dos condôminos.
Outra questão relevante diz respeito às áreas de uso comum do condomínio (ruas, praças, áreas
destinadas a equipamentos públicos, áreas verdes etc.) que ao se extinguir o condomínio é importante
que sejam doadas ao Poder Público Municipal.
Quanto à legitimidade para a propositura das ações de usucapião especial individual ou coletiva,
o Estatuto da Cidade estabelece que
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
I - o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II - os possuidores, em estado de composse;
III - como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.
§1.º Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.
§2.º O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de
imóveis.
De acordo com o parágrafo segundo do artigo exposto, nos casos de usucapião especial, individual ou coletiva, os demandantes poderão requerer os benefícios da justiça gratuita relativamente à
ação e ao registro de imóveis e, ainda, de acordo com o artigo 13 do Estatuto da Cidade, a usucapião
especial pode ser alegada como matéria de defesa em ações que discutam a legitimidade da posse e
da propriedade.
Portanto, uma vez identificada a área objeto da regularização fundiária como imóvel particular,
a partir da posse contínua de cinco anos é possível pleitear-se a propriedade do bem por meio de ação
de usucapião, atendida a espécie conforme o caso.
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Regularização fundiária
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ZEIS
As zonas especiais de interesse social (ZEIS) são um instrumento jurídico-urbanístico que permitem a flexibilização dos parâmetros estabelecidos nas leis de parcelamento, de uso e ocupação do solo,
com vistas à moradia de interesse social.
Nesse sentido, ao contrário dos demais instrumentos, as ZEIS não concedem titulação aos possuidores, mas permitem que tal titulação seja possibilitada na medida em que reconhece a existência
formal das áreas e que torna regulares os seus parâmetros urbanísticos.
Como define Saule Júnior (2002, p. 92)
As ZEIS são destinadas prioritariamente para a produção e manutenção de habitação de interesse social, a fim de
promover a regularização jurídica da área, a implantação de infraestrutura urbana e equipamentos comunitários e a
promoção de programas habitacionais, incorporando os territórios da cidade informal à cidade legal.
Nesse sentido, além da referência ao instituto trazida pelo Estatuto da Cidade, em seu artigo 2.º,
a Lei de Parcelamento do Solo (Lei 6.766/79) também acrescentou em seu texto a possibilidade de se
realizar loteamento, considerando as premissas da moradia de interesse social. Assim, determina o Estatuto da Cidade
Art. 2.º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;
XV - simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir
a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
As áreas que normalmente são objeto de aplicação das ZEIS são as favelas, os loteamentos clandestinos e irregulares e outros terrenos que ainda não foram edificados. Portanto, as ZEIS podem ser
aplicadas em áreas já consolidadas de moradia de população de baixa renda ou pode ser utilizada no
planejamento de áreas que se destinem a programas habitacionais.
A instituição das ZEIS deve preferencialmente ser prevista no plano diretor, mas, não sendo, poderá ser objeto de definição posterior do Poder Público Municipal. Caso seja estabelecida posteriormente ao plano diretor, lei específica deverá determinar as regras e parâmetros para a área objeto da
implantação.
As ZEIS não podem ser consideradas como uma medida meramente jurídica, e, nesse sentido,
sempre que houver o estabelecimento de uma ZEIS, deverá haver a previsibilidade da realização de um
plano urbanístico da área que permita a leitura das condições locais e a priorização de investimentos de
infraestrutura para as áreas objeto da aplicação do instituto.
Por fim, a flexibilização deve atender a critérios de segurança para os moradores e de qualidade
de vida, de forma a não se configurar em medida meramente paliativa para a solução da questão da
moradia.
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Regularização fundiária
Texto complementar
Zonas Especiais de Interesse Social
(ROLNIK, 2000)
A primeira experiência de estabelecimento de ZEIS ocorreu no município do Recife-PE (1 300
hab), e teve início na década de 1980.
Em 1983, uma nova Lei de Uso e Ocupação do Solo da cidade reconheceu as ZEIS como parte
integrante da cidade sem, no entanto, dispor de instrumentos de inibição da ação especulativa do
mercado imobiliário: a lei reconhecia características particulares daqueles assentamentos e propunha a promoção de sua regularização jurídica, bem como a sua integração à estrutura da cidade,
mas, uma vez integradas as ZEIS, as leis do mercado tratariam de estabelecer sua dinâmica normal
de estruturação urbana.
Além disso, a lei reconhecia apenas 27 áreas como ZEIS – dentro de um universo estimado de
200 favelas – deixando uma massa de assentamentos de origem espontânea sem instrumentos
legais de acesso a solo e benefícios urbanos.
A regulamentação das ZEIS somente ocorreu em 1987, após longo processo de articulações,
pressões e negociações das organizações de bairro: apoiadas pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife, apresentaram projeto de lei regulamentando as ZEIS e prevendo mecanismos de gestão participativa na condução de projetos de recuperação urbana e regularização jurídica,
e formas de solicitação de transformação em ZEIS de localidades ainda não caracterizadas como tal.
Com esta lei do PREZEIS – Plano de Regularização das ZEIS – abriu-se o leque para que novas
áreas pudessem ser incorporadas como ZEIS, sendo introduzidos mecanismos de proteção contra
as ações especulativas do mercado. Dentre os instrumentos de inibição, destacam-se os que estabelecem os lotes mínimos e os que proíbem os remembramentos, reforçando a conservação das
características das ocupações locais, bem como do perfil social dos ocupantes.
A lei do PREZEIS tratou sobretudo de institucionalizar os canais de gestão urbana, colocando a
população próxima a arena decisória. Foram criadas, em lei, as Comissões de Urbanização e Legalização da Posse da Terra (COMUL) – institucionalizando as práticas das antigas comissões de bairro
– com o objetivo de tratar dos problemas específicos de cada uma das ZEIS. Foi também criada a
figura, ainda consultiva, do Fórum do PREZEIS, destinado a ocupar-se das questões pertinentes ao
conjunto das ZEIS.
[...]
Em 1993, foi aprovada na Câmara de Veradores a lei regulamentando o Fundo do PREZEIS e, a
partir daí, pactuou-se o comprometimento de 1,2% da arrecadação tributária para o funcionamento
do programa.
Um balanço nos números relativos ao PREZEIS apontou, em 1997, a existência de 66 áreas ZEIS,
e, destas, 35 já constituíram comissões de urbanização e Legalização da Posse da Terra em atividade.
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Regularização fundiária
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A Prefeitura tem obras em 18 dessas áreas e planos específicos elaborados para nove delas. As COMULs acompanham as pautas de regularização fundiária e intervenções de urbanização, supervisionando a aplicação de recursos do Fundo PREZEIS, com valores da ordem de R$ 4 milhões (1996).
Atividades
1.
A tentativa de eliminação da informalidade, no que se refere à moradia no Brasil, depende da
observação de que elementos?
2.
A usucapião especial é um meio de aquisição da propriedade imóvel que poderá ser utilizada:
a) para bens públicos e bens privados.
b) somente para bens públicos.
c) somente para bens privados.
d) somente para os imóveis urbanos.
3.
As ZEIS são um instrumento de regularização fundiária que se propõem a resolver determinadas
questões na efetivação do direito à cidade. Explique como esse instrumento atua na facilitação
desse objetivo.
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Regularização fundiária
Gabarito
1.
A questão da informalidade da moradia no Brasil depende, para a concretização dos programas de
regularização fundiária, da observância de aspectos jurídicos, políticos e urbanístico, considerados
aqui como infraestrutura, meio ambiente, circulação etc.
2.
C
3.
As ZEIS flexibilizam os parâmetros de uso e ocupação em determinadas áreas na cidade,
diminuindo o tamanho mínimo dos terrenos e aceitando padrões construtivos que a legislação
edilícia em regra não aceitaria. Isso não significa a aceitação de qualquer modelo de moradia ou
habitação. Havendo risco à população, o plano das ZEIS deve prever realocação.
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Poder de polícia municipal
Natureza e conceito
A polícia administrativa está adstrita à matéria de Direito Administrativo, portanto, é disciplina de
direito público que se configura por ser um limite as ações dos particulares, impostas pela Administração Pública, que poderá valer-se de meios coercitivos para concretizar as suas determinações.
De acordo com Medauar (2003, p. 355):
Em essência, poder de polícia é a atividade da Administração que impõe limites ao exercício de direitos e liberdades. É
uma das atividades em que mais se expressa sua face autoridade, sua face imperativa. Onde existe um ordenamento,
este não pode deixar de adotar medidas para disciplinar o exercício de direitos fundamentais de indivíduos e grupos.
A ideia de se estabelecer limites à atuação de particulares decorre da necessidade de se conviver
melhor em sociedade. Nesse sentido, a Administração irá determinar uma série de regras e critérios para
que as ações individuais não causem danos ou prejuízos para toda a coletividade.
Essa preocupação não é uma novidade, ainda que mais recentemente, por conta das novas configurações do uso e da ocupação dos territórios nos municípios, o poder de polícia ganhou novos contornos, inclusive ampliando consideravelmente o seu leque de atividades. Mas, como se disse, desde
muito convive tal instituto jurídico no Direito brasileiro. É possível verificar que os primeiros códigos que
tratavam das posturas municipais vinham justamente, ainda que não utilizassem essa denominação,
prever medidas limitadoras da atividade individual.
Com a complexificação das cidades, a diminuição das distâncias entre vizinhos e a variedade de
usos da cidade, torna-se imperiosa a necessidade de se estabelecer quais são os limites para cada particular exercer o seus direitos. Assim, antigas questões tratadas nos Códigos de Posturas permanecem,
mas se agregam a estas, inúmeras outras questões que variam em relevância e natureza, mas que agregadas formam uma intensa malha de restrições.
Nesse sentido, é necessário ressaltar que o poder de polícia deve atingir todos os particulares.
Assim, ninguém deve arcar com os ônus do processo de urbanização sozinho, mas é uma medida que
apresenta graus de generalidade e amplitude, de forma a não se estabelecer de forma individualizada.
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Poder de polícia municipal
Como afirma Meirelles (2006, p. 469), o poder de polícia se configura como um “mecanismo de
frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual”. Assim, o
que se quer preservar é o interesse público.
Legislações
O poder de polícia pode ser estabelecido em inúmeras legislações. No caso dos municípios, este
aparece comumente nos Códigos de Posturas, nos Códigos de Edificações ou de Obras e em leis esparsas que tratam de assuntos específicos, como acontece normalmente nas metrópoles.
Mas, nesse mesmo sentido, o próprio Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 1966, em seu artigo 78 determina que:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e
aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar 31, de 28/12/1966)
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente
nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
Assim, o Código Tributário Nacional definiu quais são os temas atinentes ao poder de polícia. A
necessidade de sua previsão legal e a determinação de ser realizado por órgão definido como competente para exercer a função.
Características do poder de polícia
O poder de polícia apresenta características próprias à execução de seus objetivos, no que se
refere à sua natureza, aplicabilidade, orientação valorativa e suas consequências.
Nesse sentido, a primeira questão que caracteriza o poder de polícia é o de se configurar como
atividade administrativa, tendo em vista que é realizado pela Administração Pública, a partir dos procedimentos por ela adotados, ainda que esta trabalhe na estrita definição do que a lei estabelecer.
O poder de polícia é realizado na ação concreta da Administração, ou seja, na verificação de seu
cumprimento ou descumprimento, tendo, neste último caso, as consequências preestabelecidas pela
legislação.
Assim, cabe ao Poder Executivo a proposta de regulação, que é encaminhada ao Poder Legislativo
e, uma vez aprovado o projeto de lei, cabe à Administração a sua fiscalização e a imposição de sanções
nos casos em que se verificarem o descumprimento da legislação.
A atividade realizada pelo Poder Público, neste caso, está adstrita ao que estiver definido em legislação, tanto em relação a sua observação ou não observação como no que se refere a sua consequência.
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Poder de polícia municipal
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Além disso, configura-se sempre como atividade restritiva dos direitos dos particulares. Nesse
caso, a responsabilidade é do particular, recaindo apenas sobre o Poder Público a necessidade de sua
fiscalização, ao contrário do que ocorre com o serviço público que demanda uma ação do Estado e,
portanto, acarreta na sua responsabilidade.
Como afirma Medauar (2003, p. 359):
No atual contexto da Administração Pública, dividida entre uma face de autoridade e uma face de prestadora de serviços, o poder de polícia situa-se precipuamente na face autoridade. Atua, assim, por meio de prescrições, diferente do
serviço público, que opera por meio de prestações.
Dessa forma, é possível diferenciar os dois institutos do Direito Administrativo: o serviço público
e o poder de polícia.
Ainda, é necessário considerar a autoexecutoriedade que significa, como define Meirelles (2006,
p. 475):
[...] a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão, por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário, é outro atributo do poder de polícia. Com efeito, no uso desse poder a Administração impõe diretamente as medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção de atividade antissocial que ela visa
obstar. [...] Se o particular sentir-se agravado em seus direitos, sim, poderá reclamar, pela via adequada, ao Judiciário,
que intervirá oportunamente para a correção de eventual ilegalidade administrativa ou fixação de indenização que
for cabível. O que o princípio da autoexecutoriedade autoriza é a prática do ato de polícia administrativa pela própria
Administração, independentemente de mandado judicial.
Nesse sentido, o exemplo dado pelo autor é que se no caso de fiscalização o Poder Público verificar a construção de edificação que ofereça perigo à coletividade, este pode embargar administrativamente a obra, independentemente da determinação do Poder Judiciário.
Princípios
Os princípios que informam a aplicação do poder de polícia são os princípios de direito administrativo e, mais especificamente, os princípios da legalidade, da impessoalidade e o da moralidade.
O princípio da legalidade determina que a ação do Poder Público esteja adstrita àquilo que estiver previamente estabelecido em lei, assim ao contrário do que ocorre com o direito privado que
somente estabelece o que não é permitido, dando maior margem de ação aos particulares, no caso do
direito público a ação da administração pública está condicionada pela lei.
Como descreve Justen Filho (2005, p. 77) “o princípio da legalidade está abrangido na concepção de democracia republicana. Significa a supremacia da lei (expressão que abrange a Constituição), de modo que a atividade administrativa encontra na lei seu fundamento e seu limite de
validade.”
No caso do poder de polícia, o princípio da legalidade informa a competência da autoridade administrativa tanto para definir quem pode legislar sobre que matéria e, ainda, a quem cabe executar a
fiscalização e aplicar a sanção.
A legislação pode permitir que o Poder Público tenha uma margem de decisão sobre a sua ação. O
nome que se dá a esta possibilidade é a discricionariedade. Esta pode ser aplicada ao poder de polícia.
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Poder de polícia municipal
Nesse sentido, define Meirelles (2006, p. 474 e 475)
A discricionariedade traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções legais e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é
a proteção de algum interesse público. Nesse particular – e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos
limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhes é atribuída – a discricionariedade é legítima.
No caso da ação estar absolutamente regulada, inclusive o procedimento de aplicação, sanção
etc., a margem de discricionariedade desaparece e a ação do Poder Público fica restrita às determinações da lei.
Também, a discricionariedade não deve ser confundida com a arbitrariedade, tendo em vista
que esta extrapola o limite definido para a ação do Poder Público. A arbitrariedade poderá ocorrer, por
exemplo, de abuso de poder.
Como explica Meirelles (2006, p. 475) “discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites
legais; arbitrariedade é ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder”. Sendo que o ato
arbitrário é considerado nulo, porque absolutamente inválido.
Assim, como exemplo de discricionariedade o Poder Público Municipal pode decidir em que rua
do município poderá ser instalada a feira ou determinada festa. Em relação ao princípio da legalidade,
uma vez definida, por exemplo, a multa para os donos de terrenos baldios que não os mantêm limpos,
o Poder Público não poderá optar por outro valor, ou por considerar ou desconsiderar a omissão do
proprietário.
Sobre o princípio da impessoalidade, o Poder Público está condicionado a promover as suas
ações independentemente da verificação do atingimento pessoal a patrimônio ou ação de qualquer
pessoa. Assim, não haverá diferença na aplicação da sanção pela consideração do sujeito praticante do
ato considerado lesivo. O objetivo do princípio é o de se impedir atos motivados por condições pessoais
e subjetivas de determinada pessoa.
Como demonstra Medauar (2003, p. 138) “com o princípio da impessoalidade a Constituição visa
obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo,
favorecimentos diversos [...]”.
O princípio da moralidade administrativa trata da lisura na aplicação das normas e das condutas
na Administração Pública. É aquilo que está para além do estrito cumprimento da legislação, o que
deriva do bem senso diante de determinadas situações que se afiguram não necessariamente como
ilegais, mas como imorais.
O ato que está fora da configuração do princípio da moralidade administrativa pode ser caracterizado como improbidade administrativa, conforme determina a Constituição Federal em seu artigo 85,
inciso V, a saber:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal
e, especialmente, contra:
V - a probidade na administração; [...]
Assim, os atentados contra a moralidade dão ensejo à apuração de responsabilidade, conforme
prevê a Constituição Federal.
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Poder de polícia municipal
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Objeto do poder de polícia municipal
O objeto geral do poder de polícia é bastante amplo. Em primeiro lugar regula a conduta das
pessoas e estabelece normas referentes ao patrimônio público e ao patrimônio privado, o que significa
dizer que incide sobre pessoas e sobre bens.
Com a complexificação das relações sociais e da interação dessas com o ambiente, o âmbito de
atuação do poder de polícia vem avançando. Assim, questões que não faziam parte do rol de situações
que estavam abarcadas pelo poder de polícia, atualmente são incidências comuns, como é o caso, por
exemplo, das normas de meio ambiente.
Como descreve Medauar (2003, p. 361), ainda que o rol aqui posto não seja taxativo, as questões
que frequentemente são disciplinadas pelo poder de polícia são as seguintes:
[...] direito de construir, localização e funcionamento de atividades no território de um Município; condições sanitárias
de alimentos, elaborados ou não, vendidos à população; medicamentos; exercício de profissões (quando regulamentadas, às vezes o poder de polícia é delegado, por lei, às ordens profissionais); poluição sonora, visual, atmosférica,
poluição dos rios, mares, praias, lagoas, lagos, mananciais; preços; atividade bancária, atividade econômica; trânsito.
Várias dessas questões atingem diretamente o município. Nesse caso, a atribuição de poder de
polícia municipal está relacionada principalmente aos conteúdos dos códigos de posturas e obras, mas
naquilo que for verificado o interesse local o município poderá se manifestar.
No caso dos municípios, a execução das atividades referentes ao poder de polícia, entre elas a
fiscalização, são realizadas por servidor público do município, e havendo resistência em cumprimento
do poder de polícia é possível se requisitar força policial.
Procedimentos e coercibilidade
No caso dos municípios, as legislações devem prever a conduta, e os procedimentos da fiscalização, principalmente no que se refere à concessão de alvarás e licenças, à autuação, aos processos
administrativos e às medidas coercitivas que podem variar do embargo aplicação de multas.
A polícia administrativa pode agir de duas formas: preventivamente ou aplicando a penalidade
cabível, se decorrida a infração.
Como afirma Meirelles (2006, p. 477):
Atuando a polícia administrativa de maneira preferentemente preventiva, ela age através de ordens e proibições mas,
e, sobretudo, por meio de normas limitadoras e condicionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou exercem
atividades que possam afetar a coletividade, estabelecendo as denominadas limitações administrativas. Para tanto, o
Poder Público edita leis e os órgãos executivos expedem regulamentos e instruções fixando as condições e requisitos
para o uso da propriedade e o exercício das atividades que devam ser policiadas; e, após as verificações necessárias, é
outorgado o respectivo alvará de licença ou de autorização, ao qual se segue a fiscalização competente.
A partir da verificação do correto cumprimento da norma, a Prefeitura poderá expedir o respectivo alvará de licença ou de autorização. O alvará é instrumento concernente ao ato de consentimento
formal da Administração à pretensão do administrado.
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Poder de polícia municipal
O alvará poderá ser definitivo ou precário. O alvará de licença é considerado definitivo. Pode ser
cassado por ulterior descumprimento de norma ou por ilegalidade na sua expedição. Nesse caso, o alvará não poderá ser invalidado de forma discricionária, como adverte Meirelles (2006, p. 478), só admite
revogação se for demonstrado interesse público, desde que justificado e superveniente. Nesse caso
caberá indenização. Poderá ainda ser invalidado, por meio da cassação ou da anulação. O primeiro caso
se refere à inobservância das normas referentes à sua execução e segunda situação diz respeito à comprovada ilegalidade na sua expedição.
O alvará de notificação é considerado precário. Pode ser retirado pela Administração Pública a
qualquer momento.
Quanto ao alvará de licença, lembra Meirelles (2006, p. 478) que este se configura em “[...] um bem
patrimonial de seu titular, alienável e transferível a terceiros juntamente com a coisa ou atividade licenciada, pois vincula-se a esta e a acompanha em suas mutuações negociais, como todo direito real”.
Além dos alvarás, a Administração Pública também tem como dever a fiscalização. Uma vez fiscalizada a atividade e verificada sua incompatibilidade com a legislação ou ato administrativo expedido
pelo Poder Público se procederá à coibição da continuidade da ação.
Nesse sentido, Meirelles (2006, p. 479) descreve os passos para a ação fiscalizatória
Deparando irregularidade ou ilegalidade reprimível pela Administração, o órgão fiscalizador deverá advertir verbalmente o infrator ou lavrar desde logo o auto de infração, cominando-lhe a penalidade cabível, sempre com oportunidade de defesa no processo administrativo correspondente, sob pena de nulidade da sanção. Somente em caso de perigo
iminente é admissível a sanção imediata e sumária, com processo e justificativa a posteriori.
Assim, a infração deve constar de auto de infração no caso de flagrante e, nos demais casos, dar-se-á início ao processo administrativo, para que o particular possa apresentar a sua defesa. Os prazos
variam de acordo com o que a lei estabelecer.
Havendo infração se procederá à verificação da sanção compatível com a ação descrita no auto
de infração, tendo em vista que um dos elementos do poder de polícia é a coercibilidade.
O poder de polícia é ato imperativo e isso significa que o destinatário é obrigado a proceder ao
seu devido cumprimento. Havendo resistência ou oposição do particular, o poder de polícia permite a
utilização de força pública para o fim de ser cumprido.
Como lembra Meirelles (2006, p. 477), a oposição “não legaliza a violência desnecessária ou
desproporcional à resistência”. Assim, a sanção deverá ser proporcional à ação do particular sob pena
de ser revista pelo Poder Judiciário.
Sanções administrativas
O poder de polícia para ser eficiente precisa necessariamente ter poder coercitivo, mas as sanções
referentes à coercibilidade devem manter correspondência e proporcionalidade com a gravidade da
ação infracional.
Assim, a norma deverá prever a infração e a correspondente sanção administrativa a ser aplicada
ao agente infrator.
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Poder de polícia municipal
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Como define Bandeira de Mello (2006, p. 805) a “infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no exercício de função administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera”.
Quanto ao conceito de sanção, explica Bandeira de Mello (2006, p. 806)
Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa
cuja imposição é da alçada da própria Administração. Isso não significa, entretanto, que a aplicação da sanção, isto é,
sua concreta efetivação, possa sempre se efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se
não for espontaneamente atendida, será necessário reconhecer à via judicial para efetivá-la, como ocorre, por exemplo,
com uma multa, a qual se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada.
Os sujeitos infratores que podem ser responsabilizados pela prática de ato infracional podem ser
tanto as pessoas físicas como as pessoas jurídicas, assim como podem ser estas de direito privado ou de
direito público. Também quanto aos infratores, pode se considerar a figura do responsável subsidiário
que é aquele que apesar de não ter cometido a infração de forma direta, responde por ela, em virtude
da impossibilidade do infrator responder.
Tal situação não se aplicará nos casos em que a infração e a sanção apresentarem caráter pessoal.
Quanto às modalidades de sanções, sem pretender esgotá-las, entre as sanções passíveis de
serem aplicadas no que concerne ao poder de polícia, cabe ressaltar as seguintes penas: multas, interdição ou suspensão da atividade, demolição de construção, embargo administrativo da obra, destruição
de objetos, proibição de fabricação ou de comércio de determinados produtos, vedação de localização
de determinadas atividades em locais específicos e apreensão de bens, cassação de licenças e alvarás,
revogação de autorização, entre outras que impliquem em questões de segurança ou saúde pública.
Como lembra Medauar (2003, p. 364-365), a ação punitiva da Administração comporta a prescrição, que significa a perda do direito de ação, conforme dispõe a Lei 9.873 de 1999, à exceção das infrações de natureza funcional e tributária. Assim, lembra a autora:
A ação punitiva da Administração Pública Federal direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar
infração à legislação em vigor, prescreve em cinco anos, a contar da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
O prazo prescricional pode ser interrompido ou suspenso conforme define a legislação pertinente.
Função social da propriedade
A função social da propriedade urbana não se configura em limitação ao direito de propriedade
em si e, portanto, não pode ser caracterizada como ato administrativo relativo ao poder de polícia.
Assim, a definição de função social é a de estabelecer o sentido do bem, o seu significado e sua importância no período e no lugar onde o bem está compreendido. É somente a partir da definição da função social do bem que se pode estabelecer quais serão os limites relativos ao seu uso e à sua ocupação.
Como explica Silva (2006, p. 75):
O princípio da função social da propriedade tem sido mal definido na doutrina brasileira, obscurecido, não raro, pela
confusão que dele se faz com os sistemas de limitação da propriedade. Não se confundem, porém. Limitações dizem
respeito ao exercício do direito, ao proprietário; enquanto a função social interfere com a estrutura do direito mesmo.
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Poder de polícia municipal
Os limites farão parte do rol relativo aos atos referentes ao poder de polícia. Nesse sentido, se for
entendido que determinado bem tem natureza ambiental relevante, essa definição será a da função
social, o que diz respeito ao conteúdo do instituto. As regras que determinarem limitações em relação
ao seu uso em virtude da apresentação do conteúdo da função é que serão caracterizadas como poder
de polícia.
Texto complementar
Novo Código de Posturas: Lei Municipal completa dois anos
(SEIBT, 2007)
Em 6 de dezembro de 2005, o novo Código de Posturas de Gramado entrou em vigor. Nesta
quinta-feira, a Lei 2.398, que dispõe das referidas normas, completa dois anos. Que mudanças de
posturas a nova legislação impôs (ou deveria ter imposto) para o cidadão gramadense?
Em novembro de 2003, o então secretário de Planejamento e Urbanismo de Gramado [...] reuniu representantes de clubes de serviços, entidades, profissionais liberais e autoridades municipais
para apresentar o anteprojeto de lei do novo Código de Posturas. A comunidade passou a discutir
mudanças na legislação, que completava 48 anos na época.
Para que serve
O Código de Posturas dá providências quanto à proteção do cidadão, sossego público, meio
ambiente, trânsito e habitações, publicidade e propaganda, comércio de rua, funcionamento de
indústria, comércio e prestadores de serviços e até mesmo de cemitérios. Tudo isso em 218 artigos, que podem ser consultados on-line ou numa cartilha editada pela Câmara de Vereadores para
divulgação da Lei. As penas para infrações variam de leve a gravíssima, com multas que variam de
R$225,00 a R$3.250,00.
Atividades
1.
Qual é o objetivo do instituto do poder de polícia?
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Poder de polícia municipal
2.
A definição acerca do poder de polícia encontra-se na seguinte legislação:
a) Código de Processo Civil.
b) Código de Obras e Posturas.
c) Código Tributário Nacional.
d) Código de Processo Penal.
3.
Qual o significado de discricionariedade para o poder de polícia?
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Poder de polícia municipal
Gabarito
1.
O objetivo do poder de polícia é o de definir limites, restrições impositivas aos particulares, de
modo a restringir os direitos individuais sobre os bens, para o melhor convívio da sociedade.
2.
C
3.
A discricionariedade é um atributo do poder de polícia, que dá margem à verificação da
oportunidade e da conveniência para a ação da Administração Pública.
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Controle sobre as ações
municipais
José Ricardo Vargas de Faria
Daniele Regina Pontes
Objetivo geral
O objetivo de se tratar do controle sobre as ações municipais é o de abordar os mecanismos e institutos de gestão que operam sob a perspectiva da democratização dos governos municipais e, por sua
vez, podem permitir o desenvolvimento de processos de controle social sobre as políticas e programas
públicos desenvolvidos ao nível local.
Não é apenas o Poder Público constituído que tem a prerrogativa de exercer o controle sobre a
ação dos particulares, mas também o cidadão pode e deve exercer controle público sobre a ação dos
governos. Para esse controle, mais do que o direito ao voto, existem alguns instrumentos que permitem
ampliar a participação dos cidadãos nos processos decisórios, na fiscalização, no monitoramento e na
avaliação das ações do Poder Público.
Poder local
Uma questão bastante importante sobre o controle da gestão municipal está relacionada à proximidade da população com as iniciativas do poder público municipal. Nesse sentido define Faria (2002, p. 10):
O Município é o espaço físico e político em que se estabelecem as microrrelações de produção das condições materiais de existência. É no Município que se agregam as relações econômicas, sociais, culturais e políticas mais próximas,
que se estabelecem laços de identidade e de conflito. Formalmente, o Município é a menor unidade administrativa
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Controle sobre as ações municipais
da Federação e, por se constituir em poder local, por estar mais próxima dos problemas cotidianos, é a unidade mais
suscetível ao controle da sociedade e a mais adequada para atender às demandas sociais. Dessa forma, o município é
entendido como um espaço político aberto, relativamente autônomo, articulado em uma rede de relações constitutivas da sociedade. [...] É necessário, contudo, ter claro que o município não é uma unidade isolada. Por mais que possa
ter autonomia para resolver seus problemas específicos, o município está inserido em uma relação econômica, política
e social mais ampla e, portanto, está condicionado pelas mesmas.
Se por um lado essa proximidade pode permitir maior controle da sociedade, por outro, os vínculos estabelecidos entre população e representantes também são, muitas vezes, caracterizados pela
personalização que podem se desdobrar em práticas clientelistas e patrimonialistas, ou seja, em que
não há clara separação entre os bens privados do governante e o patrimônio público.
Além disso, o fato de que a ausência de modernização administrativa nos municípios, quer dizer,
de mecanismos mais eficientes de gestão, não pesa sobre o setor produtivo da mesma forma que a
modernização administrativa dos Estados e da União reduz a pressão sobre a administração pública
municipal. No entanto, os efeitos dessa situação pesam diretamente sobre o cidadão comum, que se
ressente da dificuldade, do clientelismo e da ineficiência no atendimento às suas necessidades mais
básicas como educação, saúde e moradia.
Porém, se no caso brasileiro os municípios encontram-se, em geral, menos desenvolvidos do
ponto de vista administrativo do que os Estados e a União, é também no nível municipal que foram
criadas diversas inovações do ponto de vista da democratização da gestão, como é o caso do orçamento participativo e dos conselhos populares, por exemplo.
Gestão democrática das cidades
Ao fim da década de 1970 e início da década de 1980, ocorreu, no Brasil, um fenômeno político
que acabou sendo conhecido como redemocratização. Esse fenômeno caracterizou-se pela ampliação
de formas de organização social e pelas reivindicações de maior participação da população, especialmente de seus segmentos organizados, nos processos de decisão. Os movimentos sociais que constituíram e que foram constituídos no interior desse processo foram capazes, em muitos casos, de encaminhar propostas e influenciar nas deliberações da Assembleia Nacional Constituinte. Nesse sentido, o
texto da Constituição Federal de 1988 (CF/88) traz conteúdos que refletem lutas históricas em vista de
direitos fundamentais.
O Estatuto da Cidade foi gerado nesse processo, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Brasileira, resultantes da ação dos movimentos sociais urbanos que reivindicavam melhorias
nas condições de vida e habitação nas cidades: os “movimentos de luta pela moradia”. Esses artigos da
Constituição tratam da política de desenvolvimento urbano no Brasil e remetem seu detalhamento a
uma lei complementar. Essa Lei, que ganhou o número 10.257/2001, foi debatida no Congresso Nacional durante mais de dez anos, até ser aprovada em julho de 2001, ficando conhecida como “Estatuto
da Cidade”.
O texto dos artigos 182 e 183 da Constituição e a própria redação da Lei permitem perceber que
a política de desenvolvimento urbano está orientada por dois princípios: (i) a função social da cidade e
da propriedade e (ii) a gestão democrática.
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Controle sobre as ações municipais
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Nesse sentido, é possível se tratar da gestão democrática a partir das bases teóricas e da concepção de democracia que fundamenta o Estatuto da Cidade, analisando, especialmente, os instrumentos
de gestão previstos e regulamentados pela Lei. Esse trabalho assume um papel importante em consequência da diversidade de apropriações do conceito de democracia que resulta na dificuldade em
avaliar e, portanto, reivindicar, a democratização da gestão nos governos municipais.
A forma de gestão prevista no Estatuto da Cidade determina a participação dos cidadãos na
administração, por meio de espaços institucionalizados de decisão, orientando, dessa forma, para um
conceito de democracia participativa que no inciso II do artigo 2.o da Lei 10.257/2001, estabelece as
diretrizes gerais da execução da política urbana e faz constar como a segunda de dezesseis diretrizes,
a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos
vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas
e projetos de desenvolvimento urbano”.
Além da formulação do princípio, destacam-se, ainda, seis pontos que abordam a participação
na gestão no Estatuto da Cidade: (i) a gestão orçamentária participativa abordada na alínea “f”, inciso
III, do artigo 4.o e no artigo 44; (ii) a realização de audiências públicas para implantação de empreendimentos que gerarem impacto econômico ou social conforme o inciso XIII do artigo 2.o; (iii) a garantia da
participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil, conforme consta no parágrafo 3.o do artigo 4.o , em todos os instrumentos da política urbana definidos nesse mesmo artigo; (iv) a
determinação, constante no Capítulo III, que regulamenta o Plano Diretor, o parágrafo 4.o do artigo 40,
em que os poderes Executivo e Legislativo municipais deverão garantir, durante a elaboração do plano,
a promoção de audiências e debates com a participação da população e a publicidade e livre acesso
das informações produzidas. (v) A gestão participativa nos “organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas [...] de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno
exercício da cidadania”, e; (vi) finalmente, no Capítulo IV, que trata especificamente da Gestão Democrática, a lei determina que sejam utilizados como instrumentos para garantir a gestão democrática: a) os
órgãos colegiados de política urbana, b) debates, audiências e consultas públicas, c) conferências e d)
iniciativa popular de projeto de lei.
Como é possível perceber, na forma como se apresenta a regulamentação da gestão democrática
nesta Lei, há uma orientação para a ampliação dos espaços de participação da comunidade, encaminhando para as situações em que o Poder Público constituído abre mão do seu direito de decisão em
favor de instâncias participativas.
Os fundamentos da democracia
Democracia é um conceito bastante discutido, porém, são diversas as teorias e as concepções
sobre o tema. Por isso é necessária uma breve revisão dos múltiplos significados que o termo assume.
Nesse sentido, a primeira pergunta que se faz é “quem inventou a democracia?”
A ideia de sociedade democrática surgiu na Grécia Antiga, aproximadamente 500 anos antes de
Cristo. Os termos Demo (povo) kratein (governar) se referiam à participação das pessoas nas assembleias
realizadas em praça pública para decisão sobre assuntos de ordem política relacionados às chamadas
Cidades-Estado.
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Controle sobre as ações municipais
É importante ressaltar que nem todos os habitantes das Cidades-Estado eram considerados como
parte do “povo”, ou seja, cidadãos: os escravos e as mulheres, por exemplo, não estavam incluídos. Essa
diferenciação ocorria porque, para a época, considerava-se que só podia se ocupar das questões da vida
pública aquele que não precisasse se ocupar dos problemas da vida privada. Portanto, o homem que
não tivesse escravos e, por esse motivo, tivesse que se preocupar com as questões de sobrevivência, a
mulher que tinha que se ocupar dos filhos e da casa e os escravos não poderiam se envolver com as
decisões políticas.
Muito tempo depois, no início da Era Moderna, por volta de 1700, houve uma valorização da cultura
grega e a democracia voltou à pauta dos debates políticos. Havia uma valorização da razão (Iluminismo) e
um questionamento da legitimidade do monarca (Rei) como representante divino com poderes eternos
e absolutos. Essa negação do poder do Rei se refletia na luta pela instituição da República. Entre os que
levantaram essa discussão estava o pensador francês Jean-Jacques Rousseau, um dos principais defensores da democracia na época. Para compreender o significado de democracia, para Rousseau, é necessário,
em primeiro lugar, analisar alguns conceitos centrais para o sistema político que ele propunha.
No livro chamado Do Contrato Social, Rousseau apresenta os fundamentos da sua visão sobre a
sociedade civil. É importante lembrar que Rousseau não descreve a sociedade da época, mas propõe
como deveria ser a fundação de uma sociedade civil e como deveriam funcionar seus corpos constituintes, a saber: o povo, o parlamento, a justiça, o governo, para que esta sociedade pudesse alcançar
o objetivo de felicidade geral das pessoas. Diz-se, então, que a visão de Rousseau era essencialmente
normativa, pois descrevia como as coisas deveriam ser.
Essa felicidade só poderia ser alcançada se todos os homens fossem livres. Portanto, o elemento
fundador da teoria política de Rousseau é a liberdade.
“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado
com toda força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes” (ROUSSEAU, 1978, p. 32).
O ato dessa associação é denominado por Rousseau de pacto social, que é regulamentado por
um contrato social. É esse pacto social que vai constituir o Estado, que é o corpo político por meio do
qual o próprio povo exerce o papel de legislar, o que significa dizer de fazer leis.
Para Rousseau, o Governo está a serviço do Estado e, portanto, do próprio povo e o seu papel é
executar as deliberações do Estado, exercendo, então, a função executiva. Esse governo pode se apresentar de várias formas: monárquico se for o governo de um, aristocrático se for o governo de alguns
e democrático se for o governo de vários. Portanto, o sentido da democracia para Rousseau é o de um
governo no qual a maioria da população participa diretamente. A participação de todos na elaboração
das leis que refletem a vontade geral é condição essencial para existência do Estado, seja qual for o tipo
de governo que este possua o que, portanto, deve acontecer em qualquer tipo de governo, seja democrático ou não. É nesse sentido que sua argumentação leva a uma teoria da democracia direta.
Já por volta de 1940, Joseph Schumpeter questiona as teorias democráticas da época e as práticas
denominadas democráticas colocando a seguinte pergunta: Por que o ideal democrático das teorias do
século XVIII, que pregavam o bem comum e a justiça, não havia se concretizado? No entendimento de
Schumpeter, a questão é mal compreendida, pois não se deveria pensar a democracia como um modo
de organização da vida em sociedade. Ele afirma que democracia, por outro lado, não é nada mais que
um método político para a escolha de representantes. A partir desse momento ficou estabelecida no
debate político a contraposição entre a democracia como forma e a democracia como substância.
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Controle sobre as ações municipais
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Para desenvolver essa ideia, Schumpeter discute a ideia de bem comum ou de vontade geral.
Ele considera que é essa ideia que caracteriza a doutrina clássica da democracia. Ao apresentar essa
definição, Schumpeter traz para análise dois problemas: (i) o bem comum e a vontade do povo e (ii) as
questões decididas pelo próprio povo.
Quanto ao primeiro problema, o autor afirma que a vontade geral não pode ser definida, pois na
sociedade existe um conflito de interesses. Além disso, afirma que, pela complexidade do Estado e pela
abrangência das variáveis envolvidas e também pelo reduzido senso de responsabilidade e ausência
de desejo efetivo, faltaria ao cidadão comum conhecimento sobre política e, portanto, este não teria
capacidade de decidir racionalmente sobre essas questões. A argumentação de Schumpeter leva à conclusão de que, por essas limitações, a doutrina clássica da democracia não pode ser implementada e
que outro método democrático deve ser aplicado.
Ao contrário do que os teóricos do século XVIII pensavam, a democracia não poderia ser considerada como um ideal, e sim um arranjo específico para se tomar decisões. Portanto, dado que o
cidadão comum não pode governar e a ele cabe apenas aceitar ou rejeitar o governo que se coloca, o
que diferenciaria o método democrático de qualquer outro seria a liberdade do indivíduo de disputar
o voto do povo. A teoria de Schumpeter (1984, p. 335) baseia-se na competição pelo poder e pelos
cargos políticos. O método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos
da população.
A prática desse “método” democrático, no entanto, evidenciou uma série de contradições, como
a ausência de representação de grupos minoritários. Por esse motivo, as teorias mais recentes de democracia defendem um formato participativo que seja capaz de evidenciar as realidades locais e as
situações específicas.
É o caso de Santos (2002) que afirma a existência de uma prática hegemônica (dominante) de democracia no século XX. Ele denomina essa prática de representativa elitista (que corresponde às definições de Schumpeter) que predomina nos países do Norte, mas que propõe estender esse modelo para
todo o mundo, ignorando possíveis experiências diferenciadas que possam ocorrer ou ter ocorrido.
Santos (2002) ressalta três questões em torno das quais se discute a concepção dominante de democracia: (i) a relação entre procedimento e forma; (ii) o papel da burocracia na vida democrática; (iii) a
inevitabilidade da representação nas democracias de grande escala. Para a concepção dominante essas três
questões se articulam de maneira que a democracia seja entendida como um conjunto de regras e procedimentos para constituição de governos representativos. Essa concepção entende que é inevitável a perda de
controle sobre o processo de decisão política e econômica pelos cidadãos e seu controle crescente por formas de organização burocrática. Dessa forma, a escolha do representante pela maioria autoriza (legitima) o
governo, pois a assembleia escolhida pelo povo reproduz, em menor escala, a configuração social.
Na concepção contra-hegemônica, oposta a anterior, a questão da configuração social é questionada, pois se observa que os grupos minoritários não têm condições de garantir sua representação. É
por isso que se argumenta a necessidade de articulação entre democracia representativa e democracia
participativa para defesa de interesses e identidades das minorias que não têm voz e vez.
Nesse sentido, propõe-se estabelecer uma nova gramática social e uma nova forma de relação entre
Estado e sociedade que promova experiências participativas resultando na transferência de práticas e informações do nível social para o nível administrativo. A proposta é de uma redefinição do papel da burocracia
que tire proveito da criatividade dos sujeitos sociais na qualificação das decisões e das ações do governo.
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Controle sobre as ações municipais
A partir desse debate, e de algumas experiências ocorridas no Sul da Europa e na América do Sul,
Santos (2002, p. 59) ressalta que a democracia participativa e a representativa são complementares.
[É a] possibilidade da inovação entendida como participação ampliada de atores sociais de diversos tipos em processo
de tomada de decisão. Em geral, estes processos implicam a inclusão de temáticas até então ignoradas pelo sistema
político, a redefinição de identidades e vínculos e o aumento da participação, especialmente no nível local.
Baseado nesse argumento, Santos (2002, p.77-8) propõe três teses para o fortalecimento da democracia participativa:
1.ª tese: pelo fortalecimento da demodiversidade. Essa tese implica reconhecer que não existe nenhum motivo para a
democracia assumir uma só forma. Pelo contrário, o multiculturalismo e as experiências recentes de participação apontam no sentido da deliberação pública ampliada e do adensamento da participação. O primeiro elemento importante
da democracia participativa seria o aprofundamento dos casos nos quais o sistema político compartilha a decisão em
instâncias participativas.
2.ª tese: fortalecimento da articulação contra-hegemônica entre o local e o global. Novas experiências democráticas
precisam do apoio de atores democráticos transnacionais nos casos em que a democracia é fraca [...]. Ao mesmo tempo, experiências alternativas bem-sucedidas [...] precisam ser expandidas para que se apresentem como alternativas ao
modelo hegemônico. Portanto, a passagem do contra-hegemônico do plano local para o global é fundamental para o
fortalecimento da democracia participativa.
3.ª tese: ampliação do experimentalismo democrático. [...] as novas experiências bem-sucedidas se originaram de novas
gramáticas sociais nas quais o formato da participação foi sendo adquirido experimentalmente. É necessário para a
pluralização cultural, racial e distributiva da democracia que se multipliquem experimentos em todas essas direções.
Essas teses, de uma forma ou de outra, fazem parte da luta dos movimentos e organizações
da sociedade que buscam condições de influenciar as decisões dos governos. Esses movimentos e
organizações promovem a inclusão de pautas de discussão até então desprezadas, além da defesa de
interesses subalternos.
No caso brasileiro é possível identificar diferentes espaços ampliados de democratização, ainda
que a democracia no Brasil seja recente e se encontre em estágio pouco avançado. Esse processo de democratização tem resultado em garantias e instrumentos legais que procuram assegurar a participação
política do cidadão e da coletividade na gestão pública.
A concepção de democracia participativa que combina a representação com formas diretas de
ação por parte do cidadão, já pode ser observada na Constituição Federal de 1988, na medida em que
se identifica a participação popular como princípio de organização da Administração Pública.
Institutos de participação popular na Administração Pública
Os principais instrumentos legais de participação popular não se encontram diretamente definidos ou regulamentados em uma única legislação. Porém, tanto na Constituição Federal como em outras
legislações, como afirma Perez (2004), existem diversas citações sobre formas diretas ou semidiretas de
intervenção dos cidadãos e da coletividade na ação da Administração Pública.
Assim, são instrumentos de ação no campo administrativo, principalmente aqueles previstos no
Estatuto da Cidade, considerados: i) os órgãos colegiados, ii) os debates, as audiências e as consultas
públicas, iii) as conferências e iv) a gestão orçamentária participativa.
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Controle sobre as ações municipais
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Os órgãos colegiados – conselhos, comissões ou comitês participativos – são parte integrante e
independente do Poder Executivo, compostos por representantes da Administração Pública e da sociedade civil, com ou sem paridade de representação. Esse instituto pode ser consultivo, propositivo,
fiscalizatório e/ou deliberativo, de acordo com a definição de suas atribuições.
Quanto aos debates, audiências e consultas públicas, o Estatuto da Cidade não define formato ou
objetivos específicos para cada um desses institutos, que podem ser promovidos pelo Poder Público,
por grupos de cidadãos ou por outras organizações.
As audiências fundamentam-se no princípio da publicidade dos atos da administração e estão relacionadas com o repasse de informações das atividades e definições por parte do Poder Público. Nesse
sentido, têm caráter legitimador das ações da Administração Pública, pois as propostas encaminhadas
pela população não têm, necessariamente, caráter vinculante.
A audiência pública trata da realização pela Administração Pública, em determinada fase do processo de decisão, de uma sessão aberta a todos os interessados, na qual estes exercem seu direito de requerer esclarecimentos, fazer críticas ou dar sugestões e contribuições a respeito de uma determinada
decisão que será tomada pela Administração.
Esse instrumento é obrigatório em determinadas situações, por exemplo, para a aprovação da lei
do plano diretor. Nos casos em que é obrigatória, a realização da audiência é condição de validade do
processo específico e, se não for realizada, o processo de tomada de decisão poderá ser considerado
viciado e por esse motivo anulado.
A consulta pública consiste em procedimento de divulgação prévia de minutas de atos normativos, para permitir que, em determinado prazo, todos os eventuais interessados ofereçam críticas, sugestões de aperfeiçoamento ou peçam informações e resolvam dúvidas a seu respeito.
O resultado da consulta não vincula a Administração Pública às questões deliberadas durante
o processo de realização do instrumento, porém a Administração deve motivar a decisão que eventualmente as refutou. As diferenças entre consulta e audiência são observadas em pelo menos dois
aspectos: (i) enquanto a audiência tem como finalidade principal a publicidade dos atos e/ou o esclarecimento das atividades e decisões da Administração Pública, a consulta objetiva recolher opiniões
dos cidadãos a respeito de determinado processo decisório; (ii) na consulta não vigora o princípio da
oralidade, inexistindo sessões públicas de debates orais.
Os debates públicos, por sua vez, têm por objetivo explicitar o confronto de opiniões no sentido de ressaltar a diversidade de interesses e possibilitar concertações em torno de temáticas específicas. Da mesma forma que os demais instrumentos citados, os debates não têm caráter vinculante.
As conferências são espaços capazes de propiciar uma ampla participação popular devido às suas
características em relação a (i) forma de representação, (ii) à capacidade de influência no processo decisório e (iii) à frequência de realização.
As deliberações tomadas em conferência em geral vinculam a decisão da Administração Pública,
o que a torna um dos instrumentos mais importantes de democracia participativa. Além disso, permite
a participação direta ou semidireta (por delegação) do cidadão no processo decisório. Aliado ao fato
de serem realizadas periodicamente, institucionalizam um processo de real intervenção do cidadão na
gestão pública. Sua periodicidade de realização caracteriza também a periodicidade de avaliação e revisão de suas decisões, garantindo mais flexibilidade à Administração Pública.
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Controle sobre as ações municipais
Quanto ao orçamento participativo, apesar da reputação de que nesse caso a população participa diretamente na definição da aplicação dos recursos públicos, na verdade o orçamento participativo
tem caráter meramente consultivo. A atribuição de decisão sobre o orçamento cabe ao Poder Legislativo. O grande potencial desse instrumento recai principalmente sobre sua capacidade de conferir
transparência à gestão dos recursos públicos e ampliar o controle sobre a Administração Pública por
parte dos cidadãos.
Para além dos instrumentos
É extremamente importante ressaltar que a simples regulamentação de instrumentos de gestão
democrática, seja na Constituição ou em Lei Federal, não é condição suficiente para ampliação dos espaços de participação da comunidade nas decisões políticas. A experiência demonstra que a dinâmica
político-social local é mais importante na construção desses espaços, mesmo que estejam regulamentados processos mais participativos.
Essa experiência revela ainda que a sociedade conseguiu ocupar alguns espaços políticos por
meio de instrumentos de participação, em especial pelos conselhos municipais e pelo orçamento participativo. Dessa forma, demonstra-se a possibilidade de articulação da comunidade para compartilhar
das decisões políticas municipais.
Ainda assim, é necessário ressaltar que normalmente ocorre uma baixa representação de grupos
de menor renda, pois na maioria dos municípios brasileiros os movimentos sociais estão pulverizados,
sem articulação, não conseguindo, portanto, reivindicar espaços de participação. Nesse sentido, a valorização de movimentos organizados, principalmente as associações de bairro e movimentos populares,
pode promover a inclusão desses sujeitos sociais no campo político. Ao Poder Público cabe fomentar
essa articulação e promover a participação desses setores nas decisões políticas. E à sociedade cabe
promover a diversidade de participação caminhando no sentido da inclusão política dos sujeitos sociais
historicamente excluídos do processo decisório.
Responsabilidade fiscal e plano diretor
Como foi possível verificar, além do texto constitucional, outras legislações preveem a participação direta da população nos processos de gestão pública. Além dos casos mais consolidados como as
políticas de saúde, educação e assistência social (que têm regulamentados constitucionalmente seus
processos de conferências e conselhos) e, mais recentemente, as políticas de meio ambiente e das cidades, vale a pena destacar outros dois exemplos.
Em primeiro lugar a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei 101/2000) que estabeleceu alguns procedimentos para conferir maior transparência às contas públicas, conforme pode se observar em seu
artigo 48.
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios
eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o
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Controle sobre as ações municipais
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respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões
simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de
audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e
orçamentos.
Esse artigo se aplica aos Planos Plurianuais e Leis Orçamentárias dos municípios e ressalta a importância da transparência e da participação nas instâncias de discussão e elaboração.
Em segundo lugar, o Estatuto da Cidade estabelece a necessidade de participação na elaboração
dos planos diretores municipais. Conforme o parágrafo 4.º, artigo 40 da Lei 10.257/2001:
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana.
§4.º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
I - a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos
vários segmentos da comunidade;
II - a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III - o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.
Conforme visto anteriormente, os órgãos colegiados, as audiências, debates e consultas, as conferências e o orçamento participativo são os principais instrumentos para garantir que essa participação e
transparência efetivamente ocorram.
Texto complementar
Outros canais de participação da sociedade civil
(GUSSO, 2006)
Ao se falar de organizações da sociedade civil, fala-se em referência à capacidade histórica de
uma sociedade assumir formas de organização que sejam conscientes e políticas. Isso difere de uma
multidão de 30 ou 100 mil pessoas que se reúnem num estádio de futebol para torcer, gritar, incentivar e, às vezes, protestar contra o juiz ou um jogador que errou um pênalti; essas pessoas se manifestam enquanto indivíduos isolados, que após a partida voltam tristes ou alegres para suas casas.
Um grupo torna-se uma organização da sociedade a partir do reconhecimento de seus interesses. Isso significa tomar consciência das relações de poder e dos diversos interesses que estão em
conflito, seja na sociedade de forma geral ou no ramo específico de atuação de tal organização.
[...] Existem muitas [...] formas de organização da sociedade civil, como organizações comunitárias, sindicais ou partidárias e os movimentos sociais.
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Controle sobre as ações municipais
As organizações comunitárias
A tomada de consciência dos problemas existentes num bairro, como falta de saneamento,
creches, espaços de lazer, falta de trabalho pode levar um grupo de moradores a se questionarem
sobre os mecanismos sociais e econômicos que produzem tais condições. A partir disso é possível
que haja o reconhecimento de direitos a serem garantidos ou, até mesmo, conquistados.
Esse tipo de organização está voltada para os problemas do lugar: o bairro, a vila, a comunidade. Este referencial do lugar aproxima a comunidade criando identidades coletivas e estratégias de
sobrevivência e solidariedade, como a criação de Clube de Mães, Clube de Trocas, Mutirões Comunitários, Associações de Moradores, Cooperativas Populares etc.
As organizações sindicais
As organizações sindicais nasceram com o desenvolvimento do capitalismo.
O nascimento e fortalecimento dos sindicatos como espaços de organização e luta dos trabalhadores surgiu da tomada de consciência das formas de exploração pelas quais os trabalhadores
passavam, tais como:
::: jornadas de trabalho de 14 a 16 horas por dia, tanto para idosos, mulheres ou crianças;
::: condições insalubres nos locais de trabalho;
::: péssimas condições de habitação;
::: salários baixíssimos.
Muitos dos Direitos Trabalhistas garantidos nas Constituições foram conquistas dos trabalhadores organizados, como a jornada de trabalho de 8 horas, as férias, a aposentadoria, o seguro desemprego, a licença-maternidade e o direito a greve. Os sindicatos exercem o papel de mobilizar e
organizar os trabalhadores para garantir e reivindicar direitos, uma vez que sozinhos teriam poucas
condições de negociar e melhorar suas condições de trabalho.
As organizações partidárias
A existência de diversos partidos é uma forma de demonstrar que na sociedade existem diversos interesses e visões explicativas sobre o mundo. As organizações partidárias num sistema
democrático irão disputar o acesso ao exercício do Poder do Estado. Essa disputa realizada pela
sociedade através dos partidos, possibilita o controle e o rodízio dos grupos que permanecerão no
poder por um determinado tempo. Tais regras podem e devem ser revistas pela sociedade através
dos partidos ou da pressão popular. Os partidos políticos também atuam como agentes articuladores da sociedade civil, seja ao organizar manifestações, apoiar movimentos sociais ou ao articular
interesses de grupos específicos como empresários, produtores rurais, ambientalistas etc.
Os movimentos sociais
Poderíamos dizer que os movimentos sociais são organizações com uma identidade coletiva
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Controle sobre as ações municipais
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que é construída a partir de uma base de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, ou
seja, uma maneira de pensar e de agir. Os movimentos sociais, em geral, possuem um grau de organização que permite que sua ação seja mais articulada e propositiva. Mais do que reivindicações
pontuais aos movimentos sociais buscam provocar mudanças institucionais (Estado), ou mesmo,
construir um novo projeto de sociedade. Nesse sentido, os movimentos sociais são organizações
com práticas de lutas pela cidadania. Podemos definir três características para os movimentos sociais: (i) ações críticas na forma de denúncia, protestos; (ii) ações de solidariedade e cooperação
entre seus membros; (iii) e ações utópicas, ou construção de uma utopia para transformação da
sociedade. [...]
Atividades
1.
Quem exerce o controle das ações governamentais?
2.
Um importante autor da Modernidade foi Jean-Jacques Rousseau, que tratou das questões
políticas, do Estado e do Governo. Sobre a democracia pode-se dizer que Rousseau:
a) defendia as decisões do Monarca.
b) propunha uma teoria da democracia direta.
c) acreditava no voto indireto.
d) não acreditava na democracia.
3.
Quais são os prós e os contras do controle do Poder Público pela população nos municípios?
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Controle sobre as ações municipais
Gabarito
1.
Além de todos os organismos públicos de controle, como a Câmara de Vereadores, os Tribunais
de Contas, o Ministério Público, o controle deve ser exercido, ainda, pela população.
2.
B
3.
Ao mesmo tempo em que a população está mais próxima das ações dos governantes, e, portanto,
tem mais condições de verificar a prestação dos serviços públicos e da gestão municipal, as
práticas patrimonialistas e clientelistas podem ser mais facilmente sentidas.
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Anotações
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Direito
Municipal
Direito Municipal e Urbanístico
e Urbanístico
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-2945-7
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Direito
Municipal
e Urbanístico
Daniele Regina Pontes
José Ricardo Vargas de Faria