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Transcript
Comentários críticos sobre cinco questões de Física na prova de Ciências da
Natureza – Enem 2013
Fernando Lang da Silveira
IF-UFRGS
[email protected]
Introdução
Reuni em um único documento os comentários realizados durante três dias (27 a 29 de
outubro de 2013) a respeito de cinco questões de Física com equívocos de formulação na prova
de Ciências da Natureza – Enem 2013.
As questões e os comentários foram postados e se encontram disponíveis na seção
Pergunte! do Centro de Referência para o Ensino de Física (CREF) do IF-UFRGS no endereço
http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=indice. Durante os três dias houve mais de 25.000
visualizações nas diversas postagens.
Infelizmente o ENEM apresenta, de forma recorrente, graves problemas de formulação
em diversas questões. Muitos desses problemas decorrem da ideologia da “contextualização a
qualquer custo”, notória nos enunciados das questões. A tentativa de “sempre contextualizar”
não raro conduz a enunciados esdrúxulos, de fato completamente desconectados da realidade,
como, por exemplo, aquele da menina que se deita de biquíni em seu quarto para se bronzear
sob a luz de uma lâmpada incandescente comum (questão de 2012).
É vergonhosa para o nós brasileiros, e em particular para MEC e seu INEP, a existência
de DIVERSAS questões mal formuladas, algumas sem respostas possíveis. Pior ainda é a total
ignorância, reiterada pela publicação de um gabarito que insiste em atribuir uma resposta
quando de fato não há nenhuma resposta possível a uma questão, simplesmente porque seu
enunciado propõe algo impossível tanto na teoria quanto na prática. Refiro-me especificamente
à questão 57 do Caderno Azul da Prova de Ciências da Natureza em 2013 (vide adiante meus
comentários).
Além destas cinco de 2013, na prova de 2012 encontrei outras seis questões mal
elaboradas, criticadas em https://www.if.ufrgs.br/~lang/Textos/Quest_Fisica.pdf .
Nos comentários que faço à presente prova, um aspecto que julgo positivo foi a
possibilidade, concretizada através das redes sociais do Facebook, de muitas pessoas acessarem
as postagens conforme indica o grande número de visualizações no CREF. Aproveitei para
tentar “transformar os limões em limonada”, sempre transmitindo ensinamentos de Física,
ensejados pelas cinco “pérolas” do ENEM.
Ao leitor que discordar com meus comentários agradeço antecipadamente por qualquer
manifestação que porventura fizer.
Questão 82 (Prova Azul) de Ciências da Natureza - 2013
Prof. Lang
Muitas pessoas, inclusive músicos, estão indignados com o enunciado da questão 82, alegando
que o Dó Maior não é uma nota mas um acorde.
Gostaria que o senhor comentasse.
Grato
Questão88
Comentários sobre a questão 82
De fato o Dó Maior é um ACORDE e não uma NOTA, ou seja, uma composição de diversas
notas (frequências) a partir do Dó, guardando entre si uma proporção bem definida entre as
frequências.
Entretanto este não é o único equívoco no enunciado da questão. Outra terminologia inadequada
é se referir aos dois gráficos como ONDAS.
Uma ONDA ocorre no espaço e no tempo, sendo a variável dependente (deslocamento,
variação da pressão, intensidade de campo, ou alguma outra variável) expressa com uma função
de uma ou mais coordenadas espaciais e do tempo. Quando uma onda sonora atinge, por
exemplo, o microfone ela produz um SINAL. Nota que o microfone tem uma localização
espacial definida e o que ele registra é uma informação que depende exclusivamente do tempo.
É notório nos gráficos apresentados que em um dois eixos, o eixo das abscissas, está
representado o tempo. No outro eixo, o eixo das ordenadas, está sendo registrada outra variável
(não identificada na questão), por exemplo, a variação de pressão produzida pela onda no ponto
de captação.
Desta forma os dois gráficos representam SINAIS e não representam ondas pois não há
nenhuma informação espacial no eixo das abscissas. Os SINAIS representados são consequentes
da chegada de ONDAS sonoras no microfone. Acho que ninguém ao representar a vibração de
um oscilador massa-mola (usualmente em um gráfico de deslocamento contra tempo) por uma
senóide dirá que está representando uma onda. Ora, o microfone (parte do microfone) é um
oscilador cujas oscilações dependem do som que sobre ele incide!
Assim sendo, vemos muita Física interessante nesta questão mal formulada. Relevando os
problemas de formulação, a resposta à questão é óbvia!
Questão 77 (Prova Azul) de Ciências da Natureza - 2013: enunciado incompleto?
Boa tarde!
Eles deveriam dizer ele estava com velocidade constante pelo menos, né ?
Jean
Questão 77
Uma pessoa necessita da força de atrito em seus pés para se deslocar sobre uma superfície. Logo
uma pessoa que sobe uma rampa em linha reta será auxiliada pela força de atrito exercida pelo
chão em seus pés. Em relação ao movimento desta pessoa, quais são a direção e o sentido da
força de atrito mencionada no texto?
a)Perpendicular ao plano e no mesmo sentido do movimento.
b)Paralela ao plano e no sentido contrário ao movimento.
c)Paralela ao plano e no mesmo sentido do movimento.
d)Horizontal e no mesmo sentido do movimento.
e)Vertical e sentido para cima.
Comentários sobre a questão 77
De fato o enunciado está incompleto pois pode-se subir por uma rampa com velocidade
constante ou com velocidade variável.
Se a velocidade for variável, a aceleração em um dado momento pode ser orientada rampa acima
ou rampa abaixo.
Se a velocidade for constante ou se variar de forma que a aceleração seja orientada rampa acima,
então a única força que poderia estar orientada rampa acima é a força de atrito. É necessário
portanto que a força de atrito seja orientada rampa acima para que sua intensidade se iguale
à(no caso da velocidade constante) ou exceda a (no caso de a aceleração ser orientada rampa
acima) intensidade da força orientada rampa abaixo (componente do peso paralela à rampa
somada à força de resistência do ar).
Caso a velocidade seja orientada rampa acima e a aceleração tiver o sentido rampa abaixo (então
a velocidade da pessoa está diminuindo em módulo) é possível que a orientação da força de
atrito seja orientada ou rampa acima, ou rampa abaixo ou que nem exista a força de atrito.
Portanto para que a resposta seja "c) Paralela ao plano e no mesmo sentido do movimento." o
enunciado deveria especificar ou que a velocidade é constante ou que a aceleração da
pessoa tem orientação rampa acima.
Questão 75 (Prova Azul) de Ciências da Natureza - 2013 - Alternativas incompletas!
Questão 75
Comentários sobre a questão 75
O enunciado da questão admite que a segunda "resistência" (na verdade o segundo resistor, pois
resistência elétrica é a propriedade de condutor, no presente caso do fio!) seja feita do mesmo
material que o material do primeiro fio. Entretanto é bem sabido que a resistência de um
condutor metálico rigorosamente depende da temperatura e, ao trocar um fio pelo outro, ainda
que a potência dissipada permaneça inalterada, a temperatura do fio pode se alterar. Se o fio for
mais fino, diminuirá a área de dissipação (área lateral do fio) e para a mesma potência
dissipada o fio operará em temperatura mais alta, afetando desta forma a resistividade.
Então, faz-se necessário no enunciado da questão uma complementação simplificadora, a de
que a resistividade do fio não seja afetada pela temperatura. Desta forma no enunciado da
questão deveria ser dito:
...é trocar a resistência por outra de mesmo material (admitindo-se que a resistividade não
dependa da temperatura) e com o (a) ...
Um amigo e ex aluno, o Lxxx, considera um preciosismo o que acima coloquei entre parênteses.
Abaixo comentarei a necessidade de tal preciosismo.
É bem sabido que a resistência de um fio depende da área da seção transversal do fio e do seu
comprimento. Qualquer uma das duas características sendo variada, mantida a outra
constante, alterará a resistência.
No caso em pauta, para manter a potência constante, dado que a tensão (ddp) foi duplicada, a
resistência elétrica do fio deve ser quadruplicada pois a potência é igual ao quadrado da tensão
dividido pela resistência.
Uma das formas de quadruplicar a resistência elétrica é reduzir a um quarto a área da seção
transversal, mantido o comprimento do segundo fio igual ao do primeiro.
Desta forma, para que a resposta correta seja a alternativa e), é necessária a seguinte redação:
e) quarta parte da área da seção reta do fio original e igual comprimento do fio original.
Todas as outras alternativas devem fazer referência explícita à característica do primeiro fio que
é mantida inalterada no segundo fio!
Outra forma de garantir a cláusula ceteris paribus (todo o resto constante) é modificar o
enunciado da questão para:
Uma das maneiras de fazer esta adaptação é por trocar uma resistência por outra, sendo que a
segunda resistência é de mesmo material que a original e difere da primeira apenas no
comprimento do fio ou na área da seção transversal. Então a segunda resistência deve ter o(a)
...
Quanto ao preciosismo alegado pelo Lxxx: Há que se ser detalhista quando se trata de um
concurso, mormente uma prova com a magnitude do ENEM. Se o redator de uma questão não
atentar para os detalhes, abre a guarda para a impugnação da questão!
Questão 85 (Prova Azul) de Ciências da Natureza – 2013 SEM RESPOSTA ÚNICA!
Questão 85
Comentários sobre a questão 85
A questão 85 NÃO possui informações suficientes para que se chegue a uma ÚNICA resposta
pelas razões explicitadas a seguir:
- Os dados sobre a velocidade média e o intervalo de tempo de aceleração da barra até atingir a
catraca permitem calcular a deformação sofrida pela mola até no momento do impacto:
5,0m/sx0,006s=0,030m=3,0cm.
- A seguir podemos calcular a intensidade da força elástica na mola no momento do impacto
pois conhecemos a deformação e a constante elástica: 5x10-2N/cm x 3,0cm=0,15N.
- Um complicador adicional é que ao mover a barra através do campo magnético surge uma fem
induzida que reduzirá a intensidade da corrente.
- Mesmo que admitamos constante a intensidade da corrente (desprezando os efeitos
indutivos), há que se fazer uma suposição sobre a intensidade da força magnética no
momento do impacto para bem de se resolver o problema. Se o enunciado da questão
explicitasse o que se entende por "dispostivo funcione corretamente" talvez houvesse uma
solução única para a questão.
- Se supusermos que a intensidade da força magnética é 10 vezes a intensidade força elástica (ou
talvez igual à intensidade força elástica, ou talvez ... sabe-se lá qual valor), então poderemos
encontrar a intensidade do campo magnético (na verdade intensidade da INDUÇÃO
MAGNÉTICA). Fazendo o cálculo com o fator resulta
10 x 0,15N=6,0A x 0,05m x B,
B=5,0T.
Admitida outra hipótese, por exemplo, que a intensidade da força magnética seja igual à da força
elástica, resultaria B=0,5T.
Se a intensidade da força magnética fosse igual a um décimo da intensidade da força elástica,
resultaria B=0,05T.
E assim por diante ...
Das três possibilidades acima, arbitrariamente, e tendo-se em conta que o dispositivo deve
produzir uma indução magnética uniforme sobre no mínimo uma região com área de 3,0cm x
5,0cm = 15 cm2 e dado que uma característica inelutável das questões do ENEM é a
“contextualização a qualquer custo”, a terceira possibilidade (B=0,05T) seria a mais realista.
De qualquer forma há MUITAS respostas possíveis (virtualmente infinitas) para esta questão!
Questão 57 (Prova Azul) de Ciências da Natureza - 2013 SEM RESPOSTA!
A questão 57 da Prova Azul de Ciências da Natureza NÃO tem resposta entre as alternativas
oferecidas e, adicionalmente, a figura e o enunciado da questão propõem ABSURDOS sobre
aquilo que de fato acontece em uma garrafa pet, cheia de água e com três pequenos orifícios na
sua lateral.
Comentários sobre a questão 57
A figura representando os jatos de água que saem de uma garrafa pet com três pequenos
orifícios é inconsistente com a teoria sobre tal situação e com a experimentação. É fácil se
demonstrar teoricamente que o alcance do jato é máximo na metade da altura da coluna
de água interna à garrafa: se a garrafa estiver cheia até o gargalo, o alcance máximo acontece
aproximadamente para a água que sai do orifício superior da figura da questão.
Os experimentos corroboram que o alcance da água que sai do orifício na região mediana da
coluna de água interna à garrafa é MAIOR do que próximo à base da garrafa. Vide por exemplo
http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_academica/dissertacoes/2013_Geraldo_Plauska/dissertacao
_Geraldo_Plauska.pdf ou a foto abaixo gentilmente enviada por Simone Benvenuti (ou ainda
mais adiante em outra foto que eu realizei).
Ainda que se ignore o ABSURDO da figura na questão, há outra inconsistência no
enunciado, inexistindo resposta correta a esta questão, e sendo enunciado da questão
duplamente ABSURDO.
Vou a seguir argumentar sobre o segundo ABSURDO do enunciado.
Quando a garrafa está fechada e admitindo que a água NÃO escoe, a situação é do domínio da
ESTÁTICA DE FLUIDOS.
A LEI DE STEVIN ou LEI FUNDAMENTAL DA ESTÁTICA DE FLUIDOS afirma que NÃO
há diferença de pressão entre pontos de um fluido estático se tais pontos estiverem no
mesmo nível, isto é, se estiverem sobre uma superfície equipotencial gravitacional (neste caso
uma superfície horizontal).
Portanto se a pressão externa à garrafa junto a um orifício for maior do que a pressão
interna, o ar seria forçado para dentro da garrafa. E sendo menor, a água é forçada para
fora da garrafa. Para a água não sair por um orifício, a pressão externa e a pressão
interna no orifício devem ter o mesmo valor. Entretanto não existe uma única pressão
interna à garrafa pois a pressão dentro da garrafa é variável espacialmente, ao longo da coluna
de água. Entre dois pontos em níveis diferentes de um fluido, o ponto superior se encontra a uma
pressão MENOR que o ponto inferior (Lei de Stevin).
Na figura abaixo vemos uma garrafa pet sem a tampa com três pequenos orifícios pelos quais a
água vaza em acordo com o discutido anteriormente, demonstrando mais uma vez que a figura
da questão está errada. Nota-se nesta foto que de fato o alcance máximo ocorre no orifício
intermediário.
A próxima figura mostra uma garrafa cheia de água, com a tampa atarraxada e os três orifícios
lacrados com parafina.
Sendo o lacre de parafina retirado do orifício mediano a foto seguinte comprova que NÃO vaza
água para fora da garrafa .
A última foto mostra a garrafa VAZANDO após o orifício de cima também ter sido aberto
demonstrando experimentalmente a impossibilidade de não vazar água quando existe mais
de um orifício aberto.
Vou demonstrar teoricamente que a suposição de, havendo mais de um orifício aberto, não
ocorrer o vazamento de água conduz a um ABSURDO.
1 – Como a pressão interna a cada orifício deve ser igual à externa, internamente à garrafa
dever-se-ia ter a mesma pressão junto aos orifícios.
2 – A Lei de Stevin garante que dois pontos em níveis diferentes dentro da garrafa estão a
pressões diferentes.
3 – Portanto é impossível se obter a situação estática com mais de um orifício aberto. Ou
seja, acontece o que de fato vemos na foto anterior: a água vaza da garrafa pelo orifício mediano
quando o orifício superior é aberto, entrando ar na garrafa pelo orifício superior.
Quando se abre o terceiro orifício no pé da garrafa, vê-se água vazando pelos dois orifícios
inferiores e ar entrando na garrafa pelo orifício superior.
Portanto o problema envolve em seu enunciado duas suposições ABSURDAS sendo
IMPOSSÍVEL QUE A ÁGUA NÃO VAZE DA GARRAFA TAPADA COM OS TRÊS ORIFÍCIOS
ABERTOS!